Catarina Pais estava entre as várias centenas de finalistas, de capa e capelo pretos, que iriam receber os diplomas do MBA do Insead. O momento era solene, ainda que um tanto ou quanto descontraído, e era o culminar de 12 meses de trabalho naquele que tinha sido considerado o melhor MBA do mundo pelo jornal britânico Financial Times. A portuguesa sabia que estava entre os melhores alunos do ano — e se dúvidas lhe restassem, elas desapareceram quando surgiu o seu nome entre mais de 50 num slide com a Dean’s List –, mas garante que não estava à espera de ser chamada ao palco para receber o prémio de melhor aluna do curso de dezembro de 2017.
“Quando fui ao palco, o Dean [reitor] disse-me que devia dizer algumas palavras, mas eu não tinha nada preparado. Eu até podia ter preparado, não me tinha importado”, recorda a gestora ao Observador.
E foi precisamente isso que sublinhou no seu discurso de agradecimento: “Olá a todos. Não preparei um discurso porque, mais uma vez, não sabia. Quero apenas agradecer a todos por terem tornado este ano tão especial. Sei que todos vocês vão ser uma força para um bem maior e espero repetir este ano, talvez não de uma maneira tão intensa, mas com vocês pelo resto da minha vida. Muito obrigada.”
Catarina Pais foi a primeira mulher portuguesa a vencer o Henry Ford Prize, atribuído ao melhor aluno do MBA do Insead, atualmente o segundo melhor a nível mundial de acordo com o Financial Times.
A par da gestora de 29 anos, que ganhou o prémio ex aequo com um aluno alemão, apenas outros quatro portugueses conquistaram esta distinção: António Horta Osório, presidente do Conselho de Administração do Lloyds Bank — a quem foi atribuído o primeiro Henry Ford Prize, em 1991; Miguel Bragança, administrador do BCP, em 1993; Joaquim Goes, ex-administrador executivo do BES e administrador executivo na Oxy Capital, no ano seguinte; e André Almeida, antigo administrador executivo da NOS e atual senior vice-president da Deutsche Telekom, em 2004.
Uma “amostra de portugueses” que diz serem “pessoas excecionais”, mas que nem por isso lhe coloca pressão extra. “É verdade que há alguma pressão na minha carreira para tentar ser o melhor possível, mas não é nada que não fosse já auto-imposto”, admite a gestora. “Sou ambiciosa e uma pessoa ambiciosa sente sempre pressão, senão tinha ficado quieta num trabalho até mais tranquilo das 9h00 às 17h00 ou das 9h00 às 19h00. Se eu sempre tive brio, desejo e vontade de ver e fazer mais coisas, acho que tudo isto — conseguir entrar e fazer o MBA, vencer o prémio — acaba por ser fruto do trabalho e do investimento que a pessoa faz”, admite.
Esta não foi, contudo, a primeira distinção académica da gestora. Licenciada em Economia pela Universidade Católica, foi também a melhor aluna do mestrado de Gestão com especialização em Finanças na mesma universidade — e chegou a dar aulas de Finanças ao segundo ano da licenciatura. Neste mestrado, chamado ‘double degree‘, fez o primeiro ano em Lisboa e o segundo na ESCP (École Supérieure de Commerce de Paris) e foi a segunda melhor aluna na universidade francesa, entre mais de 800 alunos.
“Tornei-me administradora não executiva quando tinha 25 anos”
Depois de um ano a viver em França, ainda ponderou ficar na capital francesa, mas uma oferta que tinha pendente da A.T. Kearney, uma consultora americana que é um spin-off da Mckinsey, levou Catarina Pais a regressar a Lisboa. “Eu já tinha a oferta da A.T. Kearney para voltar desde que tinha feito o estágio no segundo ano de licenciatura, quando tinha 19 anos. Com o rescaldo da crise — acabei o mestrado em 2011 –, ainda havia muitas empresas que não recrutavam e os meus professores em Paris e profissionais diziam-me: ‘Se tens uma oferta da A.T. Kearney em Lisboa, volta’.”
Ao fim de três anos na consultora, onde chegou “a senior business analyst“, foi convidada para integrar a Oxy Capital, uma gestora de fundos de capital de risco. “Essencialmente o que se faz é fundraising, ou seja, conseguir fundos de investidores, gerir esses fundos comprando empresas ou investindo em empresas e depois passado algum tempo, vender as participações nessas empresas”, explica a gestora.
Apesar do percurso sólido que estava a construir dentro na A.T. Kearney, decidiu dar ouvidos ao “bichinho das Finanças” que lhe ficou, especialmente depois de ter feito um estágio em capital de risco na Explorer Investments durante o mestrado. Entrou na Oxy Capital como analista sénior e chegou a associada, à medida que se ia tornando administradora não executiva de algumas empresas — reportando sempre à equipa sénior da Oxy. “Quando se investe numa empresa, acorda-se ter um lugar no Conselho de Administração, para ir controlando o dinheiro que lá se investe. O fundo é que diz quem é essa pessoa e os meus partners diziam que era eu. Tornei-me administradora não executiva da primeira empresa quando tinha 25 anos. À medida que ia fechando transações, ficava como administradora das empresas — às tantas, tinha cinco boards. Faz parte do trabalho.”
Pelo facto de o seu trabalho estar muito centrado em Portugal e de as transações a nível nacional não serem tão grandes como aquelas que se fazem lá fora, Catarina optou por fazer o MBA. “Para fazer um MBA, era agora ou nunca. Eu gostava muito do que fazia, mas comecei a achar que era importante ter uma perspetiva mais internacional para poder fazer transações maiores.”
Escolheu o Insead não só por ter um programa com a duração de um ano, mas porque foi considerado pelo Financial Times como o melhor MBA do mundo tanto em 2016 como em 2017. O processo de seleção, recorda a gestora, começa pela realização do GMAT, um “teste que tem uma parte de inglês e uma parte de matemática”. Depois, os candidatos têm de escrever textos (“essays”) sobre diversos temas — no seu ano, Catarina teve de falar sobre a sua carreira, o seu espírito de liderança e descrever uma situação no trabalho em que tenha “estado num conflito que envolvesse diversity“, isto é, pessoas de vários países. Aqueles que passam esta primeira fase são depois entrevistados por ex-alunos do Insead que estão no seu país e que verificam aquilo que é relatado nos essays.
Nem duas semanas depois, Catarina Pais recebeu a notícia de que tinha sido uma dos 500 alunos seleccionados, dos quais 13 portugueses, para entrar no MBA em janeiro de 2017 — por ano entram mil alunos, 500 no curso de janeiro e outros 500 em setembro.
“Uma francesa, com quem normalmente falava por email em inglês, ligou-me em português — ela tinha dupla nacionalidade — e disse: ‘Catarina, muitos parabéns, entrou. Por acaso, está a pensar ligar a mais alguém?‘. Isto porque eu e o meu namorado candidatámo-nos ao mesmo tempo. Como ela sabia, disse-me para não ligar a ninguém e eu percebi que ela provavelmente iria ligar-lhe. Ele estava em Londres e não tinha rede no escritório. Então comecei a tentar falar com ele por todos os meios possíveis para tentar que ele fosse para a rua para poder atender a chamada. Mandei-lhe emails, mandei-lhe Whatsapps e de facto, quando ele foi ver, ela já tinha tentado ligar-lhe. Entretanto ligou-lhe de novo e deu-lhe a novidade, portanto conseguimos entrar os dois no MBA.”
“Há poucas coisas melhores do que ter estado no Goldman”
Despediu-se da Oxy Capital para tentar arranjar um emprego lá fora assim que terminasse o MBA, em particular porque “é mais fácil pagar o MBA” trabalhando no estrangeiro — as propinas em 2017 chegavam aos 73,500 euros + despesas de acomodação (atualmente já estão nos 84 mil euros).
Desde o primeiro dia que a gestora tinha o seu objetivo bem definido: ir para Londres trabalhar em Finanças. E apesar de ter sido aconselhada a fazer todo o ano no campus de Fontainebleau, em França, a gestora optou por rumar até à Ásia, onde esteve nos primeiros seis meses. “Comecei as aulas em Singapura para aí a cinco de janeiro e o deadline para as candidaturas para um estágio de verão em banca de investimento era a 15″.
Seguiram-se vários dias em telefonemas e videoconferências “com Nova Iorque, Londres, com pessoas que trabalhavam em banca” até que se candidatou a dois bancos. Teve ofertas de ambos, mas escolheu o Goldman Sachs. “O Goldman é, desde há muito tempo, o melhor banco de investimento. É um excelente banco, dá uma boa formação, é um nome reconhecido e em Finanças, há poucas coisas que sejam melhores do que ter estado no Goldman“, diz Catarina Pais.
Quanto à reputação do Goldman, especialmente tendo em conta que o banco de investimento foi um dos rostos da crise económica, a gestora refere que, “independentemente do que se escreva, o Goldman continua a ser um ótimo banco para se trabalhar”.
Foram dois meses de estágio intenso, que decorreram no verão de 2017, e onde teve contacto com “pessoas de todos os backgrounds“: tinha um colega da Marinha francesa e estava a fazer o MBA na London Business School e um americano, que vinha do Exército americano e também estava na London Business School. “Eu gostei imenso de trabalhar lá, mas é muito duro e muito intenso. Há dias das 9h00 às 2h00 e em que se trabalha seis dias por semana”, acrescenta. Cerca de um mês depois do final, foi convidada a integrar a equipa do banco no final do MBA.
Intenso foi também a palavra que usou para descrever o seu tempo no Insead — afinal, este MBA “condensa” num ano aquilo que outros fazem em dois. Em particular durante os primeiros seis meses em Singapura, que contrastaram com os últimos quatro meses do MBA, passados na “vila pitoresca” de Fontainebleau. “O que tentávamos fazer era trabalhar intensamente nos dias em que tínhamos aulas e depois fazer fins de semana ali ao lado. E viajávamos muito todos juntos, o tipo de relações que se estabelece é diferente”.
Competitividade entre colegas, garante, nunca sentiu: “A maior parte está mais focada nas suas carreiras e em aproveitar a pausa do que estar a competir pelas notas. Já somos todos mais velhos, temos outra maturidade, já percebemos que ter um ano para andar a viajar é uma coisa que não nos vai acontecer sempre. Acho que as pessoas quando estavam mais dedicadas e faziam bem as apresentações e os trabalhos de grupo, até é mais porque são pessoas boas e com tanto brio que não querem ficar mal na figura, não por estarem a competir.”
Myanmar, Indonésia, Cambodja, Vietname e Tailândia foram alguns dos países por onde passou. “Quando fizemos a viagem de finalistas em Bali, o senhor dos Customs [Alfândega] dizia-me: ‘Eu conheço a sua cara, quantas vezes já entrou no país este ano?’ Era a terceira vez que lá entrava.”
As viagens pela Ásia não a impediram ficar na Dean’s List — com os 10% de melhores alunos do ano — ao longo de todo o ano, e de arrecadar o Henry Ford Prize. “Fiquei muito orgulhosa e os meus colegas ficaram muito contentes. Normalmente estão à espera de não conhecer a pessoa que ganha o Ford Prize, porque é se calhar uma pessoa mais recatada e eu era a pessoa que estava a organizar um dos maiores jantares daquele dia num restaurante mexicano em Singapura. Estava mais preocupada com a logística da noite [risos].”
No curso de Catarina, 38% dos alunos eram mulheres — no total dos portugueses havia quatro mulheres. “Historicamente, houve mais homens na área da Gestão do que mulheres. Recentemente tem havido mais mulheres a candidatar-se ou a fazer cursos de Gestão, mas às vezes não querem, com 29/30 anos, fazer este género de cursos para fora. Se calhar têm outras prioridades ou já estão num emprego que gostam. Não sei… Na minha área, não há muitas mulheres, é uma coisa tradicionalmente mais masculina.”
O facto de “com frequência” ser a única mulher nos locais onde trabalhou levou-a a passar por algumas situações de maior estranheza. “Havia cenas pitorescas. De pessoas contarem histórias de na fábrica terem só mulheres a trabalhar porque são precisas pessoas com mãos pequeninas e fininhas, mas depois dizem que têm um encarregado que é um homem. Ou fazerem analogias ou comparações que não têm muita aplicação quando estás a falar com uma mulher. Se calhar usam esse tipo de analogias quando estão a negociar com homens, mas não podem estar a dizer aquilo a uma mulher porque não faz sentido, é desconfortável”, recorda. “Mas achei que as pessoas não faziam isto por mal ou para me desestabilizar a negociar, mas porque efetivamente existem meios empresariais e culturas que estão pouco preparados para receber mulheres, porque há pouca tradição de mulheres a fazerem aquilo.”
“O essencial é tentar conseguir continuar com o vínculo a Portugal”
Ainda assim, a gestora prefere focar-se no que o prémio significa para os alunos portugueses no geral. “Mulher ou não, o facto de ser mais um português a trazer para casa o prémio acho que prova que os portugueses são excelentes naquilo que fazem. Todos os meus colegas portugueses eram ótimos.”
O próximo passo é regressar à área de fusões e aquisições do Goldman Sachs, em Londres, no próximo mês de junho. Sabe que vai voltar aos intensos dias de trabalho. Ainda assim, para a gestora, “a família também é uma prioridade”. Se é possível conciliar as duas realidades? “Agora estou focada em ir para o Goldman e em tentar fazer o melhor possível. Percebo que os primeiros anos são mais duros, mas depois a própria carreira dentro do Goldman vai-se adaptando e há muitas mulheres que têm filhos. Aliás, acho que é o único banco no meio de Londres que tem uma creche.”
No futuro, Catarina Pais vê-se a regressar a Portugal. Só não sabe quando, mas até lá vai tentar manter a ligação ao seu país. “O essencial é tentar conseguir continuar com o vínculo a Portugal, porque também é preciso estar presente aqui no mercado para as oportunidades surgirem. Vai ser difícil, mas vou tentar manter as portas abertas. Para todos os efeitos, eu gostei de começar a trabalhar em Portugal. Espero com estas experiências internacionais desenvolver-me como pessoa e como profissional, para que possa contribuir para o crescimento das empresas com as quais colaboro e adquirir conhecimento que seja útil para o meu futuro e, idealmente, para o meu país, enquanto gestora e cidadã. É um bocadinho este dever patriótico de fazer alguma coisa pelas empresas portuguesas.”