Brittney Griner é uma das melhores jogadoras de basquetebol das últimas décadas nos EUA. Com mais de dois metros, foi a primeira escolha do draft da WNBA em 2013 e não voltou a largar as Phoenix Mercury a partir desse dia, sagrando-se campeã em 2014. Oito vezes All Star, duas vezes a melhor marcadora da liga, bicampeã olímpica no Rio e em Tóquio e uma de apenas 11 mulheres com um ouro nos Jogos Olímpicos, um Campeonato do Mundo, um título da WNBA e um campeonato universitário.
Brittney Griner é, portanto, uma estrela. Desde o final de fevereiro, porém, Brittney Griner é também um nome a ter em conta nas movimentações geopolíticas que envolvem os EUA e a Rússia e que se adensaram com a guerra na Ucrânia. Detida por posse de droga, à chegada a Moscovo, a jogadora de basquetebol está presa em território russo há mais de 130 dias e assim deve ficar por mais dois meses, o tempo que deve demorar o julgamento que arranca esta sexta-feira.
Sete dias antes do início da guerra, Brittney foi detida. Mas porquê?
Quando a invasão russa à Ucrânia começou, a 24 de fevereiro, Brittney Griner foi um dos primeiros nomes a surgir no meio público e mediático enquanto protagonista de uma história que poderia tornar-se política antes até de ser judicial. A jogadora de basquetebol norte-americana, uma das melhores das últimas décadas, campeã em 2014 e medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e de Tóquio, foi detida à chegada a Moscovo a 17 de fevereiro. Sete dias depois, tudo se tornou muito mais do que uma detenção.
Griner, de 31 anos, joga nos Phoenix Mercury da WNBA e no Ekaterinburg da Rússia durante a off season dos EUA — motivo pelo qual a jogadora, que já foi selecionada para as All Star em oito ocasiões, estava a tentar entrar no país no final de fevereiro. Pronta para voltar a representar o clube russo enquanto a temporada norte-americana está parada, Brittney Griner nem sequer chegou a sair do Aeroporto Internacional de Sheremetyevo, em Moscovo, e foi detida por estar na posse de vaporizadores que continham óleo de haxixe.
Com o rebentar da guerra, depressa surgiu a ideia de que a atleta natural de Houston, no Texas, poderia tornar-se uma espécie de refém que iria servir de peão nas complexas relações entre os EUA e a Rússia. O governo norte-americano apressou-se a nomear uma equipa para trabalhar no caso, com o secretário de Estado Antony Blinken a lembrar que “sempre que um cidadão norte-americano é preso em qualquer lugar do mundo”, o país está pronto “para fornecer toda a assistência possível e isso inclui a Rússia”. Mas a possibilidade de que Brittney Griner pudesse tornar-se uma moeda de troca entre duas potências nunca deixou de estar em cima da mesa — nem para especialistas como Evelyn Farkas, vice-secretária assistente da Defesa dos EUA para a Rússia e Ucrânia entre 2012 e 2015.
“Se a quisermos fora da prisão, a Rússia terá de ter algumas condições. Poderá ser uma troca de prisioneiros. Também podem usá-la como uma ameaça implícita ou como forma de chantagem para nos levar a fazer algo ou a não fazer. De qualquer forma, eles acham-na útil”, referiu numa entrevista. Algo que o Kremlin, através do porta-voz Dmitry Peskov, se apressou a rejeitar. “A Rússia não é o único país do mundo a ter leis rígidas neste sentido. É a lei. Não podemos fazer nada sobre isto. Não lhe podemos chamar refém. Por que é que lhe chamaríamos refém? Violou a lei russa e agora está a ser julgada. Não está a ser feita refém”, atirou, em entrevista à MSNBC.
Em março, a detenção de Brittney Griner foi prolongada até maio — alegadamente, porque a investigação ainda estava a decorrer, com o Tribunal de Khimki a adiar novamente o julgamento. Nessa altura, já depois de os EUA terem garantido que a jogadora estava “em boas condições” e que o único problema era o facto de a cama ser demasiado pequena, já que a atleta tem mais de dois metros de altura, Griner recebeu a visita de um representante diplomático norte-americano. Nesta fase, numa altura em que a agente da basquetebolista garantia que permanecia “em contacto próximo” com ela e que a sua principal preocupação era “a saúde mental e física” de Brittney Griner, tudo parecia seguir num caminho de aparente acalmia. Até aos primeiros dias de maio.
Rússia garante que a jogadora não é refém, EUA insistem que foi uma “detenção ilegal”
Sem que a situação de Brittney Griner tivesse sofrido alterações — ou seja, sem que tivesse sido marcada uma data para o início do julgamento ou uma perspetiva de data para a libertação da jogadora –, os EUA decidiram endurecer a própria posição. Em comunicado, o Departamento de Estado norte-americano considerou que Griner tinha sido “injustamente detida” e que essa mesma detenção era “ilegal”, abrindo a porta à possibilidade de a administração Biden trabalhar de forma mais agressiva para atingir uma libertação. “A Brittney está detida há mais de 75 dias e aquilo que esperamos é que a Casa Branca faça o necessário para a trazer para casa”, disse Lindsay Kagawa Colas, a agente da atleta, à Associated Press.
Em resposta, num comunicado enviado à CNN, a Rússia manteve a linha de pensamento: Brittney Griner está presa porque infringiu a lei russa. “Foi apanhada a tentar contrabandear óleo de haxixe. Na Rússia, isto é um crime e implica uma pena de prisão até dez anos. As acusações são sérias e estão baseadas em factos objetivos e nas provas que estão disponíveis. O ponto final neste caso deverá acontecer nos tribunais”, podia ler-se na nota.
Também na nota oficial e em reação direta à ideia de ilegalidade da detenção, a Rússia destacou que as “tentativas de levantar dúvidas sobre a validade da prisão só podem ser explicadas pelo desejo de influenciar a justiça ao politizar uma situação geralmente compreensível”. Por outro lado, a WNBA mostrou-se otimista depois da tomada de posição do governo norte-americano. “Estas notícias são um desenvolvimento positivo e o próximo passo para a trazer para casa. A WNBA está em constante comunicação com o governo dos EUA sobre o caso da Brittney e estamos a trabalhar juntos para a trazer para casa em segurança e o mais depressa possível”. Dias depois, a detenção de Brittney Griner foi prolongada até junho. E a novela teve um novo capítulo que parecia confirmar os receios iniciais.
A TASS, a agência de notícias russa, adiantou que os EUA e a Rússia estavam a ponderar uma troca de prisioneiros entre a jogadora e Viktor Bout, um traficante de armas conhecido como “Mercante da Morte” que foi preso na Tailândia em 2008 e extraditado para território norte-americano, acabando por ser condenado a 25 anos de prisão. Afinal, existia um precedente: no final de abril, Trevor Reed, um militar norte-americano que estava preso na Rússia, foi libertado através de uma troca de prisioneiros. No caso de Brittney Griner e de Viktor Bout, porém, a notícia nunca teve confirmação de nenhum dos lados e parece não ter passado de uma hipótese.
Cherelle, a mulher que já falou com Blinken e não sabe “quem é que vai ter de volta”
Pelo meio, mais do que jogos políticos ou comunicados da Casa Branca e do Kremlin, existe uma família. Brittney Griner é casada e tem duas filhas gémeas, fruto de um primeiro casamento com a também jogadora Glory Johnson, e tem sido a mulher da atleta a principal representante do seu entorno mais próximo. No início de maio, na primeira entrevista desde a detenção, Cherelle Griner confessou ter medo de que a mulher se tornasse um “peão político”.
“Continuo a ouvir que é ele [Joe Biden] que tem o poder. Ela é um peão político. Se eles a têm lá porque querem que ele faça alguma coisa, então eu quero que ele faça essa coisa”, disse a norte-americana em entrevista ao programa Good Morning America, onde também revelou que recebeu uma chamada de Antony Blinken. “Fiquei grata pela chamada. Eles dizem que ela é uma prioridade de topo mas eu quero ver isso. E sinto que só irei conseguir ver isso quando a tiver em solo norte-americano. Neste momento, eu nem sei quem é que vou ter de volta quando ela voltar”, desabafou.
Nos últimos dias, já depois de o início do julgamento de Brittney Griner ter sido marcado para esta sexta-feira e de ter ficado confirmado que a jogadora vai permanecer detida ao longo de todo o processo, Cherelle Griner voltou a falar. No balneário das Phoenix Mercury, à CNN, manteve a mesma lógica: os EUA têm de fazer mais para trazer a atleta de volta a casa.
“É muito, muito difícil. A retórica não está a coincidir com a ação. Estou a insistir com as pessoas para que as coisas que me dizem batam certo com as coisas que fazem. E isso tem sido a parte mais difícil de equilibrar porque não posso desistir. Já passaram mais de 130 dias e ela ainda não voltou”, atirou, revelando que tem tido dificuldades para falar com a mulher porque Brittney Griner liga para a Embaixada dos EUA, a partir da prisão, mas há dias em que ninguém atende e a ligação não é feita. Pelo meio, algo é certo: a jogadora de basquetebol começou a ser julgada esta sexta-feira e vai permanecer detida, pelo menos, mais dois meses. O que acontece a partir daí só a sentença poderá ditar — até porque só menos de 1% dos réus em casos criminais russos são absolvidos.
Este não é, porém, o primeiro problema que Brittney Griner tem com a justiça. Em 2015, quando estava noiva de Glory Johnson, então jogadora das Dallas Wings e agora no Besiktas da Turquia, ambas foram detidas sob a acusação de agressão e conduta desordeira depois de a polícia ter sido chamada pelos vizinhos, que ouviram os gritos de uma discussão dentro de casa. Tanto Griner como Johnson — sendo que a última estava grávida — tinham ferimentos ligeiros e, apesar do incidente, casaram no mês seguinte. A WNBA suspendeu as duas jogadoras por sete jogos e Brittney Griner teve de cumprir um plano de 26 semanas de aconselhamento por violência doméstica. As filhas gémeas do casal nasceram em junho desse mesmo ano e, ao fim de menos de um mês, Griner pediu o divórcio, voltando a casar com a atual mulher em agosto de 2018.