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“Chatroom”, a nova peça de Ana Borralho e João Galante, encerra a edição desta ano da BoCA
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“Chatroom”, a nova peça de Ana Borralho e João Galante, encerra a edição desta ano da BoCA

“Chatroom”, a nova peça de Ana Borralho e João Galante, encerra a edição desta ano da BoCA

BoCA: uma bienal para a arte contemporânea sem medo nem preconceitos

Lisboa e Faro são as cidades que, de 2 de setembro a 15 de outubro servem de palco para novas criações e diálogos artísticos com mais de 30 artistas. Sugerimos um roteiro com 14 propostas.

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Dar voz, lugar e colocar um foco de luz sobre o invisível, revelando o que está quase sempre escondido. À partida para a quarta edição, a Biennial of Contemporary Arts (BoCA), dirigida por John Romão, tem como mote o “Presente Invisível” e irá viajar entre as artes performativas, as artes visuais, a música, o cinema, debates e workshops. A bienal que teve a primeira edição em 2017, pretende reivindicar corpos e gestos que, devido ao satus quo dominante, são, em muitos casos, remetidos para uma periferia omissa ou subjugada. Ganham agora palco, nas cidades de Lisboa e Faro, onde irão ocupar mais de 30 espaços, entre teatros, museus, centros culturais, espaços patrimoniais, naturais e discotecas, com novas criações, encomendas, mas também colaborações e diálogos inusitados entre artistas e diferentes práticas.

Apresentado esta semana, o extenso programa da BoCA, que se prolonga até 15 de outubro, convida mais de três dezenas de artistas e criadores. Entre as diversas temáticas que se irão abordar sobressai a crise migratória, as questões de identidade de género, mas também o extrativismo e a violência racial. Com estreias mundiais e nacionais, destacam-se nomes como Paul B. Preciado, Agnieszka Polska, Odete, Pedro Paiva, Julian Hetzel & Ntando Cele, Vera Mantero, Teresa Silva, Héctor Zamora e Gaya de Medeiros. A partir deste leque de artistas conjugam-se territórios artísticos, linguagens e geografias, tempos e espaços, numa edição em que BoCA quer habitar “um presente caraterizado pela vertigem da velocidade, ela própria geradora de invisibilidades que permitem ao nosso olhar um desprendimento do humano, ou seja, a possibilidade de ignorar a liberdade, a justiça e a igualdade”, como descrevem na apresentação do seu conceito. Deixamos-lhes algumas sugestões, entre espetáculos, concertos e performances, que irão marcar a edição de 2023 da BoCA:

“Quimera”

De Héctor Zamora

É a performance que marca, precisamente, o arranque da presente edição do BoCA. O artista visual mexicano Héctor Zamora, conhecido pela problematização de questões sociais, culturais e políticas relacionadas com o trabalho numa sociedade de consumo, regressa a Lisboa, depois de ter apresentado a impactante performance e instalação “Ordem e Progresso” na BoCA 2017. “Quimera” (2023), a nova criação, divide-se entre uma ação performativa, que tem lugar em diferentes espaços públicos, e uma instalação no Reservatório da Patriarcal, em Lisboa. Consiste num grupo de vendedores ambulantes imigrantes que vendem balões, espalhados por diferentes praças e jardins das duas cidades. O conceito evoca a multidão que percorre as ruas do México com conjuntos de balões cheios de hélio que assumem a forma de diferentes palavras que conjuram a ideia de “quimera”: um sonho irrealizável ou uma ilusão fabricada pela mente. Presta homenagem aos invisíveis, convidando-nos a repensar a nossa relação com uma paisagem que não tem o mesmo significado para todos os habitantes do território.

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De 2 de setembro a 7 de outubro, todos os sábados, das 10h às 13h, na Praça do Comércio, Praça do Rossio e Parque Eduardo VII; a instalação pode ser visitada no mesmo período, de quinta a domingo, das 14h às 19h, no Reservatório da Patriarcal no Príncipe Real.

“Eu Sou o Monstro Que Vos Fala”

De Paul B. Preciado

É a criação que marca a estreia em palco do filósofo Paul B. Preciado, uma das mais incontornáveis vozes dos estudos queer na atualidade. Parte de um discurso que o próprio proferiu no outono de 2019 para 3.500 psicanalistas reunidos nas Jornadas da Escola da Causa Freudiana, em Paris. Retomando o texto de Franz Kafka em que um macaco que aprendeu a linguagem humana se dirige a uma academia de cientistas, Paul B. Preciado dirige-se a uma assembleia de psicanalistas como um homem trans e uma pessoa de género não binário, não só para denunciar a violência estrutural que a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise infligem às pessoas homossexuais, trans, intersexuais ou não-binárias, mas também para convidar a psicanálise a abrir-se às mutações de género e sexuais que estão a ter lugar na contemporaneidade. O texto passou depois a espetáculo biopolítico e encenado, num monólogo coletivo lido a cinco vozes, dirigido não apenas à comunidade psicanalista, mas a toda a sociedade civil convidada a abraçar a mudança. Uma vez que o próprio não vai poder estar presente em palco, será substituído pelo ator Alex Silleras.

Dia 17 de setembro, às 17h, na Culturgest, em Lisboa.

“Orlando et Mikael” e “L’Aventure Invisible”

De Marcus Lindeen

A condição trans e as questões de identidade de género marcam igualmente a double bill que o encenador sueco Marcus Linden traz ao Teatro do Bairro Alto. Primeiro através dos itinerários excecionais de três pessoas obrigadas a reinventar-se, em “L’Aventure Invisible”, de 2021, convida-nos a seguir o curso de uma aventura interior, onde nenhuma pergunta é demasiado íntima para ser feita. Recorre à história de três pessoas que dialogam entre si e nas quais fica evidente as suas mudanças e a forma como são percecionadas pela sociedade. Segue-se “Orlando et Mikael”, que se debruça sobre as personagens de Orlando e Mikael, quando os dois se conhecem na gravação de uma entrevista sobre a sua operação de mudança de género. Uma conversa íntima sobre escolhas substanciais, o desejo de ser amado e o sonho de se encontrar. As duas peças que integram a sua “Trilogia das Identidades”, criada com a colaboração da dramaturgista Marianne Ségol-Samoy.

Os dois espetáculos acontecem dias 9 e 10 de setembro, no Teatro do Bairro Alto.

“Está Visto”

De João dos Santos Martins, Joana Sá e Ana Jotta

Orientados por um princípio de parceria, “Está Visto” (Interlúdio lírico, 2023) é o título da nova peça a solo do coreógrafo e bailarino João dos Santos Martins, em colaboração com a pianista e compositora Joana Sá e a artista visual Ana Jotta. Partindo do ciclo de canções “Dichterliebe” [Amor(es) de poeta], compostas por Robert Schumann em 1840, a peça apresenta-se em formato de recital, procurando que as práticas de canto, piano e dança interajam e transbordem umas nas outras. As canções de estilo romântico, com poesia de Heinrich Heine, falam de amor não correspondido. Esta falta de reciprocidade reproduz-se em ideias coreográficas que desarticulam a linguagem, fracionando o gesto com as letras das canções, o som e a escuta num corpo em atravessamento. Uma das colaborações que irão marcar a presente edição da BoCA.

De 8 a 10 de setembro, às 19h30, na Academia de Ciências de Lisboa.

“Cafezinho”

De Gaya de Medeiros

Ainda no campo da dança e da performance, Gaya de Medeiros, artista brasileira a residir em Portugal, foi convidada pela BoCA para se adentrar no universo de Pina Bausch. Partindo do ambiente proposto no emblemático espetáculo “Café Müller” (1978) da coreógrafa alemã, que curiosamente se dançou pela última vez em Lisboa, e daquelas personagens que apresentam uma relação muito frágil com a vida, surge “Cafezinho”, criação na qual tece uma reflexão multigeracional sobre a depressão, o envelhecimento e o futuro. Ao revisitar o clássico de Bausch, Gaya explora o paradoxo expressivo da dança enquanto ferramenta de comunicação e força misteriosa, opaca e subjetiva. Assim, ao percorrer aquele universo mórbido, angustiante e, por vezes, convulsivo, a performer convida o público a mergulhar nas suas pulsões de vida e morte e a dessacralizar o ato de estar vivo – menos um dever do que uma escolha, assim descreve.

Dias 15 e 16 de setembro, às 19h e 15h respetivamente, nos Estúdios Victor Córdon.

“Terra Cobre”

De João Pais Filipe e Marco da Silva Ferreira

Outra das parcerias deste ano, formadas a convite da BoCA, junta o músico e escultor João Pais Filipe ao coreógrafo e bailarino Marco da Silva Ferreira. “Terra Cobre”, a criação que daí surge expande-se a partir da vila de Alcáçovas (Alentejo), num processo criativo que cruza a arte chocalheira tradicional de Alcáçovas – método ancestral de um processo de fabrico manual – com práticas artísticas contemporâneas, ancoradas na percussão e na dança. Tendo os chocalhos sido uma prática que a UNESCO declarou em 2015 como Necessidade de Salvaguarda Urgente, e sendo reescritas de simbologias uma característica de Pais Filipe e de Silva Ferreira – quer do universo da dança quer do universo da escultura e do som – “Terra Cobre” desafia a iconografia e simbologia tradicional portuguesa para a colocar num patamar exploratório e sensorial. O projeto aprofunda uma investigação em torno de um dispositivo que oferece premissas sonoras e coreográficas assentes no património material, questionando as propriedades históricas e culturais destes objetos.

De 19 a 28 de setembro, a instalação em permanência pode ser vista Claustro do Museu Municipal de Faro; a 28 de setembro, o mesmo espaço recebe uma performance ao vivo, às 19h.

“Pripyat”

De Marina Herlop

Depois de dois álbuns de intrincado impressionismo de piano e técnicas vocais singulares, a cantora e pianista catalã samplou a sua voz e piano com software, de forma inovadora o suficiente para que a crítica musical não pudesse deixar de fazer comparações com pioneiras como Björk ou Meredith Monk. Com “Pripyat”, o novo registo discográfico que irá apresentar, a compositora, vocalista e pianista, com formação clássica, canaliza o seu ambiente de uma forma verdadeiramente pós-humana; Herlop realiza acrobacias vocais alienígenas, inspirando-se na música Carnatic do sul da Índia, enquanto planta uma diversidade de sementes sónicas que florescem brilhantemente no seu sumptuoso jardim de composições quiméricas, produzidas pela primeira vez exclusivamente por via eletrónica.

Dia 22 de setembro, às 22h, nas ruínas romanas de Milreu; um autocarro disponibilizado pela Câmara Municipal de Faro fará o trajeto entre o Jardim Manuel Bívar, no centro de Faro, e Milreu, gratuitamente.

“SPAfrica”

De Julian Hetzel & Ntando Cele

De volta a um dos temas que sobressaem desta edição da BoCA, “SPAfrica” é um espetáculo sobre empatia e extrativismo. Um projeto que explora a forma como o capitalismo está ligado ao racismo, e em que Julian Hetzel e Ntando Cele juntam forças para explorar os limites da empatia – a capacidade de compreender ou sentir o que outra pessoa está a sentir. E se a empatia não mudar ou ultrapassar as estruturas de poder, mas reforçar os privilégios existentes? “SPAfrica” revela os mecanismos problemáticos e o racismo oculto do seu funcionamento.

Dias 23 e 24 de setembro, às 21h30, no Teatro da Garagem.

“Insularidade”

De Jacira da Conceição

Jacira da Conceição é ceramista, escultora e artista visual com raízes em Cabo Verde. Ao insistir nos processos de valorização, nos acordos coletivos de trabalho, na equidade e nas muitas dúvidas sobre a meritocracia, pensa sobre a importância do ser mulher e da utopia como motores de revolução social e cultural. Numa parceria entre a BoCA e o Futurama, Jacira apresenta a performance “Insularidade” no espaço público de Lisboa, traçando um itinerário que encoraja a desterritorialização-reterritorialização do invisível a partir do pote como objeto simbólico e do percurso na cidade como exploração da subjetividade do caminhante. Entre o (des)equilíbrio entre o presente invisível e o futuro imprevisível, a artista abre caminho ao porvir e à possibilidade do novo, da reimaginação e redefinição de percursos outros, sem centros e sem pontos de partida ou chegada.

Dias 24 de setembro e 8 de outubro, às 15h e 17h respetivamente, com um itinerário no espaço público de Lisboa.

“A Vaia Viva”

De Pedro Alves Sousa

Pela primeira vez, o músico e artista visual Pedro Sousa aventura-se no território da ópera. “A Vaia Viva” apresenta-se como uma ópera para uma voz e três máquinas reel-to-reel, com composição originalmente desenvolvida por Pedro Alves Sousa, adaptada do conto “Las Babas Del Diablo” (1959) de Julio Cortázar. A narrativa é contada com uma música em vários capítulos e apresentados em loop de fita magnética. O texto, adaptado para um formato de ópera com a consultadoria e apoio do compositor Nuno da Rocha, é dividido em três movimentos distintos. O primeiro capítulo narra os eventos que Robert Michel descreve e assiste no jardim. O segundo capítulo descreve o retiro de Robert em casa enquanto revive os momentos assistidos e revela a foto que tirou no jardim. A terceira e última parte da ópera reflete a descida de Robert para uma espécie de estado de loucura ao tentar reviver e recriar os momentos assistidos na primeira parte da história, criando uma narrativa circular que beneficia das características estéticas e sonoras propostas em que a ópera assenta.

Dias 28 e 29 de setembro, às 21h30, no Teatro Nacional São Carlos.

“The Talking Car”

De Agnieszka Polska

A convite da BoCA, “The Talking Car” é a primeira criação teatral da cineasta a artista visual Agnieszka Polska, na qual aborda temas relacionados com a crise ecológica, catástrofes ambientais e humanitárias. A artista polaca e residente em Berlim, premiada com o prestigioso National Gallery Prize (Berlim), é autora de obras alucinógenias e hipnóticas, que propõem experiências imersivas, fazendo-nos refletir sobre a linguagem, a história, a ciência e ativar uma consciência crítica da responsabilidade social e individual num mundo de pós-verdade. Com um elenco português, polaco e norte-americano, que inclui Albano Jerónimo, Iris Cayatte e Vera Mantero, Bartosz Bielenia e Aaron Ronelle, a peça apresenta um grupo de pessoas a tentar encontrar uma saída de um carro em alta velocidade. São acompanhados por uma marioneta digital de grande escala, que canta e observa as suas lutas com terna curiosidade. Com música atmosférica e repetitiva e animações hipnóticas projetadas fazem crescer a melancolia deste conto imersivo, fala-se sobre a problemática de alguém preso no complexo sistema que combina agentes humanos e não-humanos, e infraestruturas sociotecnológicas.

Dias 14 e 15 de setembro, às 21h, na Culturgest; dia 23 de setembro, às 21h30, no Teatro das Figuras.

“Trial”

De Herlander

Nascido e crescido no bairro da Arrentela, Seixal, e baseado em Lisboa, Herlander é um artista-performer que reescreve as regras do standard popular musical. A sua música roça o antipop, mergulhando num lago sem género, vozes que harmonizam entre si e sons particulares que se sentam distintos numa só sala. Estreou-se com o EP experimental 199 em 2018, após o qual editou de forma independente uma mão cheia de singles e atuou em salas e festivais como a ZDB, Lux, Maus Hábitos e o Iminente. A convite da BoCA, propõe, agora, um novo projeto performativo que vagueia por entre as diferentes fases da vida e da identidade de uma pessoa: o nascimento, o agora, o roubo da inocência, a luta interna e a “hiper-consciência” de si. Em “Trial”, uma espécie de concerto teatral – criado e conceitualizado com a colaboração visual de Eloïse Grace Winter e Rafael de Oliveira –, Herlander busca reencontrar aquilo que vai se perdendo no caminho do envelhecer, enquanto nos conformamos e ajustamos ao movimento e ritmo do mundo.

Dias 6 e 7 de outubro, às 21h, no Goethe-Institut Lisboa.

“Il y a une larme dans chaque note et un soupir dans chaque pli”

De Odete & Caty Olive

Caty Olive, artista francesa que trabalha como criadora de luz e cenógrafa, e Odete, artista multidisciplinar que habita os territórios da performance, do som, da música e da escrita, unem-se para explorar as ressonâncias dos seus mundos. Os meandros eletrónicos orgânicos, as fronteiras dissolventes na música de Odete, a poesia e a transperformatividade do seu trabalho encontram a respiração dos sistemas de iluminação de Caty e os seus corpos de luz em mutações constantes. Em resultado disso nasce “Il y a une larme dans chaque note et un soupir dans chaque pli”, projeto que evoca os castrati e explora o respetivo universo vocal e estético. As artistas propõem-se imaginar que os castrati poderiam ser uma forma de ficção num lugar cujos contornos permanecem fluidos e que (se) transforma.

Dia 13 de outubro, às 21h30, no Teatro Ibérico.

“Chatroom”

De Ana Borralho & João Galante

Nesta nova peça, que marca o fim da presente edição da BoCA, Ana Borralho & João Galante propõem uma jornada imprevisível e envolvente que explora a natureza volátil e transitória das conexões humanas na era digital. A proposta é transformar o palco numa chatroom, chamando o público a ser parte ativa da obra de arte. Os visitantes desta sala virtual são imersos num ecrã de vídeo que abrange o horizonte. São então convidados a escolher um nome de usuário e um avatar de forma a construir uma identidade digital única. O desafio a seguir é que troquem mensagens visuais ou sonoras entre si, refletindo sobre temas como a paisagem, a presença, eu e o outro, a solidão, a identidade, a vulnerabilidade e a empatia, enquanto a linha que separa a realidade virtual e a experiência humana se torna cada vez mais ténue.

Dias 13 e 14 de outubro, às 21h30, no Teatro do Bairro.

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