Nove anos depois da última visita ad limina, os bispos católicos portugueses voltam no final deste mês ao Vaticano para um encontro de cinco dias com o Papa Francisco e com os principais responsáveis da Igreja Católica a nível global. Os bispos portugueses vão estar em Roma entre os dias 20 e 24 de maio para uma série de reuniões durante as quais vão apresentar a realidade da Igreja em Portugal e recolher orientações e indicações dos responsáveis do Vaticano.
“É um tempo de escuta e diálogo, dos bispos com o Santo Padre e com os organismos da Cúria Romana”, explicou esta quinta-feira o padre Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, durante um encontro com os jornalistas em Lisboa no qual foi revelado o programa completo da visita. Nesse encontro, o sacerdote confirmou que temas como a crise dos abusos sexuais de menores no contexto da Igreja e a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que aconteceu no ano passado em Lisboa serão dois dos temas incontornáveis dos encontros no Vaticano.
A visita ad limina é uma obrigação dos bispos católicos de todo o mundo e deve acontecer a cada cinco anos. A última visita deste género dos bispos portugueses aconteceu em 2015, já com o Papa Francisco. A visita seguinte deveria, em circunstâncias normais, ter acontecido em 2020. Contudo, a pandemia da Covid-19 obrigou ao adiamento da visita para 2023. Depois, os bispos portugueses pediram um novo adiamento da visita, para 2024, de modo a não acontecer antes da JMJ. Seria “quase impossível” organizar a visita durante a reta final dos preparativos do evento, explicou Manuel Barbosa.
O nome da visita é uma abreviatura da expressão latina “Ad Limina Apostolorum“, ou seja, à “entrada” ou ao “limiar” das basílicas dos apóstolos. Na origem desta expressão está a obrigação canónica dos bispos de peregrinarem periodicamente até às basílicas de São Pedro e São Paulo, no Vaticano, para venerarem os túmulos daqueles dois primeiros apóstolos e para se apresentarem ao Papa, que é o sucessor de São Pedro.
“Esta tradição salutar é uma graça de Deus que nos dá oportunidade de estar junto à Sé de Pedro, como um voltar às fontes e às inspirações originais em tudo aquilo que significam esses locais“, diz uma pequena nota distribuída aos jornalistas pelos bispos. “A presença nos locais históricos ajuda-nos a estar ainda mais unidos ao espírito inicial.”
Os bispos explicam ainda que a visita ad limina é, no seu cerne, uma “demonstração de afeto e de obediência ao sucessor de Pedro num reconhecimento visível da sua universal jurisdição sobre toda a orbe católica, dentro de uma peregrinação dos bispos a Roma e com um encontro pessoal com o Santo Padre”. Simultaneamente, o Papa “demonstra afeto e solicitude para com todas as dioceses do mundo, dando-lhes conselhos e orientações”.
Abusos de menores e JMJ serão temas incontornáveis
Respondendo aos jornalistas sobre o programa da visita ad limina, o padre Manuel Barbosa disse não poder “adiantar” detalhes sobre quais os temas que vão estar em cima da mesa nas reuniões entre os bispos portugueses, o Papa Francisco e os responsáveis dos vários dicastérios (a palavra usada para os vários departamentos da Santa Sé, como se fossem os diferentes ministérios do governo da Igreja global).
Ainda assim, o sacerdote confirmou que um dos temas centrais será, necessariamente, a última Jornada Mundial da Juventude, que ocorreu em Lisboa em agosto de 2023 com a presença do Papa Francisco e de cerca de 1,5 milhões de jovens católicos de todo o mundo. Aliás, a visita acontece justamente “no seguimento desse grande acontecimento“, sustentou Manuel Barbosa.
O porta-voz dos bispos portugueses foi também questionado sobre se o tema dos abusos sexuais de menores também estaria presente na visita, uma vez que foi um dos principais assuntos a marcar a atualidade da Igreja Católica em Portugal desde a última deslocação dos bispos a Roma. Manuel Barbosa assegurou que “é um tema que vai ser abordado”, uma vez que “é um tema incontornável e não podia ser de outro modo“.
O sacerdote foi também questionado sobre o facto de o programa detalhado da visita não incluir uma reunião com a Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, o organismo máximo do Vaticano para supervisionar a luta contra os abusos de menores. Contudo, com a reforma da Cúria Romana implementada em 2022 pelo Papa Francisco, aquele organismo passou a estar sob jurisdição direta do Dicastério para a Doutrina da Fé. Por isso, explicou Manuel Barbosa, o tema deverá ser abordado não só na reunião dos bispos com esse dicastério (21 de maio às 10h30), mas também no encontro com o Dicastério para os Bispos (21 de maio às 8h45).
Desde a última visita ad limina dos bispos portugueses, a crise dos abusos sexuais de menores intensificou-se no país: em 2018, o Papa Francisco convocou os bispos de todo o mundo a Roma para uma cimeira sobre a proteção de menores, que aconteceu em fevereiro de 2019; na sequência dessa cimeira, foram implementadas novas regras internas e criadas, em todas as dioceses, comissões de proteção de menores; em 2021, os bispos portugueses anunciaram a criação de uma comissão independente para estudar a realidade dos abusos desde a década de 1950 até à atualidade; o relatório final da comissão, apresentado no início de 2023, revelou uma estimativa de pelo menos 4.815 vítimas de abusos no período estudado; já em 2024, os bispos portugueses anunciaram o lançamento de um programa de atribuição de reparações financeiras às vítimas.
Além destes dois temas incontornáveis, deverá também estar em cima da mesa o Sínodo dos Bispos atualmente em curso — iniciativa de auscultação dos católicos de todo o mundo que terá o seu encerramento formal em outubro deste ano.
O programa da visita é, nas palavras do padre Manuel Barbosa, “muito apertado”. Enquanto a última visita ad limina foi de oito dias, esta será de apenas quatro dias e meio, o que obriga à condensação dos compromissos. O encontro arranca logo na manhã do dia 20 de maio, com um encontro com a Secretaria Geral do Sínodo. Segue-se a visita ao Dicastério para os Institutos da Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica e ainda ao Dicastério para a Evangelização. No final do primeiro dia, os bispos portugueses celebram uma missa na basília de São Paulo, em Roma.
O segundo dia inclui encontros com os Dicastérios para os Bispos, para a Doutrina da Fé e para os Leigos, Família e Vida (aquele que tutela a JMJ), bem como com a Secretaria de Estado do Vaticano. No final desse dia, os bispos celebram uma missa na Igreja de Santo António dos Portugueses, e ainda jantam na embaixada de Portugal junto da Santa Sé.
O terceiro dia inclui encontros com os Dicastérios para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para a Cultura e Educação, para o Clero e para a Comunicação. Este será um dos dias de destaque, já que os bispos portugueses se vão reunir com o único dicastério da Santa Sé liderado por um português: o cardeal José Tolentino Mendonça, que é prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação.
O penúltimo dia inclui ainda encontros com os Dicastérios para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, para a Evangelização e para as Causas dos Santos, bem como um encontro com os responsáveis do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica (o órgão máximo da justiça eclesiástica). Para a manhã do último dia está agendada uma missa na Basílica de São Pedro, presidida pelo bispo José Ornelas (presidente da CEP), e finalmente a audiência com o Papa Francisco.