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Foi um “ataque preciso”, comedido e sem atingir as instalações nucleares iranianas. Em contacto permanente com os Estados Unidos da América (EUA), Israel retaliou contra os disparos de rockets e mísseis iranianos a 1 de outubro. O Irão prometeu que responderá, mas não estará a dar grande importância à vingança israelita. “Israel está a tentar empolar o seu ataque fraco“, atirou fonte da Guarda Revolucionária Iraniana à agência Tasmin.
Inimigos desde 1979, data da revolução iraniana, este ataque abre uma nova fase do conflito entre o Irão e Israel — é a primeira vez que Telavive lança um ataque aéreo direto que atinge o território do seu rival geopolítico. “Este é o início de uma nova fase, uma fase perigosa”, admite, ao New York Times, Yoel Guzansky, analista do think tank israelita Institute for National Security Studies. Porém, o especialista ressalva que a “música que ouve do Irão está basicamente a indicar que isto ‘não foi nada'”. Segundo o The Guardian, o ataque israelita deste sábado até está a ser ridicularizado pelos iranianos.
“É possível que os dois lados encerrem esta ronda [de ataques] e que não vejamos uma retaliação iraniana — ou se sim, será limitada”, conjetura ainda Yoel Guzansky. Assim sendo, parece que Israel fez tudo para não irritar o rival e dar-lhe a sensação de que ficou por cima. Como noticia o jornal Axios, através de intermediários, Telavive até avisou Teerão de antemão dos ataques, que atingiram numa primeira fase os sistemas de defesa aéreos e, numa segunda e terceira ronda, os locais em que o Irão fabrica e desenvolve drones e armas.
O que se sabe sobre o ataque israelita ao Irão, na madrugada deste sábado
Um desses intermediários foram os Países Baixos. Horas antes do ataque “tardio” — como reconheceram as Forças de Defesa de Israel (IDF, sigla em inglês) —, o ministro dos Negócios Estrangeiros neerlandês escreveu na sua conta pessoal do X (antigo Twitter) que falou com o seu homólogo iraniano “sobre a guerra e sobre as tensões na região”. “Pedi-lhe restrição. Todas as partes devem trabalhar em conjunto para prevenir uma escalada”, sublinhou Caspar Veldkamp, numa publicação às 17h16.
I spoke with the Iranian Foreign Minister about war and the heightened tensions in the region. Regarding the latter, I urged for restraint. All parties must work to prevent further escalation.
— Caspar Veldkamp (@ministerBZ) October 25, 2024
Irão diz que tem o “direito” de responder. Mas retaliação pode aumentar a tensão
Israel acertou contas com o Irão e dará por encerrada a sua retaliação. Por sua vez, ainda que esteja a desvalorizar o “ataque fraco” que causou duas vítimas mortais, o regime iraniano já assinalou, num comunicado, que “tem o direito” de reagir e “tem a obrigação” de se defender: “O Irão sublinha que irá utilizar todas as capacidades do povo iraniano para salvaguardar a sua segurança e os seus interesses fundamentais”. “Não há dúvidas” de que Teerão vai responder de forma “apropriada, dura, proporcional e bem calculada”, destacou ainda uma fonte iraniana à agência Tasmin.
Mas o Irão também expressou, no comunicado emitido este sábado, que reafirma as “suas responsabilidades em relação à paz e à segurança da região”. Ou seja, Teerão promete que vai responder aos ataques de Telavive, mas deixa no ar que serão limitados e que nunca levarão a um conflito regional. Como escreve a Sky News, esta pode ser uma “oportunidade para uma ‘descalada’ nesta guerra de mísseis que pode conduzir a região a um conflito militar total”.
A responsabilidade está agora nas mãos do Irão. Já Israel respondeu ao “regime do Irão e aos seus representantes” que têm “atacado” o país “implacavelmente”: “Como qualquer outro país soberano no mundo, o Estado israelita tem o direito e o dever de responder”, afirmou, num vídeo, o porta-voz das IDF, Daniel Hagari, acrescentando, horas depois, que foram atacados “alvos militares” e que a “missão tinha sido concluída com sucesso”.
I can now confirm that we have concluded the Israeli response to Iran’s attacks against Israel. pic.twitter.com/ZFgCryUFdu
— דובר צה״ל דניאל הגרי – Daniel Hagari (@IDFSpokesperson) October 26, 2024
No entanto, Daniel Hagari deixou um aviso às autoridades iranianas em caso de retaliação iraniana: “Se o regime do Irão cometer o erro de começar uma nova ronda de escalada, seremos obrigados a responder. Aqueles que ameacem o Estado de Israel e procurem uma escalada regional, vão pagar um preço elevado”. E o porta-voz das IDF ameaçava que Telavive tem “capacidades e vontade” para “agir de forma decisiva”: “Estamos preparados em termos ofensivos e defensivos”.
Os aliados de Telavive também têm apostado na mesma mensagem de Israel: o Irão deve evitar uma escalada. Através do porta-voz do Conselho de Segurança Nacional Sean Savett, os Estados Unidos pedem o “fim deste ciclo” de ataques sem haver uma “escalada”. “A resposta foi um exercício de autodefesa e evitou especificamente áreas populosas e foi focada apenas em alvos militares”, argumentou o responsável norte-americano, destacando que Washington “tem o objetivo de acelerar a diplomacia e desescalar as tensões no Médio Oriente”.
No mesmo sentido, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, defendeu que Israel tinha o “direito de se defender contra a agressão iraniana” e pediu ao Irão para “não retaliar“, pedindo “restrição” a todas as partes em conflito. “Vamos continuar a trabalhar com os aliados para desescalar a situação em toda a região”, assinalou.
Uma retaliação mal medida do Irão pode levar a uma resposta de Israel — mas desta vez mais severa e com implicações para todo o Médio Oriente. Após uma noite “histórica”, Danny Citrinowicz, membro do think tank e especialista do Atlantic Council, frisa que o mundo está “mais próximo do que nunca de uma guerra entre Israel e o Irão que pode causar uma guerra regional”.
Danny Citrinowicz nota que a “barreira de medo” que os israelitas sentiam ao atacar o Irão colapsou esta madrugada. A dissuasão pode ter terminado, ainda que, pelas declarações públicas dos dirigentes israelitas, não haja intenção de escalar. Porém, prossegue o especialista, a “intensidade e a letalidade da resposta iraniana” à ofensiva deste sábado de Telavive “vai clarificar se a barreira de Teerão começar uma guerra total também não se quebrou” ou se o “Irão vai responder de uma maneira em que executa a sua retaliação mas sem levar a um conflito maior”.
Há várias formas de o Irão executar a sua retaliação sem começar uma guerra. Por exemplo, Robert Clark, analista militar do Yorktown Institute, refere à Sky News que a resposta de Teerão pode surgir através das suas milícias em redor de Israel. “Acredito que quase certamente haverá uma resposta iraniana, mas talvez através dos seus proxies” — como o Hamas em Gaza, o Hezbollah do Líbano ou os Houthis do Iémen. O mesmo especialista considera muito improvável um cenário em que as autoridades iranianas enviem “mísseis balísticos e de cruzeiro” para Telavive ou Jerusalém, como aconteceu a 1 de outubro.
Biden controla danos de um grande ataque israelita e de uma nova guerra antes das eleições
Israel manteve o suspense durante semanas e demorou para reagir contra o Irão. Durante este tempo, havia uma certeza: o ataque seria antes do dia 5 de novembro, data das eleições presidenciais norte-americanas. Os EUA continuam a ser o maior aliado de Telavive, sendo que a vitória do candidato Donald Trump deverá significar uma viragem na gestão da política externa dos Estados Unidos — e a relação entre o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e o republicano nunca foi propriamente fácil, apesar da defesa do ex-Presidente à causa israelita.
Ao mesmo tempo, o atual Presidente, Joe Biden, quis evitar um cenário de guerra total no Médio Oriente, que poderia prejudicar a campanha da sua vice-presidente, a democrata Kamala Harris. A Casa Branca esteve, assim, em permanente contacto com o executivo israelita, se bem que tenha realçado que não participou no ataque deste sábado de madrugada.
Segundo contou um dirigente norte-americano à CNN internacional, Joe Biden “encorajou” Benjamin Netanyahu a “desenhar” uma retaliação que “prevenisse ataques futuros contra Israel”. Além disso, após o ataque iraniano de 1 de outubro, a Casa Branca deu luz verde ao envio de sofisticado sistema de defesa aéreo THAAD para Israel, de forma a salvaguardar os céus israelitas e a servir como importante fator de dissuasão a Teerão.
Na opinião de Ellie Geranmayeh, especialista em política iraniana no think tank European Council on Foreign Relations, haverá uma “sensação de alívio no Irão” e no Médio Oriente, já que os EUA conseguiram “moderar Benjamin Netanyahu” de uma vingança mais cruel contra o Irão. “Mas o medo é que esta moderação seja temporária e apenas se mantenha até as eleições dos Estados Unidos”, avisa a mesma analista ao New York Times.
Apesar de todas as ameaças iranianas de retaliação, a situação agora é menos tensa no Médio Oriente. Israel obteve a sua vingança, que não causou grande impacto no regime iraniano. Mas um erro de cálculo na resposta iraniana pode levar Israel a reagir com mais força, principalmente se ocorrer depois das eleições norte-americanas.