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Chegou antes da hora, descontraído e com um caderno azul na mão, ao Tribunal Criminal de São João Novo, no Porto, e à entrada não prestou qualquer declaração aos jornalistas. Mas, dentro da sala de audiências, Rui Moreira respondeu a todas as perguntas que lhe foram feitas pelo coletivo de juízes, presidido por Ângela Reguengo, pelo procurador do Ministério Público, Luís Carvalho, e pelo seu advogado, Tiago Rodrigues Bastos.
Se, à porta do tribunal, uma popular exibia um cartaz de apoio ao atual presidente da câmara municipal do Porto, acusado do crime de prevaricação, dentro do tribunal o autarca reconhecia ter sido “incauto” ao ter assinado a procuração que deu poderes a um advogado externo à Câmara do Porto para que representasse a autarquia no famoso caso Selminho.
Rui Moreira garantiu ainda que a sua intervenção na empresa do ramo imobiliário, ligada à sua família, foi sempre “indireta” e que nunca deu “instruções” sobre que posição o advogado deveria assumir nesse processo. “Nunca tive nenhuma intervenção em nenhuma ação judicial e em nenhum processo urbanístico”, garantiu. O autarca do Porto falou durante quase duas horas, confirmou ao Observador que irá estar presente em “todas as sessões” e que apenas falará com os jornalistas “no fim do julgamento”.
Eis os argumentos utilizados pelo presidente da câmara municipal do Porto em tribunal.
A relação “indireta” com a Selminho
Questionado sobre o que é a Selminho, Rui Moreira começa por esclarecer que a sua relação com a empresa da família, onde a mãe e os seus sete irmãos também são sócios, “sempre foi indireta”, acrescentando que o seu percurso profissional “nunca teve nada a ver” com a empresa.
“Nunca tive nenhuma participação na gestão e julgo nunca ter participado numa assembleia municipal”, recordou, acrescentando que em 2001, ano em que o terreno na escarpa da Arrábida foi adquirido pela imobiliária, era presidente da Associação Comercial do Porto, tendo sido um dos seus irmãos o responsável pela compra.
Rui Moreira tinha conhecimento da “legítima expectativa” da sua família em construir naquele terreno e sabia “genericamente” dos processos em curso entre a Selminho e a Câmara Municipal do Porto. “Sabia, através do meu seio familiar, que havia a expectativa de construir naquele terreno, sabia de uma tentativa de alteração ao Plano Diretor Municipal (PDM), mas não sabia exatamente em que circunstância estava (…) Sempre que se falava em casa sobre esta matéria, a perceção que tinha era a de que o assunto estava encrencado.”
O conselho de Azeredo Lopes para assinar a procuração. “Foi incauto, era melhor não ter assinado”
Sobre o momento em que é eleito pela primeira vez, em 2013, Rui Moreira recorda um tempo “particularmente agitado e difícil”. “Chego à câmara sem ter conhecimento de como as coisas funcionavam e sem conhecer as direções municipais. Ainda assim, rapidamente fomos sendo informados de algumas matérias que preocupavam a câmara, [mas] esta não foi uma delas.”
O assunto Selminho surge então pela primeira vez na sua secretária quando os serviços jurídicos do município emitem vários documentos que requeriam a assinatura do autarca, entre os quais uma procuração referente a um processo que envolvia a empresa da família Moreira. “Quando leio a procuração, está lá referido especificamente o nome Selminho e, em função disso, sabendo da ligação indireta que tinha com a empresa, dirigi-me ao meu chefe de gabinete (…) A minha única preocupação, quando li aquela procuração, foi ver lá o nome da Selminho, aí acendeu-me uma luz amarela.”
Na tentativa de saber se deveria ou não assinar o documento, uma vez que “não tinha formação jurídica”, Moreira diz ter recorrido a Azeredo Lopes, o seu chefe da gabinete na época (que viria a assumir as funções de ministro da Defesa, que entretanto deixou de exercer). Azeredo Lopes ter-lhe-á sugerido que assinasse a procuração, justificando que “ela permitia que a câmara continuasse a estar representada numa determinada iniciativa jurídica”, salvaguardando, assim, os interesses da autarquia no litígio judicial.
A procuração em causa permitia passar poderes especiais a um advogado, Pedro Neves de Sousa. Segundo Rui Moreira, o advogado era um jurista externo à autarquia, nomeado anteriormente pela mesma, e “trabalhava no processo há vários anos”. O documento dava luz verde a Neves de Sousa para chegar a um acordo com a Selminho, que acabaria por admitir a possibilidade de construir no terreno em causa, por alteração do Plano Diretor Municipal (PDM). Caso isso não fosse possível, a autarquia poderia indemnizar a Selminho num valor a ser definido em tribunal arbitral.
Perante o coletivo de juízes, presidido por Ângela Reguengo, o autarca do Porto afirmou que “nunca” teve qualquer intervenção direta no processo, acrescentando que não conhece nem nunca falou com o advogado Pedro Neves de Sousa. “Advogado esse com quem nunca falei [e a quem não] dei nenhuma instrução. Tal como não conhecia a chefe de divisão que me passou essa procuração”, sublinhou.
Questionado sobre quem na Câmara do Porto sabia da sua ligação familiar à Selminho, Rui Moreira respondeu que o seu chefe de gabinete , Azeredo Lopes, tinha conhecimento dessa ligação. Rui Moreira alegou desconhecer se os serviços jurídicos também tinham esse conhecimento.
A procuração forense é assinada por Rui Moreira em novembro de 2013, exatamente um mês depois de ter tomado posse como presidente. No entanto, o autarca admite agora ter sido “incauto” ao optar por assinar a procuração, à luz do que sabe hoje. “Admito que, sabendo o que sei hoje, foi incauto ter assinado, era melhor não o ter feito, isso tenho a certeza absoluta. Também tenho a certeza de que se fosse outra pessoa a assinar por mim, não faltaria nesta sala quem dissesse que tinha sido à minha ordem.”
A sugestão para declarar o impedimento meses depois de assinar a procuração
Rui Moreira contou que, no primeiro semestre de 2014, a então diretora municipal da presidência, Raquel Maia, lhe disse que “era conveniente” que se declarasse “impedido” de intervir no processo”, argumentando que estaria a ser negociado um acordo entre a Selminho e o município do Porto.
“A Dra. Raquel Maia veio falar comigo relativamente à procuração e disse-me que era conveniente declarar o meu impedimento, na medida em que se antecipava um acordo num processo que incluía a minha família. Trouxe-me um documento que assinei. Essa foi a minha última intervenção relacionada no processo. Disse-me que estava para acontecer uma transação [acordo], mas não me explicou as condições nem me disse em que situação estava a transação”, justificou o autarca.
A intervenção no acordo a câmara e a empresa. “Nunca tive intervenção em nenhum processo urbanístico”
Quanto ao acordo, outorgado após Moreira se ter declarado impedido, o autarca recordou que foi assinado pela então vice-presidente, Guilhermina Rego. “Estando eu impedido, quem assinou o acordo foi a vice-presidente Guilhermina Rego, que depois de aconselhada pelos serviços jurídicos e pelos serviços do urbanismo concluiu que aquela transação era conveniente da câmara. Ela veio ter comigo e, por uma questão de lealdade, deu-me conhecimento de que tinha outorgado o acordo”, referiu em tribunal, em resposta ao procurador do Ministério Público.
Na mesma resposta, Rui Moreira acrescentou “nunca” ter tido intervenção no processo negocial entre a câmara e a empresa Selminho. “Nunca tive nenhuma intervenção em nenhuma ação judicial e em nenhum processo urbanístico”, declarou.
O julgamento tem já agendadas duas novas sessões para esta semana (nos dias 17, 18) e uma quarta sessão para a próxima semana (no dia 24). Ao Observador, Rui Moreira avançou que estará presente em todas elas, não sendo ainda claro se voltará a prestar declarações no âmbito do chamado Caso Selminho.