Antes mesmo de os bares terem recebido ordem para reabrir em Israel, no início de março, Ilan Ejzykowicz, com a segunda dose da vacina da Pfizer tomada desde 21 de janeiro, encontrou-se na rua com um grupo de amigos, todos devidamente vacinados, pela primeira vez depois de longos meses. À falta de cerveja fresca, brindaram com a garrafa de ginja de Óbidos que o brasileiro, de 32 anos e a viver em Tel Aviv, ainda guardava da última visita a Portugal, em 2019. “Só não tínhamos copos de chocolate”, recorda o guia turístico ao Observador, ao telefone e à porta de um dos centros comerciais da segunda maior cidade israelita — terminado o terceiro confinamento, e com metade da população vacinada contra a Covid-19, Tel Aviv está a funcionar em pleno.
Desde que a campanha de vacinação arrancou em Israel, no dia 19 de dezembro de 2020, e até ao passado dia 17 de março, 5,15 milhões de pessoas já tomaram a primeira dose da vacina da Pfizer, sendo que 4,4 milhões já completaram a segunda também. Isto num país de 9,29 milhões de habitantes, onde cerca de 2,5 milhões têm menos de 14 anos e por isso não estão sequer aconselhados a tomar a vacina. Com os números de infeções, internamentos e mortes a baixar de forma drástica — segundo um estudo publicado no final de fevereiro no New England Journal of Medicine a vacinação reduziu em 94% os casos no país —, Israel, que no outono esteve entre os piores países do mundo, é agora o primeiro a ensaiar um regresso à vida normal. Nas contas totais da pandemia, o país já teve 825.562 infetados — 6.069 pessoas morreram, mais de 798 mil já foram dadas como recuperadas. Neste momento, o índice de transmissão estabilizou nos 0,7.
“As pessoas andam às compras, muitas com os filhos, está tudo muito próximo do que era antes, a única diferença é a máscara, que ainda é obrigatória na rua e nos espaços públicos. Os autocarros já voltaram a ficar cheios e as lojas e os parques também”, descreve Ilan Ejzykowicz, que antes da pandemia morava sozinho em Jerusalém mas que entretanto, sem turistas para guiar, achou por bem voltar a morar com os pais, em Holon, nos arredores da segunda maior cidade do país. Agora, um ano depois, começa finalmente a ver a luz ao fundo do túnel e a pensar em voltar a morar sozinho.
[Veja o vídeo da vida noturna em Tel Aviv]
A mãe, de 63 anos e funcionária num jardim de infância, já voltou ao trabalho. O pai, de 67, que trabalha no Aeroporto Internacional Ben Gurion e, desde que as fronteiras fecharam, a 24 de janeiro, tem estado em casa, recebeu esta quinta-feira um telefonema a avisar que a partir do início da próxima semana tem de se apresentar ao serviço. “Parece que o aeroporto, que já estava aberto, vai começar a ter mais movimento. No domingo, que é dia útil, já vai trabalhar. Aqui reclamamos dos domingos, não das segundas-feiras”, graceja o brasileiro, do Rio de Janeiro, que conseguiu receber a primeira dose da vacina no primeiro dia do ano porque tinha uma viagem marcada para o Brasil, que acabou por não acontecer.
Agora todas as pessoas a partir dos 16 anos podem ser vacinadas e receber o green pass que funciona como um passaporte para o regresso à vida normal (já lá iremos), mas na altura não seria bem assim — a vacinação foi feita por fases, a começar nos mais idosos. O que sempre houve foi a possibilidade, no final de cada dia, de receber as doses excedentes que, uma vez descongeladas, ou eram administradas a quem aparecesse ou deitadas para o lixo, explica o brasileiro. “Muitas pessoas não tinham conhecimento disso ou não tinham tempo para esperar e não foram vacinadas tão cedo, mas eu sempre partilhei e sempre estimulei os meus amigos a vacinarem-se: quanto mais depressa toda a gente se vacinar, mais rapidamente voltamos ao normal.”
No caso de Paulo Martins, português a viver em Kfar Saba, cidade a 20 quilómetros de Tel Aviv, há uma década, com a mulher, israelita, e dois filhos menores, não foi preciso fazer marcação num dos inúmeros centros de vacinação espalhados pelo país nem sequer esperar pelo fim do dia — para além de as doses serem gratuitas, são de fácil acesso e chegam para todos, explica o treinador de ginástica de trampolins, de 53 anos, ao Observador.
“Um dos pisos do centro comercial aqui perto tem um centro de vacinação. Um dia de manhã, ainda estávamos em confinamento, fiz as compras no supermercado, passei por lá, tirei uma senha, esperei um quarto de hora e fui vacinado. Recebi a segunda dose em fevereiro, há cerca de um mês que estou vacinado. Os meus pais, que vivem em Portugal e têm 76 e 81 anos, estão em casa à espera e ainda não têm sequer data”, compara o português.
Agora que o confinamento acabou diz que está, como o país, de regresso à “vida normal”, mas não entra em euforias: “Antes de ser vacinado não corri riscos, não estive com mais pessoas do que devia nem me coloquei em situações em que pudesse haver contágio; desde que fui vacinado a diferença não é por aí além, não me sinto mais ou menos seguro, o que sinto é que avançámos um pouco mais nesta história de vencer a pandemia. A nível global, como população, o risco é mais reduzido”.
Apesar de poder, porque desde que março começou tudo isto voltou a ser permitido em Israel (se bem que com lotações reduzidas e em muitos casos apenas para os vacinados), Paulo Martins ainda não foi a concertos, festas, cinemas ou teatros, nem a um estádio ver um jogo de futebol — pela primeira vez no espaço de um ano, no fim de semana passado os adeptos vacinados foram permitidos nas bancadas, 1.500 no total em cada campo. Mas já aproveitou para jantar fora num restaurante, já esteve em bares e até tentou marcar umas mini-férias para aproveitar a interrupção letiva da Páscoa. “Já fiz tudo o que quis, não temos restrições absolutamente nenhumas — ou temos, uma: ainda não podemos sair para o estrangeiro. Mas os hotéis já reabriram e podemos ir de férias cá dentro, o único problema é que está tudo lotado e os preços ficaram muito inflacionados. Os israelitas viajam muito e, como não podem viajar para fora, agora viajam cá dentro.”
“Brindámos à vacina, à saúde e à liberdade”
No caso de Ilan Ejzykowicz, em que voltar ao normal será regressar ao trabalho, este boom de turistas domésticos acaba por vir a calhar — já que os internacionais, tendo em conta o estado da vacinação no resto do mundo, ainda deverão demorar algum tempo a chegar.
A 18 de março, segundo dados da plataforma Our World in Data, Israel já tinha administrado 111,27 doses por cada 100 habitantes. Os Emirados Árabes Unidos, no segundo lugar do top, já tinham distribuído 70,58 doses; o Chile 42,46; os Estados Unidos 34,6; Portugal 12,11; e o Brasil, de onde chegava a maior parte da clientela de Ilan, não tinha ido além das 6,12 doses por cada 100 pessoas.
Ao longo do ano que passou, foi apoiado pelo governo, com uma prestação mensal de cerca de 5 mil sheqels, cerca de 1.270 euros. “É um pouco baixo, ganhava consideravelmente mais, mas já dá para me governar”, diz o guia turístico, para depois revelar os planos que tem para o resto do dia, e que os amigos de outros países, através das redes sociais, já lhe começaram a invejar. “Agora vou jogar vólei na praia e logo à noite vou sair, vou a um bar com amigos. Ontem também estivemos num bar, a celebrar o Dia de São Patrício. E no fim de semana passado também fui a um restaurante. A conversa agora gira sempre em torno do mesmo assunto: quem é que já tomou as duas doses da vacina.”
Faz diferença: os cafés, bares e restaurantes que, durante o terceiro confinamento, só podiam trabalhar em regime de entrega ao domicílio — até o take-away estava interdito —, podem receber clientes desde 7 de março, mas as regras são diferentes para quem foi ou não vacinado. Na esplanada, em mesas dispostas à distância de dois metros, qualquer pessoa pode ser servida; no interior dos espaços, que não podem ultrapassar 75% da lotação, só entra quem tiver o green pass, no telemóvel ou em papel, com um QR Code, para mostrar.
Isto nos casos em que as regras são cumpridas, concede Ilan Ejzykowicz. “Nem todos estão a pedir, alguns empregadores passaram tanto tempo sem receber clientes que agora não querem recusar ninguém. Foi criada uma aplicação, a que são associados os nossos dados de saúde, e que mostra se já recebemos as duas doses da vacina ou se tivemos coronavírus recentemente e por isso não precisamos de tomar. Uma vez fui a um restaurante com uma amiga que só tinha a primeira dose e não nos deixaram entrar. Como a esplanada estava completa, tivemos de procurar outro lugar”, conta. Já para outro tipo de eventos, como jogos ou concertos, que desde o final de fevereiro começaram a acontecer em experiências-piloto, reservadas para um máximo de 500 vacinados, em estádios com capacidade para 300 mil pessoas, o green pass é mesmo obrigatório.
Questionado sobre se os vídeos que têm sido publicados nas redes sociais de jovens a beber e festejar em bares israelitas serão a exceção ou a regra, o guia turístico brasileiro partilha a sua própria experiência: assim que o confinamento foi levantado, a primeira coisa que fez foi marcar encontro com outros cinco amigos, num bar de Tel Aviv. “Estávamos todos muito cansados da rotina do coronavírus, sentíamos falta de nos encontrarmos num sítio público. Bebemos cerveja e celebrámos o nosso encontro. Brindámos à vacina, à saúde e à liberdade. Os bares estão cheios, a juventude está na rua e a expectativa é de que as coisas voltem cada vez mais ao que eram antes, mas claro que ainda temos dúvidas sobre o que vai acontecer.”
In Israele si festeggia l’uscita dall’incubo del Covid ❤️ pic.twitter.com/JekA2uMOOz
— Tiziana Della Rocca (@Tiziana_DR) March 13, 2021
O facto de os pais — ela hipertensa; ele hipertenso, obeso e com diabetes — já estarem ambos vacinados, diz Ilan, dá-lhe algum alento. O pior é o resto: “Não sabemos até que ponto é que este regresso ao normal está a acontecer por conta das vacinas ou das eleições, muitas pessoas receiam que tudo isto possa estar a ser feito para melhorar a imagem do primeiro-ministro Netanyahu e que depois voltemos a ter restrições”, diz o brasileiro, incluindo na equação as legislativas do próximo dia 23 de março, as quartas para o Knesset, o parlamento israelita, no espaço de apenas três anos, como se não bastasse disputadas numa altura em que o líder do Likud está a ser julgado por corrupção.
Cidadãos de primeira e cidadãos de segunda (sem green pass)
Esta é uma questão que tem desinquietado os israelitas e não só. “É bom que aqui em Israel estejamos tão avançados, e o que foi feito é obviamente para a população e foi louvável, mas também temos de reconhecer que foi uma medida política. O Nentanyahu fez um acordo com a Pfizer e com os americanos para podermos ter primeiro um número de vacinas ilimitadas com condições que mais ninguém tem. Israel está a partilhar com a Pfizer os dados clínicos, não identificados, claro, de toda a gente que é vacinada. Duvido que isto fosse possível em qualquer país da Europa, por exemplo”, aponta o português Paulo Martins.
Outra questão prende-se com os problemas legais e morais que o passaporte de vacinação veio colocar, escancarando portas para uns e colocando entraves a outros — não sendo, pelo menos para já, a vacinação obrigatória para a população. Como o próprio ministro da saúde, Yuli Edelstein, avisou logo em fevereiro, “quem não for vacinado vai ser deixado para trás”. Sendo que isso tanto pode significar ficar à porta de ginásios, piscinas, museus, restaurantes, bares, discotecas e eventos culturais e desportivos ou até perder o emprego. Paulo Martins, por exemplo, já foi a vários locais onde supostamente deveria ter de mostrar a aplicação e nunca lha pediram. “A única vez que tive de a utilizar foi quando enviei uma cópia para o meu patrão”, explica o português, que trabalha com atletas de competição e também dá aulas a crianças em idade escolar, que ainda não são vacinadas.
“Como se esta sociedade não estivesse já suficientemente dividida, agora temos esta nova divisão entre vacinados e não vacinados, é como se este fosse um novo sistema de duas classes. E isto está a levantar muitas questões legais e morais”, explicou recentemente Isabel Kershner, a correspondente do New York Times em Jerusalém, num podcast gravado para o jornal sobre o assunto.
“A vacinação é voluntária. E há algumas pessoas que, por alguma razão, decidiram não se vacinar nesta fase. Isso levanta uma série de questões: poderão os seus empregadores dizer-lhes que, assim sendo, não podem ir ao escritório? O Ministério da Saúde quer passar listas de pessoas não vacinadas às autoridades locais, diz que é apenas para que as autoridades as possam contactar e convencer a tomar a vacina, ou para saber, por exemplo, quem de entre o pessoal docente escolheu não ser vacinado antes do regresso às aulas presenciais, que já está a acontecer agora. Isto será legal? Há grupos de direitos dos cidadãos que dizem que se trata de uma invasão de privacidade e já fizeram queixa para o Supremo Tribunal”, acrescentou a jornalista.
Mercedes Obadia é franco-israelita, tem 71 anos e diz que há pelo menos nove anos e oito contas de Twitter, “sucessivamente suspensas”, que se dedica a “defender Israel da desinformação e de notícias falsas sobre o conflito israelo-palestiniano”. Agora, que o processo de vacinação é o que está na ordem do dia, diz ao Observador que se viu obrigada também a intervir, isto sem defender nenhum dos lados, apenas a liberdade de escolha que a mantém, apesar do risco acrescido pela idade, ainda por vacinar. “Estive no mercado da arte, tive galerias durante 30 anos, mas já estou reformada. Se assim não fosse não teria hesitado nem por um segundo em ser vacinada”, garante, para depois assumir que, após muita ponderação, decidiu finalmente juntar-se à metade da população vacinada.
“Há um parâmetro importante a ter em conta: os judeus têm muitos inimigos e Israel também. Assim, quando um israelita discorda do que está a acontecer no seu país e usa as redes sociais para se expressar, deve fazê-lo de forma inteligente e perspicaz, para evitar levantar ainda mais anti-semitismo e anti-sionismo. Os anti-vacinação franco-israelitas estão a atacar com desprezo e cinismo os vacinados neste país onde escolheram viver. Criticar uma política de saúde é uma coisa, outra é criticar os cidadãos. É inadmissível ver estes não vacinados a tirar partido da liberdade, enquanto criticam os vacinados: porque é a estes vacinados que eles devem essa liberdade”, continua a defender, para depois reconhecer as falhas do processo. “Existem três categorias de pessoas vacinadas em Israel: as que acreditam na vacina; as que querem regressar a uma vida normal, com viagens, hotéis, espetáculos e discotecas; e as milhares e milhares de pessoas que são vacinadas para não perderem o emprego.”
Enfermeira num hospital de Tel Aviv, para onde se mudou há 10 anos, quando decidiu deixar o Brasil, onde nasceu, Stefany Magid tem 29 anos. Vacinada desde janeiro, diz que a polarização é tão real que já deu até origem à fundação de um novo partido de extrema-direita, anti-confinamento e anti-vacinação, o Rappeh. “Foi criado por um ex-médico (perdeu a licença), que é contra os confinamentos, o uso de máscaras e a administração de vacinas, e que conseguiu formar um nicho de apoiantes considerável.”
No outro lado do espectro, revela, são já vários os setores, como os da saúde, educação e serviços, a colocar entraves aos funcionários não vacinados. “Há hospitais que já fecharam a porta aos profissionais que não são vacinados. Não os despediram, mas vão colocá-los noutras funções, em que não tenham contacto com o público. E também querem obrigar os professores a vacinar-se”, revela a enfermeira, que durante a segunda vaga esteve a trabalhar em serviços Covid mas que, como entretanto engravidou, já há meses que está afastada dos doentes com SARS-CoV-2.
“Aquilo que está a acontecer é que quem não quer ser vacinado tem de trabalhar em áreas mais administrativas ou ao telefone, em cargos que não requerem o contacto com o público. Realmente existem problemas éticos aqui que não têm solução simples, cada pessoa tem a sua opinião, mas para mim é bem claro que, para esta pandemia acabar, a vacina é a única saída”, conta através de videochamada ao Observador.
Agora grávida de quatro meses, diz que nem por um segundo teve dúvidas sobre se devia vacinar-se ou não. “Vi mulheres grávidas internadas no meu serviço. Apesar de saber que não foram testadas mulheres grávidas, sei que há evidência suficiente de que as vacinas são seguras. Colocando na balança, tenho muito mais medo do coronavírus do que da vacina.”
Tal como ela, também o marido, de 35 anos, e os sogros já foram vacinados. Assim que obteve o seu green pass, uma das primeiras coisas que fez foi abraçá-los. A seguir, marcou encontro com a melhor amiga e, depois de longos meses de conversas via telefone e WhatsApp, foram até à zona do porto antigo de Tel Aviv, onde deram uma caminhada e jantaram, sentadas à mesa de um restaurante. “Foi muito emocionante. O melhor de estar vacinada é esta sensação, a esperança de que o regresso à normalidade vai ser possível, mesmo que ainda estejamos cautelosos. Quando saímos à noite a alegria é contagiante, o alívio geral é palpável no ar.”
Bebidas, fatias de pizza, brindes e bilhetes para o basquete — vale tudo para vacinar mais
Segundo a correspondente do New York Times no país, os judeus ultra ortodoxos e os árabes eram no início os mais avessos à vacina, situação que entretanto o governo tem vindo a conseguir reverter, com o próprio primeiro-ministro a deslocar-se a uma série de cidades e aldeias em campanha pela vacinação.
Eli Greenfield, estudante de enfermagem e voluntária do Magen David Adom, o serviço nacional de emergência médica israelita, explica ao Observador que há ainda outra grande fatia da população que não está convencida com a vacinação, apesar de estar a tirar proveito dos benefícios que ela já trouxe: os adolescentes e os jovens na casa dos 20 anos. “Há quem ache que a vacina lhes vai alterar o ADN e outras coisas loucas, não sei como é que começou mas em Israel há muitos jovens que dizem que não querem ser vacinados porque não querem que lhes cresça uma cauda”, conta a jovem, de 23 anos, ao telefone desde as ruas de Jerusalém.
No início de março, em vez de fazer serviço em ambulâncias ou zaragatoas em centros de teste à Covid, Eli passou uma noite pelas ruas da principal cidade israelita, de apito ao pescoço, a promover a vacina e a tentar levar pessoas para o centro de vacinação improvisado num bar. Para além da primeira dose da vacina, ou como contrapartida por ela, os jovens receberam ainda uma bebida — não alcoólica, faz questão de frisar.
“O objetivo foi consciencializar as pessoas e explicar-lhes que a vacina é segura. Acho que os jovens que ainda não se vacinaram vão acabar por fazê-lo, motivados pelo green pass, sem o qual não podem ir a bares, restaurantes, discotecas ou eventos desportivos”, diz a estudante de enfermagem, vacinada desde meados de janeiro e a aproveitar tudo aquilo a que o passe lhe dá direito desde a noite em que o confinamento acabou e o Mahane Yehuda, um dos maiores mercados de Jerusalém, voltou a ter bares a funcionar depois de o sol se pôr.
A tática do Magen David Adom, longe de ser inédita, tem sido utilizada um pouco por todo o país, de forma mais ou menos inventiva. Tudo porque, apesar do avanço da vacinação, ainda há muito quem recuse a sua dose — segundo uma sondagem publicada em fevereiro, 25% dos israelitas que ainda não tinham sido vacinados contra a Covid-19 garantiram que não faziam tenções de o ser, 40% deles por temerem efeitos secundários e 30% por duvidarem da sua eficácia. De acordo com um outro inquérito, só 41% dos pais israelitas planeiam vacinar os filhos, entre os 6 e os 15 anos.
No início de março, em Holon, a cidade nos arredores de Tel Aviv para onde Ilan Ejzykowicz se mudou, os primeiros cinco mil vacinados receberam em troca brindes e bilhetes para um jogo de basquetebol. Em fevereiro, Tel Aviv já tinha feito o mesmo mas com outros incentivos: café, fatias de pizza, húmus e knafeh, uma sobremesa típica do Médio Oriente.
“Só falta uma coisa: turistas”
Quando a pandemia começou, Eli Greenfield tinha-se mudado há pouco tempo para o apartamento onde ainda vive, numa das ruas mais movimentadas e barulhentas de Jerusalém. Depois de um ano de silêncio, diz que à medida que o número de vacinados aumenta, a vida começa, como os músicos ambulantes que ali costumam parar, progressivamente a voltar ao normal. “Só falta uma coisa: turistas.”
Apesar de a caça às reservas nos restaurantes ter disparado assim que houve ordem de reabertura, com vários estabelecimentos de Tel Aviv, Jerusalém e Beer Sheva a revelar à imprensa listas de espera de 10 dias e para cima de 400 chamadas recebidas num só dia, a ausência de clientes estrangeiros continua a fazer mossa. Sobretudo para restaurantes como o de Elad Shore, em Tel Aviv, que em 2017 resolveu fazer uma espécie de extreme makeover ao negócio há 84 anos e quatro gerações na família e transformou o tradicional Shlomo & Doron num bar de húmus alternativo, “com uma nova filosofia”, mais virado para os turistas.
“Estamos em Kerem Hateimanim, um bairro antigo, muito popular e com muitos restaurantes, a vida regressou, as pessoas querem sair e as ruas à sexta-feira estão cheias de gente, mas não temos turistas. Espero que voltem em breve”, queixa-se o proprietário e chef, de 32 anos, que há apenas dois ou três aparecia em tudo o que eram roteiros internacionais sobre Israel e servia, por entre hordas de turistas anónimos, celebridades internacionais como Neil Patrick Harris ou chefs com estrelas Michelin.
Agora que recebeu finalmente autorização para voltar a servir às mesas, em vez de funcionar apenas em sistema de entregas ao domicílio, Elad Shore, que também já se vacinou, diz ao Observador que se debate com outro problema, ironicamente decorrente dos apoios que o Estado de Israel tem proporcionado ao longo de toda a pandemia aos trabalhadores. “Antes do coronavírus havia fila de espera para trabalhar aqui, agora não consigo encontrar empregados, nem para cozinhar nem para servir às mesas. Já não há confinamento mas, como o governo vai continuar a pagar subsídios até junho, as pessoas preferem ficar em casa”, queixa-se, como que para explicar por que motivo está a trabalhar mais do que o costume e ainda não pôde utilizar o green pass para regressar à vida de antigamente e sair, senão para ir a um concerto ou a uma discoteca — “Ainda não estão abertas” —, pelo menos para um bar.
Grávida de 4 meses, Stefany Magid também não quer nem ouvir falar em noitadas, só apontar para o final do verão e esperar que as vacinas se mantenham eficazes, para que o seu bebé possa nascer num mundo o mais normal possível. Para já, mantém o otimismo: esta semana, o hospital onde trabalha e cujo parque de estacionamento chegou a ser preparado para receber infetados, encerrou finalmente o último serviço que tinha dedicado exclusivamente a doentes com Covid-19. “Foi muito emocionante para nós, ainda temos 18 pacientes internados com Covid mas que passaram para outras áreas. Só de me recordar do que passámos aqui nos hospitais até me arrepio.”