José Manuel Bolieiro e Luís Montenegro estiveram numa localização não revelada, num hotel, a seguir pela televisão, juntos, a noite eleitoral. Longe das câmaras e a definir a estratégia. Cedo se percebeu que a noite ia ser melhor do que o esperado. O embaraço que se previa que Montenegro pudesse ter por ver Bolieiro a não fechar a porta ao Chega redundou noutra cenário: a montenegrização de Bolieiro. O líder do PSD/Açores optou por descartar uma coligação ou acordo com André Ventura e formar governo com uma “maioria relativa”, colocando nos outros partidos (onde inclui tanto o PS como o Chega) o ónus de o derrubar. A estratégia de Bolieiro é, na verdade, o tubo de ensaio da estratégia de Montenegro para março.
Montenegro foi o primeiro a falar e apontou o caminho, que não só excluiu o Chega como o colocou no mesmo patamar do PS. O líder do PSD avisava que os resultados davam à “coligação condições de governabilidade, para os próximos quatro anos”. E colocou a responsabilidade nos outros: “Não obstante não haver maioria absoluta da coligação, a verdade é que só pode haver um Governo alternativo se todas as outras forças políticas, e em particular duas — PS e Chega — se unirem, se coligarem.” Era a inversão do ónus da estabilidade.
Depois de Montenegro havia a expectativa de saber o que diria José Manuel Bolieiro. Até porque, embora tenha alcançado como disse 42% dos votos, a coligação PSD/CDS/PPM só teve 26 deputados (o PS teve 35,9% e elegeu 23). Mesmo que convencesse a IL e o PAN (Bolieiro tem melhores relações com Pedro Neves do que com o liberal Nuno Barata), o líder do PSD/A só consegue uma maioria de deputados à direita com os deputados do Chega. Mas isso não demoveu Bolieiro — que insistiu na tese da “personalização” das eleições — de descartar coligações pós-eleitorais: os açorianos votaram nele, José Manuel Bolieiro e querem que continue a liderar o Governo regional. Logo, “todos” os outros partidos têm a “responsabilidade” de reconhecer essa liderança “no quadro da expressão do povo”.
Sobre a forma como irá aprovar documentos estratégicos, como os orçamentos regionais, Bolieiro puxa dos galões dos últimos três anos (mesmo que tenha caído com o chumbo de um) e diz que se vai manter “dialogante” e “conciliador”, mas “sem ceder a chantagens”. A estratégia é colocar pressão no Chega e no PS/Açores — que enfrenta o trauma de ter perdido pela primeira vez eleições desde 1996 — a viabilizar o programa de governo e, depois disso os orçamentos. Caso contrário — como sente que está em crescimento — não tem medo de voltar a ter eleições até à maioria final.
PS em dilema estratégico
O PS não perdia nos Açores desde 1996, mas essa deixou rapidamente de ser a principal dor socialista na noite deste domingo, com o PS a ficar com um dilema complexo em mãos. No Largo do Rato o contacto com Vasco Cordeiro, nos Açores, foi permanente durante toda a noite, para alinhar estratégia e tentar não deixar nada fechado para o futuro próximo. Assim foi. Cordeiro saiu do púlpito onde assumiu a derrota, a atirar decisões sobre o que fará para os próximos dias e Pedro Nuno fez o mesmo, sem nenhum dos dois responder de forma clara à pergunta: os socialistas viabilizam um governo minoritário da AD? Até porque ainda ninguém sabe o que será melhor para os objetivos socialistas, sobretudo no plano nacional.
No PS-Açores a inclinação será para não viabilizar esse governo, sabe o Observador, e Pedro Nuno Santos, mesmo sem dar resposta de sim ou não, fez toda a pedagogia sobre os problemas de segurar um governo liderado pelo PSD, quando discursou ao final da noite. “Seria profundamente negativo para Portugal ter PS e PSD comprometidos com a mesma governação. E, depois, por uma razão de ordem programática e ideológica: a visão que temos do país é muito distante do PSD, não é compatível e nunca trairíamos eleitorado do PS”. “Não queria que se criassem ilusões sobre essa matéria”, disse o líder detalhando que estava a falar no plano nacional, respeitando a autonomia regional — mas com o recado dado.
Nos Açores, a Comissão Regional do PS ainda vai decidir, nos próximos dias, o que fará. Mas em Lisboa, já se fazem contas. Uma coisa está firmada na direção do PS: o ónus deve ser colocado no PSD e nunca no PS. “A iniciativa é do partido mais votado”, vinca um dirigente socialista ao Observador. “Quem ganha tem de garantir as condições para governar com o seu programa”, diz outro empurrando “o problema” para o PSD. “Não é ao PS que devem pedir para aprovar um programa com que não está comprometido”, remata invertendo o ónus que Bolieiro colocou nos ombros dos restantes partidos.
Há mesmo quem lembre que em 2020 Vasco Cordeiro ganhou e a opção foi avançar para quem tinha “uma solução” para garantir a maioria parlamentar, para o PSD (com o apoio do CDS, PPM no Governo e Chega e IL na Assembleia Legislativa). “Agora Bolieiro tem de ter uma solução“, atira-se no partido.
Certo é que o programa do próximo Governo irá a votos e o segundo partido mais votado sabe que o que fizer ficará registado para ser usado daqui a 35 dias, quando se realizarem as legislativas. Viabilizar um governo de Bolieiro, com uma abstenção nessa votação, por exemplo, permitiria exigir ao PSD igual tratamento a 10 de março, e colocava o Chega fora de uma solução de governação. Problemas? PS perderia discurso de campanha, contra o partido de André Ventura, e também ficaria “sem discurso de polarização”, acrescenta um socialista. Isto além de voltar ao (enterrado por Costa) arco da governação.
Se chumbar um governo de Bolieiro, manteria a linha de argumentação dos últimos anos e ainda ia “forçar Bolieiro a entender-se com o Chega”, sintetiza um dirigente. Na direção socialista, que esteve reunida na sede nacional na noite eleitoral, esta é a possibilidade vista como mais vantajosa e defendida nas televisões e rádios pelos secretários nacionais que por lá passaram. Caso de Alexandra Leitão que, na SIC-Notícias, foi confrontada com este dilema e lembrou o que Bolieiro fez a Vasco Cordeiro em 2020. Também na Rádio Renascença, André Pinotes Batista seguia a mesma linha. E na RTP 3, Francisco César (cabeça de lista pelo PS nos Açores, na lista de candidatos à Assembleia da República), defendeu que “o PS não deve viabilizar um governo minoritário da AD”, considerando o seu programa “antagónico” com o que foi apresentado pelos socialistas.
Ao final da noite estava tudo em aberto e nas televisões havia socialistas a sensibilizarem a direção para a a importância de ajudarem a afastar o Chega de soluções de Governo, como Ana Gomes ou Francisco Assis, que defende a viabilização do governo da AD nos Açores. Pedro Delgado Alves, da direção de Pedro Nuno, jurava um PS disponível para “contribuir para a estabilidade”. Mas a decisão final ainda não está tomada.
Chega cresce mas pode perder influência
O Chega cresceu de 2 para 5 deputados regionais e afirmou-se como a terceira força política (com 9,2% dos votos) também na região dos Açores. André Ventura passou a semana em São Miguel e foi dizendo que só viavilizava um governo Bolieiro se o Chega integrasse o Governo. O líder do Chega/Açores, José Pacheco queria até escolher as pastas: “Não venham aqui com histórias que vão-nos dar essa secretaria ou aquela. O Chega é que escolhe, o Chega é que diz o que é que quer. Não querem, façam-se caminho, se faz favor, e o Presidente da República que marque novas eleições.”
Ora, Bolieiro não está para isso. E acaba por pôr à prova as declarações de José Pacheco. O líder do PSD/Açores vai levar o programa de um governo (apenas com PSD, CDS e PPM) a votos e se o Chega quiser derrubar o novo Governo terá de levar com as consequências. Aí se verá se as declarações do líder do Chega/A ao Observador eram bluff pré-eleitoral ou se vai ser consequente e não deixar o Governo Bolieiro tomar posse se disso depender o Chega. O que Bolieiro fez na noite deste domingo foi relegar o Chega a papel de partido da oposição e não parceiro de governação.
O líder do Chega, André Ventura, disse que a opção que Bolieiro acabaria por escolher minutos depois é “um ato de total irresponsabilidade“. E questionou: “Há uma situação de estabilidade e um dos partidos prefere não ter essa solução?” Tal como na Madeira, a opção do PSD passa por excluir o Chega. Há, no entanto, um trunfo que Ventura tem nos Açores: excluindo a esquerda, Bolieiro precisa — sempre — de negociar com o Chega.
Esquerda continua a perder na região
A esquerda continua a perder mandatos no Parlamento regional. A CDU voltou a não conseguir eleger deputados e o Bloco de Esquerda viu o seu grupo parlamentar de dois deputados passar para um deputado único. Já o PAN conseguiu voltar a eleger Pedro Neves pelo círculo de compensação, o que provavelmente custou o deputado aos comunistas. A Iniciativa Liberal cresceu 400 votos (e ligeiramente em pontos percentuais), mas perdeu capacidade de influenciar a governação a partir do momento em que não à maioria à direita do PS sem o Chega.
Se é certo que Bolieiro vai seguir com uma “maioria relativa”, não há forma nenhuma de, desta vez, haver qualquer forma de geringonça à esquerda. O Parlamento regional virou à direita.
Uma última curiosidade: nas duas ilhas que Montenegro visitou na campanha (Flores e Corvo), o PS ganhou. Apesar disso, aquela que podia ser uma visita desastrosa, tornou-se numa arma eleitoral para Montenegro. O líder do PSD agora pode utilizar a vitória, como disse, como uma “inspiração” para 10 de março. E Bolieiro já está a trabalhar nisso. Tal como fez em 2020, foi à varanda da sede regional saudar os militantes. E levou Montenegro pela mão, anunciando aquele que será, nas suas palavras, o próximo “primeiro-ministro”.