Pedro Nuno Santos está disposto a levar até ao fim a linha vermelha que definiu no último domingo: os socialistas não negociarão qualquer redução de IRS e IRC nas bases em que a Aliança Democrática propõe, mesmo que isso signifique uma crise orçamental e, por arrasto, política. Ou o Governo abdica das suas duas principais bandeiras nesta matéria ou nada feito. Luís Montenegro, apurou o Observador, vai pagar para ver se as exigências de Pedro Nuno são mesmo para levar a sério e vai repetindo o recado de sempre: o programa de Governo é para cumprir. A acreditar no que um e outro vão dizendo e sugerindo, os dois parecem ter chegado a uma posição irreconciliável.
Para o PS, de resto, a decisão está fechada: se o Orçamento tiver por base as propostas do PSD para o IRC e o IRS Jovem, o chumbo é certo. Ou seja, para os socialistas a questão não se resolve com alterações nos moldes ou na intensidade das descidas de impostos previstas pelo PSD: “A questão é de princípio”, sublinha fonte do PS. O que significa que qualquer medida que tenha por base a mesma filosofia da atual proposta do Governo – seja do IRC, que abrange as empresas de forma transversal, ou do IRS, que beneficia mais os jovens com mais rendimento – coloca o PS fora das negociações e das hipóteses de viabilizar o Orçamento.
Ao Observador, a mesma fonte socialista esclarece assim que o partido não está interessado em “modular” as medidas propostas pelo PSD, nem em negociar questões de detalhe em cima da base que o Governo já entregou no Parlamento. O único caminho a partir daqui, defende-se no partido, passaria por encontrar modelos novos ou negociar alterações aos “modelos que já existem” hoje e que foram aprovadas pelos governos socialistas – no que toca ao IRC, o PS determinou benefícios fiscais para a capitalização, inovação e valorização social das empresas, recusando uma descida transversal e “sem critério” do imposto; no que toca ao IRS, existe um modelo diferente de isenções totais ou parciais para todos os jovens nos primeiros cinco anos de trabalho.
“Chantagem” e “humilhação”: posições cada vez mais crispadas
Ora, à barricada erguida pelos socialistas, o Governo responde com outra barricada: não se negoceia sob “chantagem” e não é “razoável” que o PS possa esperar que Luís Montenegro abdique de duas das suas propostas em matéria de fiscalidade para governar com o programa político do PS, diz ao Observador fonte do Executivo. Além disso, insiste-se, a bola está do lado de Pedro Nuno Santos. “Ninguém conhece as propostas do PS nestas duas matérias. Não aprovam as nossas, certo, mas querem exatamente o quê? Ninguém sabe“, denuncia um destacado dirigente social-democrata.
De resto, na primeira resposta pública às condições impostas por Pedro Nuno Santos, à margem de uma ação junto de militantes em Lisboa, Luís Montenegro lá foi dizendo, como sempre, que as “portas estão abertas para a negociação” e que existe “abertura” para trabalhar. Mas essa é só a primeira parte da mensagem de Montenegro — e não é a mais importante. De seguida, o social-democrata insistiu que as negociações não podem “desfigurar” o programa da Aliança Democrática e que a “linha governativa é a linha do Governo”. Por outras palavras: Pedro Nuno Santos não terá sorte se continuar a insistir em esvaziar o programa fiscal da Aliança Democrática.
Se para o PSD os socialistas estão a dar grandes sinais de inflexibilidade, no PS defende-se que estas duas matérias também são “estruturantes” e “questões de princípio” para os socialistas, pelo que abdicar destas duas exigências equivaleria a desistir do seu programa: “O PS também tem direito aos seus princípios”, diz fonte socialista ao Observador. Pedro Nuno Santos tem, aliás, pegado nestas duas medidas como exemplo para ilustrar um dos eixos centrais do seu discurso do Governo: o PSD está a governar para uma “minoria” e a beneficiar quem já é mais privilegiado, ajudando a agravar desigualdades, vai atirando o socialista a cada oportunidade.
Logo, “seria impensável” que os socialistas trabalhassem com o PSD numa espécie de “meio caminho” para suavizar uma proposta em que não se reconhecem. Também a proposta para o IRS Jovem é classificada como “injusta” e “inaceitável” dentro do PS, assegurando-se que nenhuma proposta com a mesma base poderá ser aceite pelo partido. “Se há partidos com entendimentos próximos deles, aprovem”. Ou seja, a Iniciativa Liberal (que em rigor discorda dos moldes do IRS Jovem) e o Chega deverão, no entender do PS, fazer esse papel; nunca os socialistas.
Para já, o partido insiste que é essencial ter mais informações sobre as contas públicas – ainda esta terça-feira, o grupo parlamentar do PS voltava a enviar um comunicado às redações em que explicava que dirigiu ao Presidente da Assembleia da República um novo pedido para que o Governo cumpra a Lei de Enquadramento Orçamental e não envie informação “parcial” aos partidos e ao Parlamento. Para Pedro Nuno Santos, os elementos que faltam são “fundamentais para aferir a previsão de despesa e receita”, e assim avaliar qual é a folga orçamental que existe para poder adotar novas medidas. Só nessas condições – e se vir IRS Jovem e IRC caírem liminarmente por terra – é que o PS apresentará propostas próprias.
Acreditando que este ‘irrevogável’ de Pedro Nuno Santos é mesmo para manter, resta pouca margem para que os dois partidos se possam entender no Orçamento do Estado. Por esta altura, o PS já contava que o PSD tivesse mostrado mais abertura, ou pelo menos sinais de “simpatia” em público, para cooperar com um PS que se tem dito aberto à negociação e que tem visto os meses passar sem sinal de que possa vir a ter ganhos de causa significativos neste Orçamento. Não tendo acontecido, os socialistas esticam a corda, convictos de que o pior é que podem fazer é deixarem que se instale a ideia de que a viabilização está garantida porque têm medo de eleições antecipadas.
Dado o primeiro passo, os socialistas aguardam uma resposta do Executivo às condições impostas pelo secretário-geral do PS. “O Governo tem de vir falar connosco e aí veremos”, frisa fonte socialista, sublinhando que a bola está do lado do Executivo – foi essa a intenção de Pedro Nuno Santos sistematizou as suas condições para negociar e potencialmente viabilizar o Orçamento, depois de meses em que o PS ziguezagueou à volta das questões sobre o seu sentido de voto e da sua abertura para negociar. Sentindo-se em risco de ser “aprisionado” ou até “humilhado” pelo PSD, o partido quis tentar assumir o controlo das pré-negociações e mostrar iniciativa.
O argumento não convence a equipa de Luís Montenegro, que vai insistindo exatamente na tese contrária: se os socialistas querem alterar as propostas do Governo em matéria de fiscalidade, então terão de ser eles a dizer publicamente o que querem, não por meias palavras, não pelos jornais. Sendo que existe um dado adquirido: existe margem e boa vontade para revisitar e modelar tanto a questão do IRS Jovem, como a do IRC; mas o Governo não vai abdicar de duas das suas propostas propostas.
No limite, e mesmo desconfiando das reais intenções de Pedro Nuno Santos, a equipa de Luís Montenegro está preparada para todos os cenários — incluindo o de eleições antecipadas –, uma vez que acredita que tem a vantagem política do seu lado: não só porque, historicamente, quem está no poder tem tido vantagem sobre quem é percecionado como causador da crise política; mas também porque existe a convicção de que foi possível extinguir os principais focos de incêndio e de que a opinião pública está largamente com o Governo. Umas eleições nem seriam assim tão más, em boa verdade. Até lá, a receita é simples: manter a serenidade, obrigar o PS a mostrar o jogo e desgastar Pedro Nuno Santos até ao fim.
Governo nem quer ouvir falar de Retificativo
No último domingo, Pedro Nuno Santos lançou um novo trunfo ao propor que se aprove um Orçamento Retificativo para assegurar que os aumentos para a Função Pública já negociados com o Executivo não caem por terra graças a um chumbo orçamental. A intenção é simples: retirar parte do peso de um possível chumbo, e tentar que o ónus da responsabilidade por uma crise política seja o menor possível.
O PS tenta assim fazer tudo para garantir que não coloca em risco a simpatia que mantém junto do eleitorado da Função Pública, o que não é, de resto, uma posição nova — Pedro Nuno Santos já tinha defendido durante a sua curta carreira como comentador televisivo que o próprio PS deveria ter negociado esses aumentos mais cedo — e, naturalmente, com os pensionistas, um segmento eleitoral muito importante para os socialistas.
Dentro do PS, garante-se que um Orçamento Retificativo neste sentido poderia avançar tanto se um chumbo orçamental significar que o país fica a ser gerido pelo mesmo Governo, em duodécimos, como se daí resultarem eleições, uma vez que o processo de retificação é mais rápido e simples do que o da negociação de um Orçamento de base. Mas para isso seria preciso que o PSD estivesse de acordo. Segundo apurou o Observador, essa solução nem sequer é levada a sério: “O PS diz que quer negociar um Orçamento e já está a falar num Retificativo? Não faz sentido nenhum”, critica fonte social-democrata.
Tudo somado, os dois — Montenegro e Pedro Nuno — parecem estar mais distantes do que nunca. O PS, convencido de que Montenegro quer eleições e que não tem feito qualquer esforço, em público ou em privado, para demonstrar boa vontade para as negociações, parece pouco convicto de que as negociações levem a bom porto. O Governo, convencido de que Pedro Nuno venderá demasiado caro qualquer tipo de acordo, e entusiasmado pela ideia de que pode crescer se for a votos, vai preparando todos os argumentos para a próxima campanha eleitoral.