Uma hora depois de se ter despedido do primeiro-ministro, após uma reunião sobre a situação da Covid-19 em Loures, Bernardino Soares esteve no programa Vichyssoise, na rádio Observador, em direto, a explicar a situação no concelho, a avisar que vai ver como será executada, no terreno, a aplicação do reforço financeiro para investir em mais transportes. O autarca não separa as dificuldades nas rede de transportes públicos da situação pandémica no concelho, que tem duas freguesias em calamidade, e também falou do futuro.
Nem liderança do PCP, nem candidaturas presidenciais. Bernardino Soares quer mesmo manter-se à frente da Câmara de Loures por mais um mandato — o terceiro (e necessariamente o último, por causa da limitação de mandatos) que cumprirá caso seja reeleito.
Há duas freguesias ainda em estado de calamidade no seu concelho e aparentemente assim vão continuar. O que é que do seu ponto de vista falhou? Havia havia alguma forma de ter evitado estes surtos localizados?
Estas freguesias caracterizam-se, como em geral outras zonas do território da área metropolitana norte, por existirem manchas de população com forte precariedade laboral, com dificuldades sociais, que usam os transportes públicos e que, nalguns casos, também têm dificuldades habitacionais, sobrelotação ou outras características negativas da habitação. Essas uniões de freguesias são muito vastas e têm algumas dezenas de milhares de pessoas. Nem todos os territórios, nem todas as zonas das freguesias estão com problemas. Havia, no início de junho, alguns focos que, de facto, nos fizeram ter uma enorme preocupação e foi por isso que insistimos e conseguimos que as equipas mistas entre a saúde, a segurança social e o município começassem logo a trabalhar no terreno. Julgo que a situação que temos hoje nesses focos, que é bastante melhor, é também o resultado desse esforço conjunto que se fez ao longo do último mês.
Depois da reunião que teve com o primeiro-ministro, António Costa disse que o problema dos transportes será resolvido com as transferências reforçadas previstas no Orçamento Suplementar. Isso é suficiente para evitar transportes cheios e sem distanciamento possível entre utentes?
Isso ainda não sabemos. Julgo que é positivo que tenha existido porque permitiu que a área metropolitana passasse a ter mais transportes rodoviários. No caso do concelho de Loures são determinantes e são largamente maioritários em termos de transporte de pessoas. O que sabemos é que houve este aumento de 90% e isso foi positivo. Estamos convencidos que deveria ter acontecido bastante antes do dia 1 de julho, porque teria ajudado a uma menor disseminação do vírus. Evidentemente não temos nenhum estudo para o comprovar, mas parece-nos que é evidente que, se as carreiras com maiores dificuldades são as que atravessam as freguesias e os focos com maior incidência da pandemia, algum papel os transportes públicos terão nesta matéria. Vamos procurar comprovar que os 90% estão mesmo a ser postos em prática no terreno, uma vez que há financiamento na área metropolitana, e estamos a fazer a aferição das zonas mais complexas onde há maior incidência de casos, designadamente nestas duas uniões de freguesias. Admito que, mesmo com este reforço, seja ainda necessário pôr mais carreiras nalguns percursos e nalguns horários e vamos procurar fazer essa avaliação nos próximos dias, para não estarmos a tirar conclusões precipitadas. Depois comunicaremos ao Governo e à área metropolitana no sentido de se poderem fazer os acertos necessários.
Há um estudo apresentado na reunião do Infarmed, relativamente ao transporte ferroviário, onde os dados não são muito conclusivos mas que diz que os transportes públicos não estão a ser um foco de contaminação.
Não me parece que se possa concluir isso. Em primeiro lugar, o estudo abordou apenas as linhas ferroviárias , sobretudo o transporte de ferrovia e, portanto, não tem grande aplicação na nossa população. As conclusões não eram que não havia nenhuma ligação, o que o estudo fez foi comparar a incidência da pandemia em freguesias com estações de comboio e a mesma incidência em freguesias sem estação de comboio e que, portanto, tendencialmente não usam tanto o comboio. Há um conjunto de outros fatores que influenciam esta questão. Por exemplo, em muitas linhas de comboio — não é o caso aqui, mas noutros concelhos — muitas pessoas vêm de autocarro até ao comboio para chegarem às linhas principais. Os epidemiologistas têm dito que, até agora, não se comprovou nenhum link concreto entre um determinado caso de contágio e o facto de ter ocorrido exatamente no transporte público. Agora, se temos uma realidade em que as pessoas de determinadas atividades profissionais, com estatuto de precariedade laboral, que vivem em zonas mais deprimidas do ponto de vista social e que usam maioritariamente o transporte público, há mais casos, não podemos concluir que o transporte público é indiferente.
Em junho, o seu concelho tinha cerca de 500 casos e, na altura, dizia que todos os focos estavam identificados. Entretanto a situação foi piorando. Ainda é possível fazer essa identificação? Sabe qual é a situação no seu concelho neste momento?
Estamos a trabalhar sobretudo com dois indicadores: os casos ativos e por outro lado o número de novos casos diário. As conclusões a que chegamos são as seguintes: o número de novos casos diários tem estado estável na última semana e nos últimos sete dias há cerca de 26 novos casos diários, em média. Há uma estabilização no número de novos casos diários e uma diminuição do número de casos ativos. Posso dizer que desde há 15 dias passámos de 516 casos ativos para 453.
Tem havido uma boa coordenação com o atual coordenador regional da região de Lisboa e Vale do Tejo, o secretário de Estado Duarte Cordeiro? Já o ouvimos a pedir mais coordenação regional e o autarca de Lisboa, Fernando Medina, falar também de alguma falta de coordenação.
Duarte Cordeiro tem sido muito útil e não tenho nada a apontar em relação à disponibilidade que tem tido e ao esforço que tem feito para resolver as questões. O que temos defendido é que tem que haver uma maior coordenação — e já está a haver, finalmente — na gestão da rede hospitalar que, até determinada altura, não tinha uma gestão integrada e isso significava que no Hospital Beatriz Ângelo e também no Hospital Fernando da Fonseca havia excesso de internamentos. Neste momento essa gestão está a ser feita de forma mais eficaz e essa era uma das necessidades que sentíamos. A outra é que este modelo que criámos aqui em Loures, com uma fortíssima articulação com as autoridades de saúde e com a Segurança Social e também com as forças de segurança, começou a ser aplicado no dia 2 de junho. Podíamos ter começado mais cedo. Não há nenhum milagre que nos faça resolver o problema no concelho de Loures, há uma grande mobilidade das pessoas na área metropolitana, ou se resolve o todo ou não se resolve cada uma das partes por si só.
Mudando de assunto, o PCP votou contra o Orçamento Suplementar. Acabou-se o tempo em que o partido dava a mão ao Governo para a aprovação de orçamentos? António Costa tem insistido na necessidade de reconstruir uma relação de renovada estabilidade no horizonte da legislatura… como estão as relações entre o PS e o PCP?
Eu acho que é preciso encarar com a mesma normalidade que se encarou os votos a favor em orçamentos anteriores. A avaliação que se fez em relação ao Orçamento Suplementar, no cômputo entre as medidas iniciais e aquilo que foi alterado e que foi aceite das propostas do PCP, foi que o balanço não foi positivo. Isso não significa que não possa haver outro tipo de análise em relação a outros documentos. Diria que essa responsabilidade está sobretudo do lado do Governo, porque certamente não conta com o apoio do PCP para aprovar orçamentos com medidas que consideramos negativas. Não quer dizer que cada orçamento tenha que ter todas as medidas que o PCP defende, uma negociação é assim mesmo, agora o que não pode haver é um conjunto de medidas, como aconteceu neste orçamento, de benefícios para grandes grupos económicos e a manutenção de uma situação dramática em relação a trabalhadores em layoff.
Vai continuar em Loures? Vai ser recandidato nas próximas eleições ou já tem algumas saudades do Parlamento onde esteve várias legislaturas ?
Essa decisão será tomada pelo meu partido, mas continuo cheio de vontade de estar aqui em Loures. E esse é o meu horizonte próximo, não tenho outro.
Nem ser secretário-geral do PCP?
Não, isso sem dúvida que não.
E candidato presidencial?
Não me parece que isso esteja no próximo horizonte. Estou muito empenhado em Loures, é um concelho com enormes desafios e temos dado passos muito importantes. Mas sinto que há ainda muito para fazer e esse é o meu compromisso.
Agora o momento de perguntas de resposta rápida. Preferia passar férias na Coreia do Norte, onde não há caso nenhum de Covid-19, ou na Venezuela, onde as praias são mais bonitas, mas onde as coisas estão mais descontroladas?
Na Venezuela.
E qual é o melhor programa para este Verão, ir à festa do Avante de máscara e com distanciamento social ou ir ao Museu do Aljube com direito a visita guiada por Rita Rato?
Espero que possa fazer as duas coisas, tudo com distanciamento social e máscara.
Ficaria mais contente com o voto de Pedro Nuno Santos no candidato presidencial do PCP ou que Ana Gomes desistisse a favor do candidato do PCP?
Não sei se Ana Gomes vai ser candidata. Isso aí, neste momento, nem é carne nem peixe.
Qual a bebida que mais lhe apetece voltar a tomar este verão: vodka laranja, em homenagem ao acordo que tinha no primeiro mandato com o PSD, ou vodka com pimenta rosa, em homenagem à geringonça?
O melhor é ser rum que é mais de acordo com os meus gostos e com as conotações políticas que se compreendem.