A economia portuguesa continua a viver um bom momento, cada vez mais contrastando com a estagnação que existe em vários países europeus, e, por isso, as políticas públicas – à semelhança das decisões das empresas e das famílias – devem privilegiar a criação de “almofadas” de poupança, precavendo uma fase menos positiva do ciclo económico. O alerta é de Mário Centeno, que, não resistindo a tecer considerações (indiretas) sobre a negociação orçamental em curso, sublinhou que o Estado não deve tomar medidas que sobreaqueçam a economia – e que possam ter de ser corrigidas mais tarde.
“As políticas [públicas] devem contribuir para alisar os ciclos económicos“, ou seja, tornando as recessões menos profundas e aproveitando os momentos bons para construir “almofadas” de poupança, sustentou o governador do Banco de Portugal nesta terça-feira. O que não deve acontecer, avisou o ex-ministro das Finanças, é o Estado tomar medidas que têm como objetivo estimular (ainda mais) uma economia que já está em pleno emprego e, ao mesmo tempo, abdicar de receita fiscal numa altura em que a “despesa pública corrente aumenta como não aumentava há muitas décadas”, pelo menos desde 1992.
A poucos dias da entrega da proposta de Orçamento do Estado na Assembleia da República, Centeno não quis comentar, diretamente, os planos do Governo para baixar o IRC como estímulo ao investimento empresarial – uma medida que, por sinal, é o principal impedimento a que o PS viabilize a proposta que Joaquim Miranda Sarmento irá entregar à Assembleia da República na quinta-feira, 10 de outubro.
Porém, o antigo ministro das Finanças considera que, a longo prazo, o que mais tende a influenciar o investimento das empresas não é o nível de impostos mas, sim, as previsões de procura por parte dos clientes dos bens e serviços que as empresas fazem ou prestam. Esse é o fator principal, sustenta o professor catedrático de Economia, reconhecendo que também é preciso ter estabilidade da política fiscal e estabilidade financeira como “pré-condições”.
Centeno candidato a Presidente da República? São "questões do foro pessoal"
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Na apresentação do Boletim Económico trimestral, do Banco de Portugal, Mário Centeno também foi questionado pelos jornalistas sobre a possibilidade de vir a ser candidato a Presidente da República e a resposta foi curta e sintética:
“Sobre as questões do meu foro pessoal elas são do meu foro pessoal, eu sou governador do Banco de Portugal é isso que neste momento faço e gosto de fazer”, afirmou.
Isso significa que Centeno considera que (potencialmente) descer o IRC será um erro, uma medida que pode não produzir os resultados desejados? O governador do Banco de Portugal recusou comentar propostas concreto mas lamentou que sejam, “às vezes, anunciadas medidas sem o respetivo custo, sem se conhecer o respetivo impacto”. “As medidas que os governos tomam devem ter um propósito, devem ser muito bem calculadas e avaliadas”, o que, inferiu Centeno, não estará a acontecer nas propostas que têm sido avançadas publicamente.
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Não sendo Portugal um país com grandes quantidades de recursos naturais ou que possa viver dos investimentos de grandes fundos soberanos, explicou o governador do Banco de Portugal, “os impostos são a receita do Estado e são aqueles que queremos para financiar a despesa”. E “como é que se pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo: cortar impostos e aumentar a despesa? Essa é a discussão”, afirmou Centeno, acrescentando que é “tão legítimo invocar o IRC, como imposto que se possa cortar, como qualquer outro imposto”. “A questão é como é que se gere o equilíbrio face às exigências que o futuro nos coloca”, concluiu.
Os comentários de Mário Centeno foram feitos na apresentação do Boletim Económico de outubro, um relatório trimestral onde o Banco de Portugal atualiza as projeções macroeconómicas para os anos seguintes. Ao contrário do que acontece nos outros três relatórios (os que são divulgados em março, junho e dezembro) o boletim de outubro não inclui projeções para o saldo das contas públicas, pelo facto de o documento ser divulgado em pleno processo de negociação orçamental para o ano seguinte.
Ainda assim, Mário Centeno comentou que a “avaliação da situação orçamental desde junho até hoje não mudou significativamente” e “os riscos que [o Banco de Portugal] apontou nessa altura podem ser transladados para os dias de hoje”. Em junho, o antigo ministro das Finanças tinha avisado que Portugal estava à beira de voltar a ter um défice das contas públicas, apenas com as medidas que já tinham sido anunciadas e aprovadas (tanto pelo Governo como pelos partidos da oposição, à revelia do Governo).
Preto no branco, o Banco de Portugal escreveu no Boletim Económico que “a redução sustentada do rácio da dívida pública não deverá abrandar o ritmo“, já que essa redução “representa um elemento fundamental para a estabilidade macroeconómica e para o crescimento das gerações presentes e futuras”. O relatório destaca (sobre a política orçamental) que “a sua orientação expansionista em todos os anos do horizonte de projeção, num contexto em que o PIB se encontra acima do seu potencial, gerará a necessidade de um ajustamento posterior numa fase menos favorável do ciclo económico”.
A este aviso escrito, Mário Centeno juntou um alerta em viva voz: Portugal “atingiu um nível de equilíbrio nas contas públicas e quando olha para o futuro não tem, pela primeira vez em muitas décadas, um exercício de ajustamento orçamental”. Por isso, o País “deve preservar essa condição única e da qual beneficiam hoje menos de uma mão cheia de países na Europa”, afirmou o governador do Banco de Portugal.
Economia cresce menos em 2024 e não acelera tanto em 2025
O Boletim Económico divulgado nesta terça-feira pelo Banco de Portugal projeta que a economia portuguesa termine o ano de 2024 com um crescimento de 1,6%, menos do que os 2% avançados em junho.
Parte desta revisão está relacionada com uma alteração das séries de dados usados pelo INE, explica o Banco de Portugal, que também passou a apontar para uma aceleração mais fraca da economia no próximo ano: a anterior previsão de 2,3% era uma das mais otimistas mas, nesta terça-feira, o Banco de Portugal cortou a projeção de crescimento em 2025 para 2,1%.
Economia está a crescer menos em 2024 e não vai acelerar tanto em 2025, diz o Banco de Portugal
Olhando para a frente, o Banco de Portugal antecipa que “o dinamismo do rendimento disponível continuará a refletir uma evolução favorável do mercado de trabalho, com aumento do emprego e dos salários, e o impacto das medidas orçamentais”, prevê o supervisor, acrescentando que “a transição gradual para taxas de juro mais baixas e as entradas de fundos europeus apoiarão um maior crescimento do investimento”.
Por outro lado, “a procura externa dirigida à economia portuguesa acelera no horizonte de projeção, mas a evolução das exportações é condicionada pelo esgotamento do impulso da recuperação pós–pandemia dos serviços, em particular dos associados ao turismo”, acautela o supervisor liderado por Mário Centeno.
O governador do Banco de Portugal destacou, também, um outro indicador que está no boletim económico e que diz respeito à taxa de poupança. Esta deverá superar os 11% (do rendimento disponível), um valor historicamente elevado em Portugal num contexto que é de crescimento e não de contração da economia.
“São valores mais elevados do que tínhamos antes da pandemia, num momento positivo do ciclo económico, de descida das taxas de juro”, considerou o governador do Banco de Portugal, avisando que este “é o momento de as famílias constituírem poupanças como as que foram muito úteis” no passado recente.
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