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São perto de 200 nomes e incluem algumas celebridades de Hollywood, decisores políticos, artistas, jornalistas e empresários globalmente reconhecidos. A imprensa norte-americana começou esta semana a divulgar, com base nos documentos tornados públicos pelo tribunal, aquilo que está a ficar conhecido como “A Lista de Epstein” — os nomes que figuram nas muitas centenas de páginas do processo em torno do multimilionário Jeffrey Epstein, que morreu na prisão em 2019 antes de chegar a ser julgado pelas acusações de tráfico sexual de que era alvo por parte da justiça federal norte-americana.
Desde que, na quarta-feira, a justiça dos EUA começou a divulgar os documentos, abunda nas redes sociais uma torrente de desinformação sobre o assunto — especialmente centrada na alegação falsa de que está em causa uma lista de “clientes” de Jeffrey Epstein, ou seja, celebridades para quem o milionário teria angariado jovens mulheres para práticas sexuais forçadas. Não é verdade: tratam apenas de nomes de pessoas mencionadas no processo, a maioria das quais simplesmente referida sem qualquer acusação contra elas.
O magnata norte-americano Jeffrey Epstein foi acusado de ter traficado jovens mulheres e adolescentes a quem teria pagado para que tivessem relações sexuais com figuras públicas nas suas propriedades — especialmente na sua ilha privada. O caso de Epstein chegou mesmo a ser retratado numa mini-série documental da Netflix. O milionário acabaria por se suicidar numa prisão em Nova Iorque, em 2019, com 66 anos, quando aguardava julgamento pelas acusações de tráfico sexual.
Já a sua companheira e cúmplice, Ghislaine Maxwell, foi condenada em 2021 a vinte anos de prisão, que se encontra atualmente a cumprir, por ter cometido os crimes com Epstein. Os documentos agora divulgados estão, na verdade, relacionados com ela: constam dos autos de um processo de difamação movido contra Maxwell por uma das vítimas de Epstein, Virginia Giuffre. Até agora, estes documentos tinham sido tornados públicos, mas todos os nomes mencionados estavam ocultos (e as pessoas identificadas apenas como John Doe ou Jane Doe, o termo usado para alguém desconhecido nos EUA, conforme se trate de um homem ou uma mulher). Todavia, muitos dos nomes já tinham sido revelados pela imprensa: por exemplo, os do ex-presidente dos EUA Bill Clinton e o do príncipe André do Reino Unido já tinham vindo a público nos últimos anos.
Embora o processo de difamação já esteja resolvido desde 2017, o jornal Miami Herald fez um pedido na justiça americana para que os documentos arquivados nos autos do caso fossem divulgados com base no interesse público. Os documentos incluem longas transcrições de entrevistas com possíveis vítimas e outras informações — que tinham os nomes ocultados devido à preocupação com a privacidade das vítimas e das pessoas mencionadas. Em dezembro de 2023, contudo, a juíza de um tribunal de primeira instância que analisou o pedido decidiu que os documentos podiam ser desclassificados, já que uma grande parte da informação já era pública.
A revelação integral dos documentos confirma as muitas notícias já divulgadas sobre referências a figuras como o príncipe André e os ex-presidentes americano Bill Clinton e Donald Trump, mas também dá detalhes sobre referências a celebridades como Michael Jackson, Leonardo DiCaprio, Cate Blanchett, Bruce Willis, Cameron Diaz, David Copperfield e até o físico Stephen Hawking. Isto não significa que algum deles tenha cometido qualquer crime sexual: afinal, o que dizem os documentos do caso Epstein sobre eles?
Príncipe André
O príncipe André do Reino Unido é um dos nomes mais mencionados na documentação — embora, na verdade, seja também aquele sobre o qual há menos novidades. Pode recordar neste longo especial do Observador, publicado em 2019, uma grande parte dos detalhes relativos ao seu envolvimento no caso Epstein.
Entre as alegações que surgem na documentação, há a já conhecida informação de que André visitou a ilha privada de Epstein. Há também o relato de uma das vítimas (cuja identidade continua protegida), que alega ter tido relações sexuais com o príncipe em pelo menos três lugares (Londres, Nova Iorque e a ilha privada de Epstein) quando ainda era menor de idade. Na ilha privada, teria mesmo participado numa orgia com outras menores de idade. Dos documentos agora desclassificados consta também o relato de Johanna Sjoberg, uma das vítimas de Epstein, que alega que André lhe agarrou o peito durante um encontro na casa de Epstein — um relato que também já era conhecido.
Outro dos documentos é o testemunho de Virginia Giuffre, outra das vítimas de Epstein, que também garante ter tido relações sexuais com o príncipe André por indicação de Ghislaine Maxwell. Giuffre diz ter sido levada a aceitar um trabalho como massagista na mansão de Epstein — e que veio mais tarde a perceber que as massagens significavam relações sexuais. O filho da rainha Isabel II negou sempre todas as acusações.
Bill Clinton
O antigo Presidente dos EUA Bill Clinton, que era amigo de Epstein antes de ter cortado relações com ele, é outro dos nomes mencionados na documentação agora divulgada — embora sobre ele, ao contrário do príncipe André, não recaiam quaisquer acusações de crime sexual.
Na verdade, a ligação de Bill Clinton a todo este caso não é nova. Já tinham sido noticiadas as várias viagens que Clinton fez a bordo do avião privado de Epstein, já na qualidade de ex-presidente, bem como as suas ligações a Maxwell. O próprio Clinton já tinha reagido à divulgação do seu nome em associação ao caso, explicando em comunicado, em 2019, que as suas viagens no avião de Epstein tinham sido de caráter humanitário a África — no âmbito de iniciativas de beneficiência de Epstein. As viagens, explicou Clinton, foram sempre acompanhadas por membros da sua equipa e por elementos dos Serviços Secretos. Clinton também assegurou que nunca soube dos “crimes terríveis” de Epstein.
O nome de Clinton aparece várias vezes na extensa documentação. Uma das mais polémicas é na audição de Johanna Sjoberg, uma das vítimas de Epstein, que é inquirida sobre a relação de amizade que existia entre Epstein e Clinton. Sjoberg diz que não sabia se os dois eram propriamente amigos, mas recorda algo que Epstein lhe tinha dito: “Ele disse, uma vez, que Clinton gosta delas jovens, referindo-se às raparigas.” Mas seria uma referência à relação que teria com Monica Lewinsky.
Além destas referências, que já tinham sido noticiadas, surge também um episódio novo envolvendo Bill Clinton. Em causa está uma troca de e-mails entre a denunciante a vítima Virginia Giuffre e a jornalista Sharon Churcher, a quem Giuffre tinha pedido ajuda para publicar um livro sobre os abusos que tinha sofrido. Nessa troca de e-mails, Giuffre alega que o antigo Presidente dos EUA entrou um dia na redação da revista norte-americana Vanity Fair e “ameaçou-os para não escreverem artigos sobre tráfico sexual do seu bom amigo Jeffrey Epstein”. A revista já veio negar a alegação.
Donald Trump
A relação entre Jeffrey Epstein e Donald Trump, dois empresários milionários, não era novidade. Um vídeo que mostra os dois a divertirem-se numa festa nos anos 1990 tornou-se viral quando as acusações a Epstein se tornaram públicas, embora Trump se tenha distanciado do magnata, dizendo que se tinha desentendido com ele há vários anos. Nos documentos, o nome de Trump é mencionado sem que haja qualquer acusação contra ele.
Além da referência já conhecida ao facto de Ghislaine Maxwell ter reconhecido que já tinha estado no clube privado de Trump em Mar-a-Lago, na Florida, surge apenas um episódio com outra referência a Trump. É também no depoimento da vítima Johanna Sjoberg, que recorda uma viagem de avião com Epstein que incluiu uma paragem imprevista em Atlantic City. Quando aterraram, Epstein terá dito: “Ótimo, vamos telefonar ao Trump.” Depois, sugeriu uma visita ao casino de Trump. Mas nõ há nada que indique nem que tenha mesmo acontecido o telefonema, nem sequer algum encontro.
Michael Jackson
O cantor norte-americano Michael Jackson é outro dos nomes mencionados nos documentos — mas apenas de passagem e sem qualquer acusação contra ele. Jackson surge também no depoimento de Johanna Sjoberg, quando é questionada sobre se conheceu algum famoso quando trabalhou para Epstein. Sjoberg recorda que conheceu Michael Jackson na casa de Jeffrey Epestein em Palm Beach. Questionada sobre se também deu uma massagem ao cantor, Sjoberg disse que não, apenas que o viu lá.
Leonardo DiCaprio, Cate Blanchett, Bruce Willis e Cameron Diaz
Em determinado passo da audição de Johanna Sjoberg, surgem vários nomes de celebridades de Hollywood — que, entretanto, já figuram como pertencendo à “lista” de Epstein.
O ponto de partida é uma notícia em que se mencionava que Sjoberg tinha conhecido figuras como Cate Blanchett ou Leonardo DiCaprio. Sjoberg respondeu: “Não os conheci, não. Quando falei deles, era quando o estava a massajar [a Epstein] e ele pegava no telefone e dizia ‘Era o Leonardo’, ‘Era a Cate Blanchett’, ‘Era o Bruce Willis’. Esse tipo de coisa.” Questionada sobre se era apenas name-dropping, Sjoberg respondeu que sim, e que nunca conheceu os atores. O mesmo terá acontecido com o nome, por exemplo, de Cameron Diaz.
David Copperfield
No mesmo documento aparece o nome do ilusionista norte-americano David Copperfield (nome artístico de David Seth Kotkin). Johanna Sjoberg diz que Jeffrey Epstein era amigo do ilusionista e recorda que o conheceu num jantar na casa de Epstein, onde Copperfield fez “alguns truques de magia”. Copperfield terá perguntado a Sjoberg se estava a par de que as raparigas estavam a ser pagas para encontrar outras raparigas.
Stephen Hawking
O nome mais surpreendente a surgir na documentação agora conhecida será, muito provavelmente, o do físico britânico Stephen Hawking, mundialmente reconhecido pelos seus enormes contributos para o conhecimento do Universo. Hawking, que sofria de esclerose lateral amiotrófica e se deslocava numa cadeira de rodas, comunicando através de um computador com uma voz digital que se tornou célebre, morreu em 2018.
Como explica o The Telegraph, a ligação entre Hawking e Epstein já não era uma novidade absoluta. Em 2015 já tinham surgido fotografias de Hawking na ilha privada de Epstein, durante um churrasco e numa viagem de barco. O cientista britânico estava de passagem pela ilha a propósito da sua participação numa conferência que se realizou na zona das Caraíbas. Cerca de duas dezenas de outros cientistas também participaram na conferência, que foi financiada por Epstein.
Nos documentos agora revelados, há uma referência nova a Stephen Hawking. Em causa está uma troca de e-mails de 2015 entre Jeffrey Epstein e Ghislaine Maxwell, na qual Epstein diz que Virginia Giuffre — uma das denunciantes que acusaram o magnata de crimes sexuais — lançou acusações incluindo a de que Bill Clinton tinha jantado com Epstein na sua ilha privada e a de que Stephen Hawking tinha participado numa orgia com menores de idade.
No e-mail, Epstein diz a Maxwell que pode oferecer recompensas a quaisquer “amigos, conhecidos ou familiares” de Virginia Giuffre “que possam chegar-se à frente e ajudar a provar que as alegações dela são falsas”. “A mais forte é a do jantar de Clinton e a nova versão nas Ilhas Virgens de que Stephen Hawking participou numa orgia com menores de idade”, escreveu ainda Epstein.
Jean-Luc Brunel
Outro nome já conhecido que surge nos novos documentos é o de Jean-Luc Brunel, agente de modelos francês que se suicidou na prisão em Paris antes de ser julgado pelos crimes de que estava acusado, incluindo abuso sexual de menores e tráfico sexual — uma investigação que surgiu justamente do caso de Epstein. A justiça francesa acreditava que Brunel não só tinha agredido sexualmente vários menores e adultos, mas também recrutaria raparigas e mulheres para Epstein.
As referências a Brunel nos novos documentos incluem uma declaração da denunciante Virginia Giuffre, que disse ter sido enviada por Ghislaine Maxwell para ter relações sexuais com Jean-Luc Brunel, bem como um documento que mostra que a defesa de Giuffre pediu ao tribunal a recolha de provas e a audição de Brunel no âmbito da ação movida contra Maxwell.
Naomi Campbell
A denunciante Virginia Giuffre conta, numa das suas audições, que desde os seus 16 anos de idade (quando conheceu Ghislaine Maxwell e começou a passar temporadas com Epstein), viajou por todo o mundo acompanhando o milionário, recebeu presentes caros e conheceu múltiplos famosos. Recordou também viagens à Tailândia ou a Paris, onde tinha como função fazer “massagens eróticas”. Recordou, inclusivamente, ter estado em França por ocasião de uma festa de aniversário da famosa modelo Naomi Campbell.
Bill Richardson
O antigo governador do Novo México Bill Richardson é outro nome que surge na documentação. No seu testemunho, a denunciante Virginia Giuffre revela que Richardson (que tinha sido também o secretário da Energia no governo de Bill Clinton e fora embaixador dos EUA na ONU) foi uma das pessoas a quem Ghislaine Maxwell ordenou que desse uma massagem. Nesse mesmo testemunho, Giuffre assegura que uma massagem “significa sexo”.
George Lucas, Al Gore, Kevin Spacey, Alan Dershowitz
O nome do realizador de Star Wars, George Lucas, também surge a certo ponto nos documentos agora conhecidos, embora não recaia sobre ele qualquer suspeita. A denunciante Johanna Sjoberg é questionada por uma advogada sobre vários nomes, incluindo o de Lucas, mas nega ter tido qualquer contacto com ele.
Na mesma sequência de perguntas, são lançados pela advogada nomes como os de Al Gore, Alan Dershowitz, Kevin Spacey ou, no geral, “algum vencedor do Prémio Nobel”. Sjoberg responde que “não” a todos.