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Imagem digital produzida pela Start Campus mostra como deverá ser o data center de Sines após a construção. Enquanto o NEST (módulo mais próximo do mar) está fora da ZEC, os restantes módulos ficam na zona protegida
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Imagem digital produzida pela Start Campus mostra como deverá ser o data center de Sines após a construção. Enquanto o NEST (módulo mais próximo do mar) está fora da ZEC, os restantes módulos ficam na zona protegida

Retirado do site da Start Campus

Imagem digital produzida pela Start Campus mostra como deverá ser o data center de Sines após a construção. Enquanto o NEST (módulo mais próximo do mar) está fora da ZEC, os restantes módulos ficam na zona protegida

Retirado do site da Start Campus

"Caso único de diversidade", dezenas de espécies em risco e um habitat destruído pelo data center. O que é a Zona de Conservação em Sines?

Alegadas pressões políticas terão servido para contornar obstáculos ambientais a data center numa zona protegida em Sines — e um habitat já foi mesmo destruído. Que zona é esta e porque é importante?

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“Uma situação muito delicada”, que teria de ser resolvida pelo “núcleo duro do Governo” através da modificação dos limites de uma zona protegida, como se lê nas transcrições das escutas da Operação Influencer. A existência de alegadas pressões políticas no sentido de contornar mecanismos de proteção ambiental com vista à aprovação do projeto de um centro de dados em Sines está no centro da investigação judicial que, na semana passada, levou à detenção de figuras relevantes do núcleo duro de António Costa — e que, em última análise, provocou mesmo a demissão do primeiro-ministro e mergulhou o país em crise política.

A construção, nas proximidades do porto de Sines, de um data center para grandes clientes tecnológicos mundiais tem sido descrita por vários dirigentes políticos como o maior investimento privado em Portugal desde a Autoeuropa. Mas há um problema: a área de construção do projeto, da empresa Start Campus, coincide em parte com uma zona protegida do ponto de vista ambiental, o que impossibilitaria o avanço do projeto. Não só o terreno está parcialmente dentro de uma Zona Especial de Conservação que integra a Rede Natura 2000, como dentro do terreno foram identificados pelo menos três charcos temporários mediterrânicos — habitats prioritários que obrigam o Estado português a medidas de conservação especiais. Um daqueles charcos temporários já terá mesmo sido totalmente destruído pelo início das obras da primeira fase do data center (com a construção do primeiro de vários módulos), revelou ao Observador a bióloga Rita Alcazar, da Liga para a Proteção da Natureza, uma das responsáveis pelo projeto científico que cartografou os charcos. Se o data center avançar como previsto, os outros dois estão também em risco de desaparecer por completo, sentencia a bióloga.

O Ministério Público suspeita da prática dos crimes de corrupção e de tráfico de influências por parte de vários decisores políticos e empresários no sentido de viabilizar o projeto. Nas escutas da Operação Influencer, há múltiplas referências a tentativas de contornar a proteção ambiental da zona, a partir de uma alegada influência dos administradores da empresa sobre o Governo, designadamente através de João Galamba, do empresário Diogo Lacerda Machado (amigo próximo de Costa e contratado como consultor do projeto) e do chefe de gabinete de Costa, Vítor Escária. O antigo secretário de Estado da Energia, João Galamba, até recentemente ministro das Infraestruturas, é citado em escutas nas quais sugere que o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deve retificar os limites da zona protegida para permitir o avanço do projeto. Numa conversa com o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, o secretário de Estado João Galamba recorda mesmo o caso Freeport, em que também houve retificação dos limites de uma zona protegida.

O terreno do data center está parcialmente dentro de uma Zona Especial de Conservação que integra a Rede Natura 2000. Dentro do terreno foram identificados pelo menos três charcos temporários mediterrânicos — habitats prioritários que exigem medidas de conservação especiais.

Nas escutas surgem também referências ao presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, a assumir que a primeira fase do projeto foi isentada de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), e também ao presidente do ICNF, Nuno Banza, a explicar que a zona onde é suposto instalar o data center tem “espécies prioritárias e uns habitats prioritários”, algo que é “quase intocável” — pelo que aquele projeto não poderia ser isento de AIA.

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A investigação levou à detenção de Diogo Lacerda Machado, Vítor Escária, Nuno Mascarenhas (presidente da Câmara de Sines), Afonso Salema e Rui Oliveira Neves (ambos da administração da empresa Start Campus). Além disso, também foram constituídos arguidos o ministro João Galamba, o presidente da APA, Nuno Lacasta, e o ex-secretário de Estado João Tiago Silveira. As referências a António Costa nas escutas, que sugerem que a influência do primeiro-ministro poderá ter sido usada pelos suspeitos para facilitar os processos, levou também à abertura de um processo autónomo no Supremo Tribunal de Justiça.

Mas, afinal, que zona protegida é esta? Que habitats existem ali e que espécies justificam um enquadramento jurídico especial? E que implicações tem esse estatuto de proteção?

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Três décadas de proteção ambiental

Em todo este imbróglio, o que está em causa é a Zona Especial de Conservação (ZEC) da Costa Sudoeste, um enorme território com mais de 260 mil hectares que abrange 110 quilómetros da costa sudoeste de Portugal, desde a praia de São Torpes (Sines) até à praia de Burgau (Vila do Bispo).

Para compreender o que é uma ZEC, é necessário recuar pelo menos até 1992, o ano da Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, considerada a nível institucional o grande despertar dos decisores políticos mundiais para as questões ambientais. Foi nessa cimeira, que decorreu no Brasil em junho de 1992, que mais de uma centena de chefes de Estado e de Governo aprovaram algumas das convenções internacionais mais importantes da atualidade, incluindo a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas. São estas convenções, cujos países signatários se reúnem periodicamente nas COP, que regem os esforços internacionais de preservação do ambiente e de combate às alterações climáticas.

Nesse ano, com o objetivo de alinhar a União Europeia com os objetivos ambientais globais, é publicada a Diretiva 92/43/CEE, coloquialmente conhecida como a “Diretiva Habitats”. Com esse instrumento legal, a União Europeia criou a Rede Natura 2000, a rede dos locais no território europeu que devem ser protegidos devido à necessidade de conservação dos habitats e das espécies protegidas. O objetivo da rede é “assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa”. Uma prioridade fundamental é a proteção dos chamados habitats “prioritários”, ou seja, aqueles habitats que estão “ameaçados de desaparecimento”. Os anexos daquela diretiva listavam os habitats prioritários, bem como as espécies de interesse comunitário — aquelas que se encontram em perigo ou vulneráveis, que sejam raras ou que sejam endémicas de um determinado lugar.

Mapa da Zona Especial de Conservação Costa Sudoeste (retirado do Relatório do Plano de Gestão da ZEC Costa Sudoeste, do ICNF)

Para estabelecer esta rede, os vários Estados-membros tiveram em primeiro lugar de identificar os “sítios de importância comunitária”, ou seja, localizações consideradas relevantes para a manutenção dos habitats e das espécies prioritárias.

Alguns desses sítios poderiam, depois, receber a classificação de “zona especial de conservação”. Nas palavras da diretiva europeia, uma ZEC é “um sítio de importância comunitária designado pelos Estados-membros por um ato regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável, dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado”.

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Em 1997, o Conselho de Ministros aprovou uma primeira “lista nacional de sítios”, na qual já era integrado o sítio “Costa Sudoeste”, a que foi atribuído o código PTCON0012. Na região da Costa Sudoeste foram identificados por Portugal 48 habitats naturais, 27 espécies de flora e 18 espécies de animais de entre as que constavam da lista da diretiva europeia — incluindo habitats como dunas, charcos temporários mediterrânicos, florestas várias e grutas, e espécies como o lince ibérico e alguns tipos de morcegos ameaçados. Em 2007, o Governo atribuiu a designação de “sítios de importância comunitária” da Rede Natura 2000 aos lugares incluídos na lista anterior.

Mais recentemente, já em 2019, durante a governação de António Costa, o Governo fez uma alteração aos limites do sítio de importância comunitária da Costa Sudoeste, alargando-os para poder incluir os habitats do roaz e do boto. Finalmente, em março de 2020, o Conselho de Ministros aprovou um decreto regulamentar que classificou como Zonas Especiais de Conservação (ZEC) todos os sítios de importância comunitária do território nacional — incluindo, naturalmente, a ZEC Costa Sudoeste, agora no centro da controvérsia.

Dezenas de habitats e espécies protegidas

Atualmente, a ZEC da Costa Sudoeste é uma das maiores zonas protegidas do país. No total, são 261.232 hectares de extensão, entre área terrestre e área marinha, e abrange seis concelhos: Sines, Santiago do Cacém, Odemira, Aljezur, Vila do Bispo e Lagos. Cerca de 65% da totalidade da zona é abrangida pelo Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, além de dois terços também estarem classificados como Zona de Proteção Especial ao abrigo da Diretiva Aves (mas nem o Parque Natural nem a ZPE abrangem o terreno do data center).

No caso concreto do concelho de Sines, é responsável por uma pequena parte da ZEC: apenas 5% da totalidade da zona se encontra naquele município. Em contrapartida, 24% da área do concelho de Sines está integrada na ZEC, ou seja, um quarto do território do concelho.

Na verdade, olhando para a cartografia detalhada das zonas protegidas que integram a Rede Natura 2000, é possível compreender a controvérsia em torno do data center de Sines. A ZEC da Costa Sudoeste tem em Sines apenas a sua ponta norte — e o terreno adquirido pela Start Campus para a instalação fica justamente no limite da ZEC. Enquanto parte do terreno destinado ao data center está dentro da zona, a outra parte está fora do perímetro.

Nos mapas que constam do projeto do data center, percebe-se que a faixa de terreno onde será instalada a estrutura foi dividida em duas partes. Em primeiro lugar, um segmento triangular na zona mais a oeste do terreno foi destinado à instalação do primeiro módulo do projeto, o “NEST”. Trata-se da porção do terreno que está fora da ZEC. Esta foi a fase do projeto que terá sido isentada de Avaliação de Impacte Ambiental na sequência de uma polémica decisão do presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, que é também arguido no âmbito da Operação Influencer. O ambientalista Francisco Ferreira, da Zero, já disse ao Observador que vê no resultado daquela decisão uma pressão para que, quando a segunda fase do projeto fosse submetida à avaliação ambiental, não houvesse margem para um chumbo — uma vez que a construção já estaria efetivamente em marcha.

Ambientalistas alertaram para habitats prioritários no terreno do data center. Isenção de avaliação ambiental coloca “pressão inaceitável”

O resto do terreno (entre contornos vermelhos no mapa da Start Campus) encontra-se dentro da ZEC e é ali que a empresa quer instalar os restantes módulos do data center. Por essa razão, terá havido pressões no sentido de modificar os limites da ZEC: com efeito, caso os limites da zona fossem descidos cerca de 500 metros para sul, o terreno do data center passaria a estar situado fora da zona protegida.

À esquerda, o topo norte da ZEC, em Sines. À direita, mapa do data center (a vermelho). O triângulo à esquerda é a única parte fora da ZEC: é a parte que foi isentada de AIA

O conflito territorial em questão é, portanto, relativo a uma pequena faixa de terreno com cerca de 500 metros de largura por um quilómetro de comprimento, que se encontra abrangida dentro do perímetro da ZEC da Costa Sudoeste. Mas esta zona protegida é muito mais complexa do que aquela pequena faixa.

Como explica o ICNF no seu relatório do plano de gestão para aquele território, a ZEC da Costa Sudoeste “é palco de diversas atividades antrópicas, que ocorrem numa área de extraordinária qualidade paisagística e ecológica, com grande importância em termos de conservação da natureza”. O ICNF reconhece, ainda assim, que a parte norte da ZEC está “bastante condicionada pela proximidade a grandes infraestruturas e instalações industriais, como é o caso da Central Termoelétrica de Sines e o porto de Sines, o maior porto comercial do país”.

Cerca de um terço da área terrestre da ZEC — a grande região que se estende de Sines até Sagres — é ocupada por floresta, com destaque especial para “extensas manchas de sobreiro e eucalipto”. Por outro lado, cerca de um quarto do território está alocado a áreas agrícolas, praticamente todas na região do rio Mira, em Odemira — onde existe uma forte presença de agricultura em estufas, altamente polémica não apenas por questões ambientais mas sobretudo pelo problema do trabalho ilegal para onde são atraídos muitos imigrantes asiáticos, mal pagos em busca de promessas irreais, por redes de tráfico humano.

Devido à enorme extensão, abrangendo mais de uma centena de quilómetros de faixa costeira entre o Alentejo e o Algarve, a ZEC da Costa Sudoeste tem “uma grande diversidade de tipos de habitat costeiros, incluindo sapais, falésias, sistemas dunares e sistemas lagunares”. Em toda a região “são observáveis inúmeros endemismos florísticos portugueses e ibéricos”.

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Mas além destes muitos habitats, há dois que se destacam, por fazerem parte da lista dos habitats prioritários incluídos na legislação europeia: os charcos temporários mediterrânicos e as charnecas húmidas atlânticas meridionais. Ambos estão classificados na diretiva europeia como prioritários, aqueles sobre os quais pesam ameaças fortes, pelo que só com a “rápida implementação de medidas” é possível assegurar a sua “conservação”. A deterioração de habitats prioritários pode levar a fortes perdas — ou até mesmo extinções — em espécies selvagens que se encontram ameaçadas.

O ICNF explica que a ZEC da Costa Sudoeste tem uma grande importância na preservação de espécies de plantas e flores. “Aqui se congrega um notável património florístico, de extrema importância científica a nível mundial, constituindo-se como uma das áreas europeias de maior biodiversidade florística, com especial profusão de endemismos nacionais, muitos deles ocorrendo apenas nesta ZEC”, diz o instituto, que acrescenta ainda que, só em termos de flora vascular, existem na zona 27 espécies que fazem parte do anexo da diretiva europeia onde constam as “espécies animais e vegetais de interesse comunitário cuja conservação exige a designação de Zonas Especiais de Conservação”.

"Aqui se congrega um notável património florístico, de extrema importância científica a nível mundial, constituindo-se como uma das áreas europeias de maior biodiversidade florística, com especial profusão de endemismos nacionais, muitos deles ocorrendo apenas nesta ZEC."
ICNF, no relatório do plano de gestão da ZEC da Costa Sudoeste

No total, encontram-se na ZEC da Costa Sudoeste 42 espécies vegetais ameaçadas, incluindo algumas em perigo crítico de extinção. É, por exemplo, o caso do carvalho-de-monchique (Quercus canariensis), uma árvore rara na Península Ibérica que, de acordo com a Lista Vermelha da Flora Vascular, já só é representada por 250 exemplares no país. Outra espécie criticamente em perigo é a erva-dos-ouriços (Succowia balearica), que é típica das zonas de rocha em arribas litorais calcárias, mas que está a desaparecer gradualmente do país.

No que toca aos animais, a ZEC é também a casa de insetos como as libélulas Gomphus graslinii e Oxygastra curtisii, que também constam da lista das espécies que obrigam a medidas de proteção, ou do mexilhão-de-rio-do-sul (Unio tumidiformis), uma “espécie endémica da Península Ibérica, muito rara e com uma distribuição muito limitada”. Essa é, aliás, uma espécie que foi profundamente afetada pela grande seca que se registou este ano e que poderá ter levado à extinção do escalo-do-mira, um pequeno peixe português que só existe na bacia hidrográfica do rio Mira, justamente também na ZEC da Costa Sudoeste, como pode ler neste artigo recente do Observador.

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De acordo com o ICNF, a zona protegida da Costa Sudoeste também tem uma “presença significativa das duas espécies de cágados, o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis) e o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa)”, bem como uma “população reliquial de lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), confinada a três locais completamente isolados e com efetivos muito reduzidos”. “Para além das populações relevantes de rato-de-cabrera (Microtus cabrerae), o património faunístico desta ZEC inclui também abrigos importantes para os quirópteros que albergam colónias de maternidade de morcego-de-ferradura-pequeno (Rhinolophus hipposideros), morcego-rato-grande (Myotis myotis) e morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii)”, destaca o relatório do ICNF.

“Um caso único de diversidade num espaço geográfico tão curto”

Marcada “por uma paisagem vegetal essencialmente litoral, dotada de um património florístico singular de enorme importância para a conservação”, a ZEC da Costa Sudoeste tem uma “diversidade de ambientes”, explica o ICNF. Como resultado de “uma combinação única entre as particularidades geológicas, geomorfológicas e climáticas do território”, a ZEC tem “um grande número de tipos de habitat no local, muitos deles prioritários para a conservação e/ou representados por comunidades endémicas”.

De acordo com o relatório do ICNF, na enorme área territorial abrangida pela ZEC é possível encontrar 48 tipos de habitats naturais que fazem parte da lista de habitats que devem ser conservados ao abrigo das normas europeias. Desses, 11 são considerados habitats prioritários, incluindo as lagunas costeiras, as estepes salgadas mediterrânicas, alguns tipos de dunas, os charcos temporários mediterrânicos e as charnecas húmidas atlânticas. Nestes habitats é possível encontrar várias espécies vegetais e animais raras, ameaçadas de extinção e que necessitam de fortes medidas de conservação.

É sobretudo pelas espécies vegetais que a ZEC da Costa Sudoeste se destaca, havendo quase três dezenas de espécies vegetais protegidas, muitas delas “associada aos arenitos dunares, dunas consolidadas ou fósseis, sobre-elevadas e assentes sobre falésias xistosas, em situações descontínuas ao longo da costa, com valor biogeográfico e genético excecional, que albergam elevado número de endemismos lusitanos e mesmo endemismos locais”. O ICNF diz mesmo que esta zona representa “um caso único de diversidade num espaço geográfico tão curto”.

As fichas de algumas das espécies mais vulneráveis que existem na ZEC da Costa Sudoeste, retiradas da Lista Vermelha da Flora Vascular em Portugal

No relatório, o ICNF lista inúmeros exemplos de espécies vegetais que são o retrato de uma “flora excecional associada a depressões húmidas temporárias”, sendo os ecossistemas da ZEC da Costa Sudoeste “um importante reduto de uma flora de clima atlântico de regiões norte-ocidentais”.

Mas aquele território não tem interesse apenas para a flora. Também no caso da fauna há várias espécies na região que necessitam de proteção. Segundo o ICNF, regista-se no território a “presença significativa de 18 espécies listadas” na diretiva europeia onde estão as espécies cuja conservação exige a criação das ZEC. São cinco invertebrados, quatro peixes, três répteis e seis mamíferos — que incluem espécies de borboletas, libélulas, escaravelhos, bivalves, peixes diádromos (que migram entre água doce e salgada) e endémicos, cágados, o lagarto-de-água, a lontra, o rato-de-cabrera e quatro morcegos.

Um charco temporário já foi destruído e os outros dois não resistem ao projeto do data center

Toda esta biodiversidade, com uma multiplicidade de habitats naturais, espécies vegetais e animais ameaçadas — e, por isso, com necessidade de proteção especial — ocorre ao longo da totalidade dos mais de 260 mil hectares da ZEC da Costa Sudoeste, que se estendem desde Sines até ao Algarve. Mas o terreno do data center de Sines representa apenas uma ínfima parte da ZEC, uma faixa com cerca de 500 metros de largura por um quilómetro de comprimento. Nessa faixa, porém, existe uma realidade ambiental de grande importância que a comunidade científica considera necessário proteger e que justifica que aquele pedaço de terreno integre a ZEC da Costa Sudoeste: os charcos temporários mediterrânicos.

De acordo com o Estudo de Impacte Ambiental encomendado pela Start Campus para a segunda fase do projeto, e que abrangeu uma área bastante maior do que o terreno do data center (para avaliar também os impactos da subestação e das linhas elétricas que terão de ser instaladas), 211,2 hectares da área estudada sobrepõem-se à Zona Especial de Conservação da Costa Sudoeste, embora apenas 45,9 hectares correspondam à zona onde devem ser efetivamente instalados os módulos 2 a 6 do data center.

Neste mapa é possível ver a área do data center (contornos vermelhos), a área estudada para o projeto (contornos roxos) e ainda a área da ZEC (a amarelo)

Na totalidade da área que foi estudada para o projeto do data center, foram encontrados 30 habitats naturais diferentes, incluindo nove habitats naturais prioritários ao abrigo da legislação europeia. Entre os habitats prioritários contam-se as lagunas costeiras, alguns tipos de dunas na faixa costeira e, sobretudo, os charcos temporários mediterrânicos. São pequenos charcos “sazonalmente inundados por uma pequena altura de água doce”, onde vivem várias plantas vasculares “adaptadas a solos temporariamente encharcados”. Também foi detetada a presença de charnecas húmidas atlânticas.

Segundo é possível ler no Estudo de Impacte Ambiental, as visitas de campo que foram feitas (em junho e julho de 2022) permitiram identificar na área do data center charnecas húmidas atlânticas e florestas de salgueiros e choupos, também classificados pela legislação europeia. Contudo, os técnicos que fizeram o Estudo de Impacte Ambiental dizem não ter encontrado charcos temporários mediterrânicos durante as visitas — embora a câmara de Sines tenha entregue à equipa técnica a cartografia produzida pelo Projeto Life Charcos (um projeto financiado pela União Europeia e coordenado pela Liga para a Proteção da Natureza com o objetivo de conservar os charcos temporários mediterrânicos). Nessa cartografia surgem três charcos situados justamente na zona do data center. Além desses três, há registo científico mais recente da identificação de um quarto charco temporário na área do data center, também citado no relatório.

Rita Alcazar, bióloga da LPN que trabalhou no projeto Life Charcos, explica ao Observador que os charcos temporários mediterrânicos são de conservação prioritária por várias razões, a começar pela “raridade deste habitat”, que é “muito pontual, tem dimensões relativamente pequenas e tem um conjunto de espécies que só ocorrem neste habitat específico”. “Um dos motivos da classificação [da Costa Sudoeste] como ZEC é o número de charcos temporários que temos, que é muito relevante para a conservação deste habitat”, explica Rita Alcazar.

Aos charcos temporários estão habitualmente associados matos de urze, também considerados prioritários e, por isso, “requerem medidas de conservação”. Porém, estes habitats têm vindo a sofrer uma grande degradação ao longo dos últimos anos. Rita Alcazar aponta várias razões, incluindo a agricultura intensiva, a terraplenagem de terrenos para construção ou às vezes o aprofundamento dos charcos, para os transformar em reservatórios de água permanentes.

Contudo, os cientistas que levaram a cabo o EIA dizem não ter identificado quaisquer charcos “em nenhum dos 4 locais, apesar de ter sido feita prospeção dirigida às espécies diagnosticantes” daquele habitat. Os responsáveis assumem, ainda assim, que as visitas não foram feitas na altura mais adequada do ano — e que o ano de 2022 foi um dos que tiveram menos precipitação nas últimas décadas. Noutras condições, assumem os cientistas, poderia ter sido possível encontrar estes charcos.

"Os Charcos Temporários Mediterrânicos constituem um dos mais notáveis e singulares habitats de água doce da Europa e são considerados um habitat prioritário."
Liga para a Proteção da Natureza

A Liga para a Proteção da Natureza (LPN) explica que se trata de “depressões pouco profundas que apresentam uma alternância anual entre uma fase seca e uma fase inundada”. “A existência de uma camada de solo na área dos charcos com menor permeabilidade do que na área circundante favorece a retenção da água da chuva”, lê-se na página do projeto Life Charcos na internet. “À medida que a recarga do aquífero subjacente faz subir o nível freático, a conexão dos charcos com as águas subterrâneas, às quais se encontram hidraulicamente ligados, torna mais prolongado o período em que há armazenamento de água nos charcos. Estes apresentam assim um hidroperíodo superior àquele que corresponderia a simples acumulação de água da chuva em depressões impermeáveis no terreno.”

Os charcos temporários mediterrânicos são a casa de várias espécies de fauna e flora muito características. São espécies que “estão adaptadas às condições ecológicas que são próprias deste habitat típico da Região Mediterrânica, nomeadamente a sazonalidade na disponibilidade de água”. Por essa razão, “estas espécies têm a capacidade de viver em condições de submersão durante alguns meses e, seguidamente, suportam as condições de secura estival extrema”.

Trabalho científico num charco temporário mediterrânico (fotografia retirada do Facebook do projeto "LIFE Charcos")

“Os Charcos Temporários Mediterrânicos constituem um dos mais notáveis e singulares habitats de água doce da Europa e são considerados um habitat prioritário”, esclarece a LPN. “Para além de terem um papel importante na conectividade entre outros habitats de água doce, a diversidade de vida existente num charco temporário é muito elevada, e geralmente superior à que se pode encontrar em outros meios aquáticos como, por exemplo, lagoas permanentes ou cursos de água. Muitas das espécies que albergam são consideradas raras e ameaçadas, quer a nível europeu, quer a nível global.”

“Algumas das espécies de fauna que aqui ocorrem, nomeadamente alguns crustáceos de água doce, são endemismos com uma área de distribuição muito reduzida. Um exemplo muito interessante é o Triops vicentinus, que é considerado um fóssil vivo, pois persiste desde os tempos em que surgiram os dinossauros e só existe na Costa Vicentina. Os charcos representam ainda um habitat essencial para a reprodução de anfíbios, sendo este o único habitat de água doce no qual se encontram quase todas as espécies de anfíbios que ocorrem na região”, diz ainda a LPN.

Durante a consulta pública da Avaliação de Impacte Ambiental da segunda fase do projeto do data center de Sines, foram consultadas várias entidades, incluindo a LPN, que entre 2o13 e 2018 conduziu o projeto Life Charcos — um projeto científico financiado a 75% por fundos europeus, num orçamento global de cerca de 2 milhões de euros. Durante a realização desse projeto, foram cartografados um total de 133 charcos temporários na ZEC da Costa Sudoeste — incluindo os tais três no terreno do data center.

Os três charcos temporários cartografados pelo projeto Life Charcos no terreno do data center (imagem retirada do contributo da LPN na consulta pública)

Rita Alcazar destaca que estes habitats são “de conservação prioritária”, o que significa que, “legalmente, estão protegidos pela Diretiva Habitats”. Por essa razão, a bióloga não esconde o lamento ao revelar que um dos três charcos identificados na zona do data center já se encontra destruído. Isto aconteceu porque esse charco se encontra apenas parcialmente dentro do terreno da segunda fase do data center, com outra parte na zona onde já arrancaram as obras da primeira fase. “A fase inicial já está em construção. Neste momento, se formos ver as imagens que disponíveis no Google, o data center já foi implementado em cima de um dos charcos temporários”, aponta Rita Alcazar.

A instalação do data center no terreno proposto implicará a destruição dos restantes dois charcos temporários, diz a bióloga. “Uma das áreas já foi destruída. Se avançar o projeto, aqueles habitats que ali existem serão destruídos”, afirma. “O projeto em si obriga à construção de edifícios nas zonas onde existem os charcos temporários e os matos de urze. A não ser que fizessem um projeto que enquadrasse os charcos no seio dos edifícios — o que até podia ser possível —, mas pelo que vi o projeto prevê a instalação dos edifícios. Do projeto que vi, não me parece que seja compatível a manutenção dos charcos temporários e dos matos de urze com a instalação do data center.”

"O que acho importante referir é que o Estado português tem uma obrigação legal de proteção destes habitats. Existe uma obrigação legal."
Rita Alcazar, bióloga da LPN

“O que acho importante referir é que o Estado português tem uma obrigação legal de proteção destes habitats. Existe uma obrigação legal”, vinca a bióloga.

No Estudo de Impacte Ambiental, a empresa propõe um conjunto de medidas, incluindo o transplante de espécies vegetais e animais protegidas para outros locais, bem como a recriação artificial de charcos temporários. Contudo, a LPN considerou essas medidas insuficientes: o ideal seria, disse a entidade no seu parecer, a implementação de medidas de minimização do impacto nas lagoas e de restauro ecológico dos quatro charcos — de acordo com as regras incluídas nas publicações resultantes da investigação do programa Life Charcos.

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