É uma citação tão batida que está quase ao nível daquela das pedras para o castelo que Fernando Pessoa na realidade nunca disse, apesar de estar tatuada no braço da minha esteticista: em 1968, o folheto de uma exposição de Andy Warhol (que, na verdade, nem foi escrito pelo próprio) vaticinava que “no futuro, toda a gente vai ser famosa por 15 minutos”. 54 anos depois, a fama é uma condição entranhada em tudo e em nada. Qualquer um de nós pode ficar viral num par de horas para depois ser esquecido na mesma janela de tempo. E desafio-vos a encontrarem 20 pessoas que nunca tenham aparecido na televisão, nem que seja num voxpop ou a passar lá atrás num direto num evento público enquanto esbracejam e falam ao telemóvel. Ser famoso nunca foi tão valorizado, mas também nunca foi tão acessível. É um sistema bizarro de oferta e de procura que detona qualquer regra lógica da economia de mercados.

É neste contexto de fartura misturada com sofreguidão que estreia o quarto Big Brother Famosos. Nos 20 anos que passaram desde a criação destes formatos com celebridades (e há sete que não tínhamos uma edição de BB VIP), aconteceram as redes sociais, nas quais os próprios podem fazer figura de asno sem intermediários, o que tira algum interesse e frescura a estas versões televisivas. Nenhum deles nos interessa individualmente, porque em querendo já os vimos remelosos em stories; mas é em naipe que temos esperança de que a divergência e o cansaço causem peixeirada. Como dizem os gurus do guionismo, toda a história é conflito.

A verdade é que a TVI perdeu capacidade de criar famosos de raiz nos seus reality shows com plebe anónima (há quanto tempo não temos uma Fanny ou uma Bernardina ou um Marco das Tortas?), por isso teve de recorrer ao mecanismo de fazer um reality já com famosos à partida. O problema é o clássico: quem é de facto conhecido não precisa geralmente disto; quem aceita é fundo de catálogo que não entusiasma os alfarrabistas do cor-de-rosa.

Mesmo assim, lá estivemos eu e mais 1,8 milhões de portugueses. O canal de Queluz diz ser a melhor estreia – em termos de audiências, não de excelência de conteúdo, calma — de um programa de entretenimento em seis anos. Não faço ideia se isto é verdade ou não, há muito que perdi o interesse naquelas promos constantes dos canais privados a dizerem que foram os mais vistos no domingo à tarde por pessoas de Mangualde entre os 30 e os 37 anos.

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Antes de avançarmos para o elenco deste Big Brother, um preâmbulo: eu trabalho com rádio e televisão, mas não sou propriamente famosa. Já fui reconhecida numa ou outra situação (nomeadamente por uma prostituta no Cais Sodré e pela enfermeira que estava a tirar um bebé de dentro de mim durante uma cesariana. O bebé era meu, calma), mas nunca na vida me referiria a mim como famosa. Dito isto: sou mais famosa do que algumas pessoas que lá estão (sim, Hugo Tabaco, estou a olhar para ti).

Vamos então ao buffet de celebridades:

Bruno de Carvalho: ex-presidente do Sporting, atual DJ — a profissão clássica de um famoso que quer continuar a ter o seu nome em cartazes feitos no Paint, agora que ser RP de discoteca tresanda a 2003. É uma das figuras mais mediáticas em Portugal dos últimos anos, nem sempre por bons motivos. Há que dar a mão à palmatória: a maioria dos portugueses, mesmo que não liguem a futebol, sabe quem é. Índice de fama: 10 em 10.

Mário Jardel: outra figura da bola, o único VIP presente com honras de fazer parte de uma letra do Carlos Tê para o Rui Veloso. É um dos maiores goleadores de sempre do futebol português e fez uma campanha para a Guaraná que levou milhares de portugueses a experimentarem o refrigerante para concluírem que sabe a Coca Cola diluída em Água das Pedras. Tem um percurso atribulado com álcool e drogas, uma carreira política no Brasil e o sorriso simpático de quem nunca está a perceber nada do que se está a passar à sua volta. Na gala de arranque ia fazendo Cristina Ferreira rebentar uma veia dos nervos por ter de lhe estar sempre a explicar as mesmas coisas. Índice de fama: 8 em 10.

Nuno Homem de Sá: ator, essencialmente de telenovelas, o que faz com que todos tenhamos a vaga sensação de que já o vimos a fazer daqueles vilões que mandam matar pessoas num estábulo em Trás-os-Montes para não se descobrir que o pobre é filho do rico. É também repetente nestas andanças de Big Brother Famosos, tendo feito parte da edição de 2002 (ficou em 10.º lugar). Acho bem, se o “Matrix” e o “Sexo E A Cidade” podem fazer um comeback, o Nuno também pode. Índice de fama: 7 em 10.

Catarina Siqueira: cantora e atriz conhecida por ter participado nesse grande conceito de televisão que era o “A Tua Cara Não Me É Estranha”. Que, por sua vez, também era uma competição só para famosos. Ou seja: é famosa por participar em coisas para famosos. Confusos? É uma Famosa de Schrödinger, pronto. Índice de fama: 4 em 10.

Marta Gil: há sempre um ou outro concorrente nestas versões de reality shows para famosos que nos faz pensar “ai, achava que estava bem na vida, o que é que se passou? Serão dívidas de jogo?”. Sim, já sabemos que quem entra na casa diz sempre que vai pela “experiência única”, mas na verdade a única coisa que querem experienciar é poder pagar a conta da água antes que a EPAL vá lá proceder ao corte. Marta Gil marcou a minha geração como protagonista da série juvenil da RTP 2 “O Diário de Sofia”, até então um bastião da modernidade de conteúdos interativos porque podíamos decidir o que acontecia no próximo episódio. Isto foi antes de haver redes sociais, por isso nem me lembro como votávamos, talvez por papiro enviado por um pajem. Marta Gil “andou lá por fora”, a tirar cursos nos Estados Unidos. Agora, fuma cigarros com o Jardel. Os pais devem estar orgulhosos.  Índice de fama: 6 em 10.

Laura Galvão: o meu marido nunca sabe quem é celebridade nenhuma, por isso eu ensinei-lhe a dizer sempre “era dos Morangos, não era?”. Resulta amiúde e aqui não é exceção. Foi protagonista de uma das temporadas da novela juvenil e depois teve uma vida com alguns infortúnios que Cristina Ferreira tentou logo escarrapachar na gala de abertura, que se o The Voice tem coitadinhos que perdem os pais num surto de conjuntivite aqui não podemos ignorar esse quinhão televisivo. Índice de fama: 6 em 10.

Kasha: membro da banda DAMA, sigla para Deixa-me Aclarar-te a Mente Amigo (não, não inventei isto agora, googlem). Banda com algum sucesso, passam na rádio e têm airtime televisivo, mas Kasha deve estar pronto para se afirmar a solo como as celebridades de um nome só, como a Madonna, a Cher e o Toy. Passou recentemente por uma separação da cantora Bárbara Bandeira, que apesar de bastante mais nova sempre me pareceu mais esperta e talentosa do que ele, o que o deve ter carcomido imenso por dentro. Livraste-te de boa, miúda. Índice de fama: 7 em 10.

Jorge Guerreiro: se alguma vez foi picado por uma daquelas aranhas australianas que faz com que fique automaticamente paralisado do pescoço para baixo, talvez já tenha ficado sete horas sem conseguir mexer no comando e a ter de ver aqueles diretos de sete horas em feiras do fumeiro junto a rotundas em capitais de distrito. Se assim foi (lamento!), já deve ter visto Jorge Guerreiro a atuar. Se não, não faz ideia de quem é e vai ficar apenas preocupado com o quão vermelho está aquele peito depilado de fresco. Depois da cera mete-se sempre um bom body lotion hidratante, Jorge! Índice de fama: 3 em 10.

Leandro: cantor romântico, mas com feitio de heavy metal. Brinco, a maioria da gente do heavy metal é um doce e o Leandro é aquele meio limão que ficou a rançar na porta do frigorífico. Tem um sucesso assinalável nas cantigas de amor, mas geralmente anda nas notícias a reboque de polémicas. A última foi ter-se recusado, já em estúdio, a participar no Natal dos Hospitais por não concordar com o line up de artistas em que foi incluído. Porque incluía cantores pimba em vez de, sei lá, o Frank Sinatra. É aquele tipo que vai para a noite para ficar junto ao bar a tentar fazer contacto visual para depois gritar “tás a olhar prá onde, pá?”. Índice de fama: 7 em 10.

Jay Oliver: depois de ter pensado “faz sentido ir o Jamie Oliver, que os restaurantes dele no Reino Unido faliram todos”, percebi que não era o cozinheiro britânico, mas sim um músico angolano. Eu não sabia quem era. Uma breve investigação no YouTube revela que o seu tema “Você Me Kuia”, lançado há seis anos, tem 4,2 milhões de views. O videoclip que pôs há um ano tem 145 mil visualizações. Acontece aos melhores, Jay. Índice de fama: 3 em 10.

Liliana Andrade: o mundo divide-se entre quem perguntou “quem?” e entre os que entoaram logo o refrão de “Ao Limite Eu Vou” das Non Stop. Estou orgulhosamente no segundo grupo, com exceção do reportório das Doce é a única boa música pop lançada por uma girlsband nacional. Recomendo num karaoke, de preferência na Rinchoa, como na minha adolescência. Como respondeu firmemente a alguns machos da casa, ficou com a etiqueta de bitch logo na primeira noite na casa. Que se lixe o patriarcado, Liliana. Índice de fama: 5 em 10.

Jaciara: num passado distante, escrevi uma crónica sobre mulheres de jogadores para um jornal desportivo. Por isso, eu sabia perfeitamente quem dera a ex-mulher de Deco, que tentou ser a nossa Posh Spice da Baía. Mas tenho alguma inveja de pessoas que sabem coisas verdadeiramente úteis, tipo fazer ovos escalfados infalíveis. Dado o sucesso estratosférico do Big Brother Brasil, não é uma má ideia ter alguém do país irmão, a piscar o olho a esse auditório. Agora, até o otorrino da Xuxa deve ser mais famoso que a Jaciara. Índice de fama: 2 em 10.

Hugo Tabaco: isto vai soar rasteirinho da minha parte, mas cá vai: quando a gala arrancou, o Hugo tinha menos seguidores no Instagram do que eu. E sim, isso é um medidor de fama em 2022. Ora eu não sou famosa, nunca fiquei num hotel à pala, pago todas as minhas refeições e a Prozis nem sabe que eu existo. Logo o Hugo, enfim, talvez seja um sucedâneo de “pessoa conhecida”. É DJ, trabalha em discotecas há décadas e suspeito que tem aquele penteado também há décadas. Índice de fama: -1 em 10.

Ficou claro ao entrarem na casa que a maioria não se conhecia antes. E quando digo “não se conhecia” não é no sentido de nunca terem ido à bica e ao pastel de nata juntos. É no sentido de não fazerem a mínima ideia de quem eram aqueles homo sapiens sapiens à sua frente. Nada faz mais ecoar o “Fame” do David Bowie ecoar nas nossas mentes do que uma celebridade chegar a um sítio e ter de se apresentar com o nome, um mini Linkedin e um certo desalento no olhar. Em 13 concorrentes eu conhecia nove, o que tristemente me deixa próxima de conseguir um queijinho de Trivial que não interessa a ninguém.

Em termos de reações à estreia nas redes sociais, iam quase todas num de três sentidos: piadas com drogas por causa de Jardel, Kasha, Bruno de Carvalho (eu posso ou não ter feito alguma no meu FB pessoal, mas vou poupar os processos judiciais a mim própria e ao Observador); a constatação repetitiva de que não eram assim tão famosos e a veloz criação de memes com o momento em que Kasha leva com um monte de farinha. Ser-se um meme é hoje em dia um símbolo de status digital, por isso parabéns ao membro dos DAMA.

No dia seguinte, num dos 300 espaços de debate sobre o programa que contam com 872 comentadores, os escoliastas falavam de pessoas como Hugo Tabaco ou Jorge Guerreiro com termos como “tipos muito porreiros, muito meus amigos”. Ou seja: à falta de famosos suficientes que aceitem ficar num reality show a troco de um voucher do Intermarché, foram amigos de famosos, como se a fama fosse Ómicron e se pegasse só por estar a respirar o mesmo ar. “Na falta de convencermos a Meryl Streep, temos aqui como representante legal o seu amigo Tozé e a sua prima Lurdinhas”.

E depois da gala de arranque, como acontece quase sempre, os ânimos do público esmorecem. Um Big Brother é giro de ver no primeiro dia, para presenciar em direto que cromos saíram na carteirinha, mas depois é um pouco árido. Para retirar dali algumas pepitas com potencial, é preciso gastar muito tempo com aquilo. Parece quando uma pessoa insiste “vê o Doutor Jivago todo que aquilo depois melhora” ou “a descrição do Ramalhete é um bocado seca, mas se insistires a ler os Maias depois há umas cenas de sexo lá para a frente”. É preciso aguardar que comecem a odiar-se ou a amar-se, e por isso precipitam-se antagonismos com joguinhos, hierarquias estabelecidas pelo público ou pela produção, privações (logo na primeira noite ficaram sem algumas camas, algumas malas e a ter de cozinhar num fogareiro).

De qualquer modo, aqui ficam sete momentos que pode ou não querer mencionar numa conversa se o tema descambar nesta espécie de uma viagem de finalistas de séniores:

  • Bruno de Carvalho a cantar uma música das Doce: foi o primeiro momento viral extra gala, apelidado por alguns sites como “hilariante”. É basicamente uma pessoa que nem sabe tocar guitarra, com um pijama amarelo, a trautear o “Amanhã de Manhã”. Não está ao nível do “Sentido da Vida” dos Monty Python, calma;
  • Laura explica a Jaciara o que é um “andar novo”: a primeira discussão foi quando, para traduzir uma boca de Bruno de Carvalho, a atriz explicou à brasileira que a expressão “ter um andar novo” não remetia para aquisições de imobiliário. Bruno achou que isto era envenenar pessoas contra ele retirando piadas de contexto, Laura pediu o VAR e eu pedi só mentalmente para não serem todos tão bebézões.
  • Bruno de Carvalho imita Jorge Jesus: responsável pelo “roubo” de Jesus da Luz para Alvalade em 2015, Bruno mostra que sabe imitar os tiques mais reconhecíveis do treinador. Assim como 92 por cento dos portugueses com a mania que são o Eduardo Madeira;
  • Nuno Homem de Sá chiba-se da pobreza franciscana do prémio final: os analistas financeiros já avisaram várias vezes que 2022 vai ser ano de inflação, e o Big Brother não é diferente. Concorrente na versão de 2002, o ator disse aos colegas que o prémio na altura eram 50 mil euros e que agora são só 25 mil. Como diz o outro, é fazer as contas;
  • Hugo Tabaco expõe problema de flatulência de Jaciara: até vos explicava isto, mas os meus pais pagaram-me um curso e tenho um pouco de pudor em usá-lo para falar de puns.
  • Momento de carinho entre Big e Catarina Siqueira: não é o Big de “Sexo E A Cidade”, é mesmo a voz que dá ordens e tarefas aos concorrentes, uma mistura de vozes do Além à Alexandra Solnado com os megafones do “1984”. Enquanto a concorrente fumava, pensativa, no quintal, Big rompeu o silêncio da noite para lhe assegurar que vai correr tudo bem. Como se a miúda estivesse a caminho da selva da Indochina.
  • Leandro veio para jogar e não para fazer amigos: a produção do programa não tenta sequer disfarçar que colocou lá o cantor para este abraçar todo o cliché do concorrente jogador. Comparando a sua prestação no programa a uma partida de xadrez (o cavalinho anda aos L’s, Leandro), está de cinco em cinco minutos a lembrar que não está ali para fazer amigos. O que calha bem, porque toda a gente parece pronta não para uma amizade, mas para lhe misturar Imodium nas papas de aveia.

E só para não sentir que isto foi uma perda de tempo, contrabalanço com sete factos para tentar limpar a imagem de que tem o QI de um pneu de trator: capital da Lituânia é Vilnius; o livro “A Montanha da Alma” do Nobel da literatura Gao Xingjian é sobre dois desconhecidos que empreenderam uma longa viagem na pista de uma misteriosa montanha; a presidente da Tanzânia é Samia Suluhu; uma receita tradicional de carbonara guanciale em vez de bacon e nada de natas; Capra realizou 37 longas metragens; o símbolo químico do berquélio é Bk; e as pedras usadas no curling são de granito. Não tem de quê. E agora, será que o Leandro já deu uma cabeçada a alguém?