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Bolsonaro Attends Manifestation With His Supporters in Front of Palacio do Planalto Amidst the Coronavirus (COVID - 19) Pandemic
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Brasil. Bolsonaro quer um golpe ou apenas recuperar a popularidade?

Brasil prepara-se para dia de manifestações que podem ser violentas. Bolsonaro ataca Supremo Tribunal e agita-se fantasma do golpe militar — mas esta pode ser apenas uma forma de recuperar apoios.

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“Com flores não se ganha guerra. Se você quer paz, se prepare para a guerra”.
Jair Bolsonaro, 31 de agosto, em cerimónia de condecoração de atletas olímpicos militares.

O Presidente brasileiro nunca poupou nas palavras. Nas últimas semanas, porém, tem multiplicado as declarações polémicas, em antecipação da grande manifestação que convocou para esta terça-feira, 7 de setembro — dia de feriado nacional, em que se assinala a independência do Brasil. D. Pedro gritou “Independência ou Morte” no Ipiranga; Bolsonaro afirma que em Brasília e São Paulo se gritará a favor da “liberdade de expressão” dos conservadores brasileiros. Mas o 7 de setembro já está envolto em polémica ainda antes de começar.

President Bolsonaro Attends a Protest in Support of His Government

As manifestações pró-Bolsonaro em Brasília e São Paulo devem reunir milhares de pessoas

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Afinal, não é todos os dias que manifestantes, motivados pelas declarações de um Presidente, saem à rua para criticar abertamente o Supremo Tribunal do seu país. E à retórica aguerrida junta-se o apoio notório de muitos membros das Forças Armadas e das Polícias Militares, que tencionam ir ao protesto sem farda — o que tem deixado muitos alerta, incluindo os 158 políticos e ativistas de 27 países diferentes que escreveram uma carta aberta alertando para o risco de “insurreição” no país. Falam na possibilidade de uma tentativa de golpe de Estado no Brasil e dizem temer um cenário semelhante ao da invasão do Capitólio a 6 de janeiro, nos EUA.

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Políticos de vários países assinam carta que alerta para “golpe” no Brasil impulsionado por Bolsonaro

Perante a crise sanitária da Covid-19, as suspeitas de corrupção ligadas à vacinação e uma economia em queda, Jair Messias Bolsonaro enfrenta o seu pior momento em termos de popularidade. E é neste contexto que surge esta manifestação — apresentada como reação à postura do Supremo, mas que é na verdade uma prova de vida do bolsonarismo. E nessa tentativa de mobilizar apoio, Bolsonaro arrisca ao radicalizar o discurso. Abre a porta às suspeitas de tentativa de golpe de Estado e brinca com o fogo da violência. Mas, para já, o terramoto político ainda pode estar ao largo.

Conflito com Supremo Tribunal é só a ponta do icebergue

“Um ministro [juiz] do Supremo está dando um tom completamente errado. (…) Esse um está contaminando a nossa democracia.”
Jair Bolsonaro, 4 de setembro, em discurso na Conferência de Ação Política Conservadora.

O Supremo Tribunal Federal está na mira do Presidente brasileiro e, em especial, o juiz Alexandre de Moraes. Era provavelmente dele que Bolsonaro falava no encontro de conservadores da CAPC — afinal, foi este o juiz que juntou o Presidente à lista de suspeitos de terem contribuído para a produção de notícias falsas.

Bolsonaro arguido em inquérito sobre notícias falsas por ataque ao sistema eleitoral: “É uma farsa”

E o conflito com Moraes vem de trás: foi ele o juiz que ordenou a detenção de Roberto Jefferson, ex-deputado e apoiante de Bolsonaro que ameaçou os membros do Supremo com armas. O Presidente, como tem sido hábito, radicalizou: abriu um pedido de impeachment ao juiz, algo inédito na História do Brasil — o pedido, contudo, foi chumbado pelo Congresso.

Supporters of President Bolsonaro Manifest in Front of the National Congress Amidst the Coronavirus (COVID - 19) Pandemic

Apoiantes pró-Bolsonaro atiram balões de água a cartaz com várias figuras, entre elas o juiz do Supremo Tribunal, Alexandre de Moraes (à esquerda na imagem)

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O choque entre os poderes Executivo e Judicial, porém, já vinha de trás: no início do verão, o Presidente ameaçou que não se realizariam as eleições de 2022 caso não fosse aprovada a sua proposta de regresso ao voto impresso, por não confiar nos resultados eleitorais eletrónicos — muito embora tenha sido eleito através desse sistema em 2018 e não tenha levantado quaisquer dúvidas na altura. A proposta, no entanto, seria mesmo chumbada na Câmara dos Deputados. As declarações do Presidente sobre o tema fizeram com que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apresentasse uma queixa-crime contra ele, cuja investigação é agora conduzida pelo Supremo. Bolsonaro também pediu o impeachment de um dos juízes do TSE, Luís Roberto Barroso.

Bolsonaro reafirma que pedirá afastamento de dois juízes do Supremo brasileiro

É neste contexto de luta entre instituições que Jair Bolsonaro tem apelado à mobilização para esta terça-feira, colocando todas as fichas numa mobilização em massa. “É como num jogo de futebol, em que a equipa que perde nos minutos finais envia até o guarda-redes para o campo adversário, tentando marcar um golo milagroso para a sua equipa”, ilustra ao Observador Sérgio Oliveira, consultor político. “Todavia, no caso de Bolsonaro, a situação é desesperante por claramente envolver a necessidade de disfarçar e bloquear investigações contra a sua família.” Um “tudo ou nada” para mudar o foco.

As investigações a que Oliveira se refere são as relacionadas com o chamado “caso das rachadinhas”. Em causa estão suspeitas de corrupção envolvendo dois dos filhos do Presidente, o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, que podem ter participado num esquema de criação de cargos públicos fantasma para recolher os valores dos vencimentos. Ainda na semana passada um novo dado contribuiu para adensar estas suspeitas: um antigo assessor da família garantiu que foi contratado para um desses cargos fictícios e que 80% do seu salário passava para a ex-mulher de Jair Bolsonaro, tendo depois transitado para os dois filhos depois do divórcio do casal.

Com popularidade em queda, Bolsonaro sugere trocar o feijão por armas

“Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil [arma], não enche o saco de quem quer comprar.”
Jair Bolsonaro, 27 de agosto, em encontro com apoiantes.

Para além do acosso do poder judicial, Jair Bolsonaro enfrenta um momento de fragilidade política, muito por causa da situação económica e sanitária do país. Para além de quase 600 mil mortes provocadas pela Covid-19, o Brasil enfrenta atualmente um desemprego de 14% e um aumento da carestia de vida: a inflação continua a subir, o PIB registou uma queda no segundo trimestre do ano e a crise energética provocada por uma seca histórica já levou a uma subida do preço da eletricidade. Ao todo, há atualmente 19 milhões de brasileiros em situação de fome, um aumento de nove milhões face aos 10 milhões registados em 2018, ano em que Bolsonaro foi eleito.

Coronavirus - Brazil - Hunger

O número de pessoas em situação de pobreza no Brasil disparou com a pandemia: eram 10 milhões em 2018, são agora 19 milhões

dpa/picture alliance via Getty I

Além disso, o seu governo está cada vez mais abalado pelas audições da Comissão Parlamentar de Inquérito à vacinação, que tem conduzido uma série de investigações a suspeitas de corrupção na compra de vacinas — como as relacionadas com a compra da vacina indiana Covaxin, escolhida apesar de ter sido oferecida a um preço superior ao que foi proposto pela Pfizer.

No meio deste cenário, as sondagens dão os piores índices de popularidade de sempre a Bolsonaro, eleito sob a bandeira do combate à corrupção: em julho, um estudo da Datafolha apontava que 51% dos inquiridos davam nota negativa ao governo; agora, em setembro, os índices da Atlas Político colocam a taxa de rejeição do Executivo nos 64%. Mais: perante um cenário de uma segunda volta nas eleições presidenciais, a maioria dos inquiridos prefere qualquer um dos adversários de Bolsonaro — seja ele Lula da Silva, os ex-candidatos presidenciais Ciro Gomes e Fernando Haddad, ou até as cartas fora do baralho como seu ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ou o governador de São Paulo, João Doria.

Perante este cenário, o antropólogo Roberto Kant de Lima não tem dúvidas em afirmar ao Observador que a manifestação deste dia 7 de setembro é uma tentativa de Bolsonaro de “manter os seus seguidores fiéis mobilizados permanentemente em prol da sua reeleição”, possível em outubro do próximo ano, quando o país for às urnas: “Tudo tem a ver com as eleições do ano que vem”, resume.

“É uma estratégia de guerra híbrida: pegar nas imagens e criar a ideia de uma representação de um Presidente popular, mobilizar isso nas redes sociais e projetar essa imagem de um Presidente forte, ao contrário do que dizem os media tradicionais”
Pedro Castelo Branco, cientista político da Universidade do Rio de Janeiro

Uma leitura que é partilhada por Pedro Castelo Branco, cientista político da Universidade do Rio de Janeiro: “Esta é com certeza uma tentativa de projetar uma popularidade que ele perdeu. Ao contrário de outros analistas, não creio numa rutura política — mas isto faz parte de uma estratégia”, afirma. “É uma estratégia de guerra híbrida: pegar nas imagens e criar a ideia de uma representação de um Presidente popular, mobilizar isso nas redes sociais e projetar essa imagem de um Presidente forte, ao contrário do que dizem os media tradicionais.”

Forças Armadas: o “Poder Moderador” que sustém Bolsonaro

“Nas mãos das Forças Armadas, o Poder Moderador. Nas mãos das Forças Armadas, a certeza da garantia da nossa liberdade, da nossa democracia e o apoio total às decisões do Presidente para o bem da sua nação.”
Jair Bolsonaro, 12 de agosto, numa cerimónia de cumprimentos a oficiais-generais recém-promovidos.

Não só de apoio popular se fará esta manifestação de 7 de setembro. Um dos principais pontos de tensão sobre a mobilização é o facto de Bolsonaro estar a apelar ao apoio de militares e membros das Polícias Militares, deixando no ar indiretas que parecem pedir a estas forças que coloquem o Supremo “na ordem”. Não é por acaso que o Presidente utiliza expressões como “o Poder Moderador” que — como dizia um militar ao jornal Gazeta do Povo, próximo do bolsonarismo — é muitas vezes entendida nas Forças Armadas como uma interpretação específica do artigo 142 da Constituição. Ora, este artigo diz que cabe às Forças Armadas a “garantia dos poderes constitucionais” e, para muitos militares, isso é lido como uma ordem para pôr os diferentes poderes “em sentido”.

Jair Bolsonaro Attends Flag Oath Ceremony Amid National Protests

O apoio de muitos militares ao Presidente, num contexto de luta institucional, levanta a dúvida sobre se haverá risco de um golpe de Estado como o de 1964

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Uma leitura que, para o especialista nas Forças Armadas brasileiras João Roberto Martins Filho, não faz qualquer sentido: “É como se as Forças Armadas disputassem com o Supremo Tribunal quem tem a última palavra em termos de interpretação da Constituição, o que é absurdo”, diz o autor do livro Os militares e a crise brasileira ao Observador. “Eles tiraram de uma certa ambiguidade da Constituição a ideia de que são o último reduto. E Bolsonaro sabe disso.”

Pedro Castelo Branco lembra que a proximidade de Bolsonaro com os militares e as forças de segurança não vem de agora. “A família Bolsonaro sempre promoveu honrarias e promoções a essa base. São sempre as forças de segurança que estão numa relação de tensão com a sociedade e de repente têm um Presidente que os promove e protege”, diz o académico, relembrando um estudo que aponta para cerca de seis mil militares a ocuparem cargos civis no governo de Bolsonaro — o maior número de sempre no país desde a ditadura militar.

Uma presença militar insuflada no governo, aliada a apelos às armas subtis do Presidente, agitam de imediato os fantasmas dessa mesma ditadura militar, com receios de que haja um novo golpe de Estado. “O povo do Brasil lutou durante décadas para assegurar a democracia e impedir o domínio militar. Não se pode permitir a Bolsonaro que lhe roube isso agora”, avisa-se na carta assinada por políticos de esquerda de várias nacionalidades, entre eles o ex-chefe do governo espanhol José Luis Zapatero, o líder da França Insubmissa Jean-Luc Melénchon e o antigo líder do Partido Trabalhista britânico Jeremy Corbyn. Um fantasma sempre presente num país em que 36% dos inquiridos numa sondagem, em 2019, consideravam que a ditadura militar deveria ser celebrada.

Sinais que, para o antropólogo Kant de Lima, mostram que o país “não discutiu de maneira adequada os efeitos de um regime militar no governo”. “Tanto não discutiu, que pessoas que não viveram sob aquele regime hoje o representam como algo benéfico e outras mesmo negam que tenha havido um regime autoritário comandado por militares no Brasil”, aponta. Também Pedro Castelo Branco fala numa “História mal resolvida” com a ditadura e num “sentimento de revanchismo” ainda presente em alguns setores da sociedade.

"É bem provável que os militares estejam a considerar o que fazer se Bolsonaro não for candidato ou se não passar da primeira volta"
João Roberto Martins Filho, investigador das Forças Armadas brasileiras

Mas Sérgio Oliveira, por seu turno, destaca que “há evidências sólidas na literatura em ciência política de que golpes de estado ‘clássicos’, com tanques e soldados, não ocorrem em países com o rendimento per capita do Brasil”. Aquilo que o consultor político teme não é a possibilidade de um golpe militar, mas sim “a degeneração do regime atual” e “a normalização do retorno dos militares à política quotidiana”. “Desde o impeachment de Dilma Rousseff que as manifestações de oficiais de alta patente sobre a política civil voltaram à ribalta, ao mesmo tempo em que o número de militares ocupantes de postos na administração pública cresceu”, sublinha.

O especialista nas Forças Armadas Martins Filho nota, contudo, que os militares têm estado bastante calados em vésperas da manifestação de 7 de setembro — e destaca o facto de o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, já ter feito saber que não irá participar no protesto. “Com Bolsonaro, os militares queimaram-se muito”, diz, destacando os casos de corrupção em que alguns militares se têm visto envolvidos, como o do coronel da reserva Marcelo Bento Pires, suspeito de ter feito pressão para a compra da vacina indiana. “Eles estão nitidamente a tentar distanciar-se da manifestação de 7 de setembro. Preferem agir nos bastidores, mas Bolsonaro arranja sempre uma maneira de colocar um holofote sobre eles. Agora, é bem provável que os militares estejam a considerar o que fazer se Bolsonaro não for candidato ou se não passar da primeira volta [das presidenciais]”, avisa, abrindo a porta a uma chamada “terceira via” para lá de Bolsonaro e Lula, apoiada pelos militares.

Também o cientista político Pedro Castelo Branco não acredita que assistiremos a um golpe militar a partir desta terça-feira: “Acho que pode haver uma ‘quartelada’, focos de tensão, mas não acredito na concretização desse processo. Em 1964 havia uma conjuntura internacional, hoje isso não existe”, diz, referindo-se ao contexto da Guerra Fria. “E o Presidente também se enfraqueceu quando Biden ganhou as eleições nos EUA. O Brasil tornou-se um pária.”

O risco da violência e a grande incógnita: o que vem depois?

“Tenho três alternativas para o meu futuro. Estar preso, ser morto ou a vitória. Pode ter certeza, a primeira alternativa, ser preso, não existe.”
Jair Bolsonaro, 6 de setembro, em encontro com líderes evangélicos.

Perante o recuo dos militares, Jair Bolsonaro conseguiu, contudo, uma alternativa: o respaldo das polícias militares. Com diversos membros deste organismo a revelarem em privado que irão participar na manifestação, a tensão continua alta: “O risco que se corre é que eles venham a agir com violência, inclusivamente com uma espécie de atentado, alguma coisa que extrapole completamente a legalidade”, diz Martins Filho. E não é possível ignorar o risco se tivermos em conta que no Brasil há 406 mil polícias militares no ativo — mais do que todos os militares dos três ramos das Forças Armadas juntos.

“As lideranças bolsonaristas contam com algum episódio que gere comoção nas suas bases”
Sérgio Oliveira, consultor político na Pulso Público

Por essa razão, a Polícia Militar de Brasília já anunciou que irá escalar todo o seu efetivo para este dia, impedindo assim os agentes de se manifestarem na sua folga. Em São Paulo, o governador Dória decidiu ordenar revistas nos locais de manifestação para impedir que alguém entre armado. E, como se não bastasse, o facto de haver contra-manifestações marcadas para as duas cidades aumenta o risco de violência.

Os especialistas ouvidos pelo Observador são unânimes em apontar que o dispositivo de segurança montado com antecedência diminui esse risco. Martins Filho admite que “algo pode fugir ao controlo de Bolsonaro”, Castelo Branco prevê “episódios pontuais” e “uma violência difusa” e Sérgio Oliveira arrisca mesmo dizer que “as lideranças bolsonaristas contam com algum episódio que gere comoção nas suas bases”. Mas nenhum acredita num cenário semelhante ao da invasão do Capitólio nos EUA e todos consideram que a maioria da população deverá até reagir mal a possíveis focos de violência.

A maior preocupação, dizem, é o day after e os efeitos que o discurso radical de um Presidente em queda pode produzir num país que ainda tem de esperar um ano até às próximas eleições presidenciais. “Bolsonaro está numa política suicida”, resume Martins Filho. “Acho que no dia 8 de setembro talvez acordemos aliviados. Mas com a certeza de que Bolsonaro não vai mudar.”

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