Carlos Moedas parece mesmo ter poucas saudades da vida política. Segundo o próprio confidenciou ao Observador, já no fim da emissão da Vichyssoise desta sexta-feira, “adora” o trabalho que está a fazer na Fundação Gulbenkian, onde no final de 2019 assumiu funções como administrador. E, se não fecha totalmente a porta, também garante não ter planos para regressar à vida anterior.
Na próxima semana lança o livro “Vento Suão – Portugal e a Europa”, uma coletânea de crónicas que publicou no Correio da Manhã durante o tempo em que foi Comissário Europeu, que será apresentado por Pedro Passos Coelho. Disso sim, admite sentir saudades. Da Europa e do ex-primeiro-ministro cuja figura admite também “adorar”. A conversa, aos microfones da Rádio Observador, teve o livro como ponto de partida, mas também passou pelo PSD, pela eutanásia e pelo papel que Passos Coelho pode ainda vir a ter na política nacional: “Acho que ele poderia estar a dar muito mais ao país e à Europa”, diz.
Pode ouvir a versão podcast deste episódio da Vichyssoise aqui.
Este livro que lança agora é uma forma de ultrapassar as saudades de ter deixado a Europa e de ser Comissário Europeu? Ou não sofre disso?
Algumas saudades, sim, Bruxelas nunca sai de nós. Viajei muito, vivi em muitas cidades, mas aquela energia que se vive em Bruxelas, que é a energia de todos estes países juntos com pessoas a falar línguas diferentes, a pensar de maneiras diferentes, com religiões diferentes, marca-nos para a vida. Sinto saudades dessa bolha cosmopolita internacional. O livro, de certa forma, mata-me algumas saudades, foram anos fantásticos da minha vida.
Que legado acha que deixa da sua passagem pela Comissão Europeia?
O primeiro é ir a qualquer sítio na Europa e as pessoas terem uma ligação entre ‘ele é português, mas ele também é ciência e inovação’. Essa capacidade de ligar Portugal à ciência e inovação, não ao Portugal do antigamente, mas ao Portugal moderno. De, em qualquer discurso, na Lituânia ou na Estónia, falar dos exemplos dos empreendedores portugueses e as pessoas quererem conhecê-los. Foi algo que me deu sempre muito gosto. Mas o maior legado foi ter deixado um programa para o futuro, de 2021 a 2027, que, se tudo correr bem, terá 100 mil milhões para a ciência e inovação na Europa. É o maior programa do mundo nesta área, os europeus devem ter orgulho nisso.
Ainda agora foi reconhecido pela Universidade de Coimbra pelo trabalho feito nessa área…
Sabe muito bem este prémio porque sempre quis, de certa forma, fazer a política de maneira diferente: na resolução dos problemas das pessoas, estar junto dos cientistas, dos professores, daquilo que é o maior e mais importante pilar de uma sociedade, que é a educação. Ter o prémio da Universidade de Coimbra para mim tem um grande significado por me estarem a dar o sinal de que aqueles que são os cientistas e os investigadores deste país apreciaram o meu trabalho, porque os ajudou a serem mais conhecidos ou a terem melhores redes internacionais.
Uma das histórias que conta no seu livro é a que perdeu uma certa ingenuidade relativamente ao projeto europeu. Por exemplo, não dar esse projeto por garantido. Ainda há razões para otimismo?
Há sempre razões para otimismo.
Otimismo realista?
Realista, sim. Onde é que estão os melhores cientistas do mundo na mecânica quântica, que será o futuro dos computadores e da nossa vida? Estão em Deflt, na Holanda, não na China nem nos EUA. Pode haver maior investimento lá, como na Google, mas os melhores em ciência estão na Europa que tem dois milhões de cientistas. É muito mais do que os EUA e a China. Muitas vezes perdemos o norte, mas nós somos muito bons. A minha esperança vem da capacidade da Europa se tornar o centro do mundo através do conhecimento.
Mas quando entrou no projeto europeu não havia sequer a perspetiva de um Brexit, o projeto era mais garantido. Acha perigoso o que se passa agora na Alemanha, com a líder da CDU a demitir-se, os sucessores prováveis aparentemente menos pró-europeus? Pode representar uma inversão do posicionamento alemão ou pôr em causa o próprio projeto europeu?
Acho que não, porque a Alemanha é um dos estados-membros mais sólidos em termos de instituições. É verdade que me assusta o populismo, o extremismo e o caminho que a política está a seguir em todos os países, inclusive no nosso. Mas não penso que a Alemanha corra esse risco. É um país muito institucional, em que a senhora Merkel, apesar de estar no fim do seu mandato, representa realmente aquilo que a Alemanha é: a estabilidade, a certeza, a previsibilidade. Os alemães votam nessa previsibilidade, apenas estão a dar um sinal de que a senhora Merkel já lá está há anos de mais.
Porquê?
Nenhum político, nenhuma pessoa, pode aguentar tanto tempo com a exposição que ela tem, que não é só a exposição do país, mas é uma exposição mundial. Há aqui uma transição. E como todos os políticos, tem muita dificuldade em sair de cena. Mesmo se olhar para o nosso país, os políticos entram muitas vezes com 20 anos na política e não se reformam. E a senhora Merkel vai ter de dar esse passo, que é difícil. Ao dar esse passo está a tropeçar e a criar alguns problemas aos seus sucessores.
Quem também não parece sair de cena é Pedro Passos Coelho. Dedica-lhe este livro. Sente que lhe deve a sua carreira política?
Devo-lhe quase tudo porque foi uma das primeiras pessoas, na política ou na minha vida, que acreditou no meu potencial sem me conhecer, sem qualquer relação com aquilo que eu era, apenas baseado na qualidade do meu trabalho. Eu colaborava vagamente com o PSD e Pedro Passos Coelho ouviu falar que eu tinha muita qualidade naquilo que fazia, na área económica, e convidou-me antes do Congresso em que foi eleito presidente do partido. Disse-me: ‘Olhe, se eu ganhar, quero muito que me ajude’. E eu pensei que era conversa de político, que depois não me voltaria a telefonar, que era só para me dizer uma palavra simpática. Dois dias depois de ganhar o partido, telefona-me e diz: ‘Quero que venha cá porque preciso da sua ajuda’. E deu-me sempre oportunidades, mas baseadas no mérito. Não tem a ver com a emoção, nem com a amizade, mas com aquilo que estava a fazer.
Se o telefone voltar a tocar e do outro lado da linha estiver Passos Coelho?
Agora não. Agora a minha vida é outra. Eu tive aqui uma grande indecisão…
Tendo em conta esse histórico, tinha coragem e à vontade para lhe dizer um “não”?
Isso tenho. Eu a ele e ele a mim. Dizemo-nos muitos “nãos” e às vezes concordamos ou não em muita coisa. Mas a minha escolha agora foi outra: sair da política, ter impacto social fora da política.
Estava a falar de uma grande indecisão. Qual foi?
Tive muitas indecisões na vida, até porque tive uma vida muito diversificada, mas agora não foi indecisão, foi uma decisão, muito pensada, de dizer que depois de oito anos em cargos políticos o que me apetecia era ter impacto na vida das pessoas que não tivesse a ver com a política. A política tem sempre muito ruído à volta. A pessoa quer fazer o bem, quer tocar a vida das pessoas e quando está na política não consegue estar todos os dias a ver o resultado do seu trabalho. É muito macro. É como estar num helicóptero. E estar na Gulbenkian para mim é como estar com os pés na terra, a ver aquilo que faço todos os dias e a ajudar as pessoas.
Achava plausível que estes telefonemas voltassem a ser feitos? Ou seja: que Pedro Passos Coelho voltasse a pegar no telefone, no sentido em que tem feito intervenções públicas, vai fazer a apresentação do seu livro. Que interpretação faz destas recentes e cada vez mais frequentes intervenções pública de Passos Coelho?
Não faço interpretação nenhuma porque ele é sempre muito claro naquilo que faz e aquilo que vai fazer em relação ao meu livro não tem nada de político. Telefonei-lhe bem antes do Natal, disse-lhe que lhe queria pedir um favor, já que ter estado na Europa devo-o a ele, e com muita intensidade. Quis mesmo que fosse eu o Comissário Europeu e gostava muito que ele estivesse lá para a apresentar o livro. Não tem qualquer mensagem, nem qualquer conotação política.
Mas gostaria de vê-lo regressar à liderança do PSD?
Eu adoro a figura de Pedro Passos Coelho por aquilo que ele fez e por aquilo que ele é. É um homem de uma qualidade extraordinária, mas essa é uma escolha que ele tem de fazer se um dia a quiser fazer. Está fora da política, mas obviamente que a política é um bocadinho como Bruxelas: está sempre dentro de nós. É um dos homens de maior qualidade deste país.
O que gostava de voltar a vê-lo fazer?
Gostava de voltar a ver Pedro Passos Coelho em Portugal com uma posição que mereça, uma posição de destaque. Não sei qual é essa posição, há muitas posições de destaque. Ele tem estado na sua vida de todos os dias, como professor, e acho que poderia estar a dar muito mais ao país e à Europa. Vejo-o numa posição europeia, vejo-o numa posição portuguesa. Mas isso é uma pergunta que tem de lhe fazer a ele e não a mim. Agora que ele é das pessoas que vai ficar na história por aquilo que fez, isso vai.
Pode voltar a ser primeiro-ministro ou Presidente da República?
Ele é que sabe, ele é que pode dizer. Acho que pode ser tudo o que ele quiser porque é um líder extraordinário com uma capacidade de decisão extraordinária, com a capacidade de manter o rumo. Se ele não tivesse estado naquele momento da nossa crise, não sei qual seria o outro político português que tinha conseguido manter o rumo. E naquele momento da troika, o importante era manter o rumo. Não podia haver hesitações, não podia haver de manhã uma coisa e à tarde outra. Pedro Passos Coelho é a pessoa que eu conheço na minha vida que maior capacidade tem de manter o rumo do barco. Isso é um líder, é essa força que ele tem.
Ele pediu agora um sobressalto cívico relativamente à questão da eutanásia, por considerar não estar completamente debatida e esclarecida na sociedade. Qual é a sua posição?
Concordo que precisamos de uma discussão mais profunda na sociedade portuguesa. É verdade que os partidos políticos em geral, tanto o PS como o PSD, no seu programa, quando se candidataram, não referiam a eutanásia.
Por ser uma questão de consciência deviam ter referido isso no programa?
É uma questão de consciência, mas também de posicionamento dos próprios partidos. Os partidos devem ter posição e depois dentro dessa posição, as pessoas têm de ter liberdade. Obviamente que isso muda o sentido de voto das pessoas.
Portanto, defende o referendo?
Neste caso preciso, tenho muito medo de referendos. Está provado que, em muitos casos, as pessoas não respondem à pergunta, respondem mais contra ou favor de quem está no poder, portanto são sinais políticos. Mas neste caso – em que não foi parte dos programas políticos e que é tão importante para a sociedade -, uma das razões porque defendo o referendo tem a ver com o facto de eu próprio precisar de ouvir mais. Não tenho uma posição fixa como pessoa. A discussão é tão difícil, há casos tão concretos em que a pessoa olha e pergunta-se o que é possível fazer. E do outro lado igual. Será que temos o direito, enquanto sociedade de dizer onde acaba a vida e que isso é algo que é feito através da própria sociedade? Tenho muitas dúvidas e acho que os portugueses têm essas dúvidas e precisamos de as esclarecer, de falar, de ver o que é que se está a passar nos outros países. Precisamos de uma discussão pública que ainda não tivemos. Este avanço do Parlamento com esta rapidez, de certa forma assusta-me. É uma decisão tão importante que não foi discutida durante as eleições e, por isso, tenderia a estar mais a favor de um referendo.
O PSD deve ter essa bandeira, de um referendo? Ainda por cima depois da moção aprovada no Congresso?
A minha escolha agora foi sair da política, portanto não vou comentar.
No Congresso anterior ao último apresentou uma moção, até com Pedro Duarte, e gosta que a moção seja cumprida…
Mas não tinha nada a ver com estes temas.
Mas gosta que a moção seja cumprida?
Sem dúvida.
Deve ser ou não?
Não vou fazer comentários nem sobre o PSD, nem sobre o CDS especificamente. Falo como cidadão, que é o que sou hoje. Acho que a discussão ainda não foi feita e que o referendo poderia ajudar nessa discussão. Mas não assinei nem declarações nem petições. Falo-vos num âmbito muito pessoal. A minha tendência seria para ter muitas dúvidas sobre a eutanásia, mas não consigo fechar totalmente a minha porta ao ver determinadas situações em que digo que deveria ser feita porque o sofrimento é tão grande. Quero ter essa discussão, quero falar mais, quero discutir mais politicamente enquanto cidadão. Isto não é a política dos partidos, é a política de uma das decisões mais importantes que temos na sociedade.
Aproveitando que não quer falar sobre política… Pondera no futuro candidatar-se a líder do PSD?
Isso é uma pergunta muito adequada àquilo que acabo de dizer (risos). A escolha que fiz agora de vida é totalmente diferente, não tenho nada que ponderar.
Mas não é permanente ou é?
Queria ter impacto na vida das pessoas, tenho um mandato à minha frente numa fundação extraordinária.
Mas admite que quem olha para si e segue o seu percurso possa entender este hiato como momento de reflexão e preparação para uma candidatura à liderança do partido?
De todo. Na vida nunca sabemos o que vamos fazer daqui a quatro ou cinco anos, quem me diria que estaria hoje na Gulbenkian? Obviamente não fecho na minha vida a porta à política. Mas não está dentro dos meus planos, dos meus objetivos, daquilo que quero fazer na vida. Gosto de política, gosto de contribuir, é uma das razões porque vou sempre contribuir na discussão política em geral. Mas com todos os cuidados de alguém que está fora da política. Este extremismo que estamos a viver é algo que me incomoda como pessoa, vou lutar sempre contra isso e ter sempre esta ideia de um político que contribui de uma forma moderada, centrada, naquilo que é a evidência científica.
Portanto, se o partido precisar de si não vai fugir a isso?
Essa pergunta é tão especulativa que não faz qualquer sentido na minha vida. Vou sim continuar a trabalhar na Gulbenkian, com muito gosto.