Nas primeiras jornadas da Iniciativa Liberal, depois de ter passado de um para oito deputados, o partido focou-se num ataque permanente ao PS e às políticas socialistas. Carla Castro, vice-presidente da bancada, responde às “irritações” de António Costa — que comparou o partido com o novo governo britânico — e insta o primeiro-ministro a olhar para os “desastres económicos socialistas” e para os “resgates” devido a governos PS. Sem confirmar se os liberais estão ou não disponíveis para se sentar à mesa com o Governo nas discussões do próximo Orçamento do Estado, a deputada assegura que a IL não vai “disputar o campeonato da fita-métrica”.
Carla Castro reitera que os liberais não estão disponíveis para viabilizar um Governo que inclua o Chega, diz que têm sido “claríssimos” nesse ponto, mas admite que o partido de André Ventura e Augusto Santos Silva podem estar a trabalhar na “autopromoção” durante os confrontos em plenário — um clima que descreve como sendo de “tensão” e que considera não ser “vantajoso” nem “digno” para o Parlamento. Ainda sobre a vida interna do partido, o crescimento das vozes mais conservadoras e de comentários discriminatórios, a liberal esclarece que o partido não vai “vigiar ou a monitorizar” declarações de membros.
Antes da última sondagem a IL surgia numa tendência de descida que coincidia com a eleição de Luís Montenegro. O partido está a perder gás desde a eleição do novo líder do PSD?
Pelo contrário, a IL está com imensa energia, está dinâmica, está na luta das ideias e como uma verdadeira alternativa.
Mas estes resultados, apesar da recuperação da última sondagem há dados que apontam para a IL com 3%, não preocupam o partido?
Estamos com muita tranquilidade a trabalhar no dia a dia afincadamente e a afirmar as nossas ideias, nada nos demove nem um milímetro.
Numa entrevista ao Observador, Rodrigo Saraiva chegou a dizer que o PSD não era uma ameaça para a IL. Perante este apagamento dos últimos meses, a IL deve ter uma preocupação maior com o PSD?
Sou muito clara: a nossa preocupação é com as ideias liberais, o nosso intuito é a construção de uma visão liberal, são os resultados dramáticos em que o país, como um todo, está, e não em função dos outros partidos e das outras políticas.
Olhando para os números que existem, não há qualquer possibilidade, neste momento, de haver solução de governo à direita que não inclua o Chega. A IL preferia ficar de fora de um entendimento do que aliar-se ao partido liderado por André Ventura?
Nós temos sido tão claros nisso, não podem subsistir dúvidas. Temos sido claríssimos em relação a não fazer acordos com esse partido.
Preferia que o PS se mantivesse à frente do país do que um governo de direita que incluísse o Chega?
Lutamos voto a voto, pessoa a pessoa, eleitor a eleitor. Quando chegar o momento das eleições e dos resultados, em função desses resultados, tem de se ver quais são os partidos de Governo e já dissemos que não estamos disponíveis para estar com o Chega em coligações.
Uma coisa é estar numa coligação e outra é viabilizar um governo do qual o Chega faça parte.
Estamos a andar em círculos, volto a dizer: é ganhar voto a voto, termos o melhor resultado possível para que possamos cada vez ser mais interventivos e termos uma palavra a dizer nas políticas em Portugal.
O PSD levou ao Parlamento o aumento das pensões em linha com a inflação. A IL absteve-se. Se fosse Governo, aumentava as pensões em linha com inflação ou não?
Para responder a essa pergunta teria que ter os dados que não temos, que já pedimos e o Governo não dá. Sei que, neste momento, a situação em que está a Segurança Social é devido a problemas de demografia e económicos. Com a IL no Governo, [Portugal] não só seria um país melhor para constituir família e ficar em Portugal, como teria políticas de crescimento económico.
Apesar de não ter esses dados considera que para a IL faria sentido fazer estes aumentos de acordo com a inflação?
A nossa votação reflete a verdade dos factos, se há possibilidade ou não de fazer aumentos e, se não há, [perceber] por que é que não há. A discussão está mal colocada: é preciso uma reforma da Segurança Social, é preciso falar nisto com tranquilidade e verdade e ter as contas transparentes. Coisa que não há. Em 2022, nos relatórios do Orçamento do Estado, o fundo de estabilização da Segurança Social esgotava daqui a pouco tempo, os saldos também ficariam negativos dentro de pouco tempo. Temos de estar a falar de verdadeiras soluções e de verdadeiras alternativas para que seja equilibrado para os jovens, mas também os direitos adquiridos dos mais velhos.
O Governo está também a discutir os aumentos salariais para a função pública e propõe um aumento de 2 a 8% até 2026. A IL é contra esta proposta?
Há algo que à partida defenderíamos sempre de uma forma diferente: aumentos salariais na função pública de forma transversal e igual para nós não fazem sentido. Há salários na função pública que estão abaixo do mercado, outros que estão adequados e uma solução igual para todos não serve. Uma coisa é aumentarmos a massa salarial da função pública, outra é ter um aumento salarial igual para todos. É preciso, de uma vez por todas, incluir temas de mérito e de avaliação de desempenho, a noção questão não é com o aumento em concreto, é sobretudo com o próprio modelo de avaliação e remuneração que tem de ser atualizado.
Alguns parceiros sociais já criticaram estes valores por não estarem de acordo com a inflação, faz ou não sentido olhar para os aumentos desse ponto de vista?
Voltamos sempre ao mesmo problema, não atualizar de acordo com a inflação, na prática, é um corte salarial. É do que estamos a falar. Podemos falar com mais técnica, com menos técnica, mas estamos a falar de um corte salarial do ponto de vista real. Mas a questão é por que é que isto está a acontecer, não é só por não haver inflação, é por não haver dinheiro para fazer aumentos de acordo com a inflação. Voltamos ao problema que estamos sistematicamente a falar: é preciso colocar Portugal a crescer, seja para a Segurança Social, seja para salários, seja para criar oportunidades para os jovens, seja para o que for.
Estando aqui em causa a inflação e, tendo em conta que os critérios de mérito e avaliação que defendeu não estão em cima da mesa, os aumentos deveriam acontecer em linha com a inflação ou não?
Se a IL fosse Governo mudava os critérios, incluindo a avaliação de desempenho.
E não tinha em conta a inflação?
Há situações que até podem ser superiores, não têm de ser os critérios. Há carreiras na função pública que são competitivas, outras em que se paga abaixo do mercado, há várias realidades e tem de se ter isso em atenção.
A IL vai voltar a levar à discussão do OE a redução do IRS, insistindo na taxa única?
Vamos certamente voltar a falar do IRS. Quanto à medida concreta, vamos falar daqui a mais uns dias. É fundamental aliviarmos a asfixia fiscal em que as famílias e as empresas estão e o IRS é uma das medidas fiscais que consideramos relevante.
Já houve algumas cedências para tornar a proposta menos rígida. Até onde é que a IL pode ir?
Essa medida vamos apresentar quando apresentarmos as medidas concretas para o Orçamento do Estado e vou deixar para essa altura, mas quero reforçar que vamos, quer para o IRS, impostos indiretos e para as empresas, insistir em melhorar a asfixia fiscal em que estamos.
No último debate parlamentar, António Costa comparou a IL ao novo governo britânico e disse que Lizz Truss representa o “desastre económico que é a IL”. Se a IL estivesse no Governo, não faria o mesmo que fez Lizz Truss?
O primeiro-ministro esquece-se de falar dos desastres económicos socialistas, dos resgates devido a governos socialistas e, portanto, torcer números e políticas já estamos habituados, é mais um episódio.
A IL, ao contrário de outros partidos, por exemplo, viu várias propostas de alteração do Orçamento do Estado serem aprovadas. Está a aproximar-se mais uma maratona para o próximo OE, o Governo pode contar com a IL para se sentar à mesa e negociar?
Vamos prosseguir a mesma estratégia de sempre. Vamos apresentar as nossas propostas que contribuam para uma alternativa em Portugal e para uma visão mais liberal. Não vamos entrar no campeonato da fita-métrica, vamos ser cirúrgicos e concisos. Vamos lutar e apresentar aquilo que consideramos essencial. Claro que esperamos que as nossas ideias vão vencendo e vão cumprindo o seu caminho e em boa verdade isso tem acontecido. O Governo quando fala na importância dos programas “Regressar” e em programas de desoneração fiscal está a dar-nos razão.
A IL está ou não disponível para se sentar à mesa se for para debater esses temas cirúrgicos?
Creio que o mais importante é apresentar as propostas e ver se os partidos aderem às nossas propostas. Era positivo.
Nestas jornadas está a ser discutido o tema da educação — esta foi uma das áreas que levou a IL a recuar por causa da forma de financiamento dos alunos —, o que vai ser proposto pelo partido?
Não recuámos.
Mudaram a proposta de umas eleições para as outras.
Continuamos a defender o mesmo modelo…
Mas acreditam que neste momento não funciona…
É um modelo em que, na fase de crescimento económico em que não estamos, não é uma altura para fazer uma mudança. A educação para nós é fundamental, o elevador social está estragado, a escola não está a funcionar como um espaço de igualdade de oportunidades, para além de acreditarmos profundamente na liberdade de escolha na escola. Portanto, vamos continuar a trabalhar para que a escola seja um espaço para famílias que sejam socio-economicamente desfavorecidas e que tenham um espaço de ascensão social e somos convictos em propostas nesta área.
Chega e Augusto Santos Silva têm travado uma batalha muito particular. Acredita que o presidente da Assembleia da República está a usar André Ventura para se lançar na corrida a Belém?
Isso é uma pergunta que tem de fazer ao próprio presidente, não faço ideia das suas motivações.
Mas tem assistido a vários episódios e vários elementos da IL já falaram sobre o tema. Como é que olha para este clima no Parlamento?
É um clima de tensão e autopromoção não é vantajoso nem digno para o Parlamento.
Então concorda que existe uma autopromoção de Santos Silva?
De todos, provavelmente. Mas as motivações a eles cabe. Que não me parece ser um bom desenrolar, em geral, dos trabalhos, isso acho que não.
Na última sondagem publicada, o presidente da IL foi apontado como o líder partidário com melhor avaliação e o único em terreno positivo. Isso explica o tom da resposta de António Costa no debate de política geral — que nas entrelinhas tem merecido várias críticas ao longo dos últimos dias —, quando comparou Cotrim Figueiredo a Ventura?
A IL é eficaz na oposição, tem apontado questões, tem feito um escrutínio forte em todas as áreas e é natural que provoque irritações.
É por irritações que traduz aquilo que António Costa disse no debate a Cotrim Figueiredo? Foi uma irritação?
Acho que a nossa oposição assertiva incomoda.
A IL cresceu muito e muito rápido e, como é normal num partido novo, tem desafios a nível interno. Já é do conhecimento público que há uma lista da oposição interna ao Conselho Nacional, há a noção de que alguns liberais mais conservadores estão a tentar ganhar espaço dentro do partido e há o contrário: pessoas dentro do partido que estão desconfortáveis com este crescimento e que pedem respostas à liderança. Há espaço na IL para uma linha mais conservadora?
Na IL há espaço para diversidade, sendo que todas as linhas, todos os membros, todas as pessoas que contribuem para o projeto IL estão unidas num tema: um Portugal mais liberal. Num Portugal mais liberal cabe diversas valorizações de liberalismo, bandeiras mais importantes para uns e menos importante para outros, mas há um traço comum que é um Portugal mais liberal. E há muito espaço de crescimento, de coexistência, de pluralidade e diversidade, é um processo tranquilo.
Mas há alguma linha que trace um limite para os liberais conservadores que têm lugar na IL?
Não conheço esse limite, todos os liberais que estão na IL têm um rumo muito claro contra o socialismo, contra um país que está a definhar e que acredita profundamente nos princípios liberais e nas políticas liberais.
Nuno Simões Melo, que será cabeça de lista nessa lista alternativa ao Conselho Nacional, acusou a IL de ser woke e de ser liberal por fora e bloquista por dentro. Até dentro da IL há problemas em assumir que os temas sociais também podem ser associados à direita?
Para fora, há um bocadinho de desconhecimento do que são as verdadeiras preocupações de um liberal e que as preocupações sociais são bastante relevantes. A IL é liberal em toda a linha, nos aspetos políticos, económicos e sociais. Há diversos membros liberais que valorizam mais determinadas dimensões do liberalismo e tudo isso é bastante natural.
A IL deve agir quando há publicações de membros que são discriminatórias, como aconteceu com um dirigente local chamou “monhé” ao primeiro-ministro?
É muito claro os princípios e valores que defendemos, obviamente que não nos revemos em comentários discriminatórios de qualquer espécie e isso é uma linha clara. A partir daí, não podemos e não vamos estar a vigiar ou a monitorizar as declarações dos diversos membros.
Pode haver punições para membros que têm determinado tipo de comportamento?
O importante é que seja extraordinariamente claro o que defendemos, quais são os comportamentos que aceitamos, o que promovemos. Somos profundamente tolerantes, profundamente inclusivos, totalmente anti-discriminação e acho que essa matriz é absolutamente inquestionável na IL.
Recentemente, também em entrevista ao Observador, Rui Rocha apontou várias figuras do partido como possíveis sucessores de Cotrim Figueiredo. Alimenta essa ambição?
De todo.
Mas não a exclui a hipótese?
Nem sequer é uma questão que se coloca.
E concorda com alguns dos nomes que foram apontados como possíveis sucessores?
Não é tema que tenha ponderado.
Mas por não haver vida vida para além de Cotrim Figueiredo? A sensação que passa muitas vezes é que, excluindo Carlos Guimarães Pinto, que já foi presidente, o partido vai tendo poucos quadros verdadeiramente preparados e com notoriedade suficiente para assumirem a liderança. Há um problema na ideia de sucessão?
Nós temos a palavra-chave preparados porque estamos efetivamente preparados e temos gente preparada. O que não estamos interessados é em discutir pessoas, estamos interessados em discutir ideias e políticas. Quando chegar à altura de discutir pessoas estaremos preparados para discutir pessoas.
Cotrim Figueiredo deve estar na liderança do partido até às próximas legislativas? É com isso que o partido está a contar?
Não vejo por que não há-de estar.