A diabetes foi a doença escolhida para assinalar o Dia Mundial da Saúde e, apesar de ser um “tópico tão complexo”, Vytenis Andriukaitis, comissário europeu da Saúde e Segurança Alimentar, tem “ideias simples” para o resolver. O Observador falou o médico para perceber que estratégias podem ser essas.
“Consegue imaginar a pressão da publicidade a que as crianças pequenas estão sujeitas hoje em dia?”, pergunta o comissário, indignado sobretudo com a quantidade de anúncios a produtos com excesso de açúcar. “Porque é que os doces estão tão perto das caixas quando vamos ao supermercado? Porque é que temos desenhos animados dos filmes nos produtos? Porque é um instrumento psicológico.” Vytenis Andriukaitis defende que é preciso regular a publicidade e convencer as empresas que têm de deixar de criar publicidade dirigida às crianças.
Um dos produtos que devem ser taxados são, por exemplo, os refrigerantes, lembra o comissário da Saúde. O Reino Unido já seguiu esta ideia, conforme anunciou George Osborne, equivalente ao ministro das Finanças, no dia 16 de março: todas as empresas de refrigerantes, terão de pagar uma taxa, a partir de abril de 2018, sobre as bebidas que têm mais de cinco gramas de açúcar por 100 mililitros de bebida.
São três as medidas propostas por Vytenis Andriukaitis: taxar os produtos com excesso de açúcar; regular a publicidade, especialmente aquela que é dirigida às crianças; e, claro, reduzir a quantidade de açúcar nos produtos. “[A Comissão Europeia] está a tentar encorajar as empresas a reformular os produtos”, diz o comissário. A EU Pledge é uma iniciativa comunitária que incentiva as empresas a alterarem a forma como anunciam para crianças, para ajudarem os pais a criarem as melhores escolhas para a dieta das crianças.
Mas a luta do comissário não é só contra o açúcar. Estes alimentos têm também excesso de sal e de gorduras trans, “mas o que se vê nas embalagens são reivindicações excelentes”, acusa Vytenis Andriukaitis. Os níveis altos destes componentes não são apenas responsáveis pela diabetes. Diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares e cancro acabam por estar todos relacionados, refere o médico. “Quando vemos as consequências, vemos quão grave é o cenário.”
O comissário questiona-se porque é que as doenças transmissíveis – causadas por bactérias, vírus e parasitas – provocam mais preocupações do que as que são chamadas de não transmissíveis. “Elas também são perigosas. Têm o poder de infetar pelo comportamento: ‘Uau, é fixe!’”. Vytenis Andriukaitis alerta: “Isto é muito perigoso porque é muito difícil de mudar o comportamento”. E os adolescentes são facilmente influenciáveis. O comissário acrescenta o exemplo do tabaco e do álcool.
“Isto é complexo, mas a minha ideia é simples: temos de controlar todos os fatores de risco, porque esses fatores provocam pelo menos cinco a sete doenças. Se controlarmos o tabaco, álcool, açúcar, sal, gorduras trans e promovermos a atividade física e alternativas alimentares saudáveis, podemos evitar muitas doenças crónicas: cardiovasculares, oncológicas, endocrinológicas (como diabetes) ou doenças musculoesqueléticas.”
“Imagine este copo”, disse o comissário apontando para o copo de água à sua frente. “É caso para discutir se está meio cheio ou meio vazio”, continuou olhando para a água a meio. “Se estiver cheio (ou quase) estamos bem, se tiver menos de metade começamos a sentir algo de errado.” Mas se diminuirmos tanto a quantidade de água no copo “chegamos a um ponto sem retorno, chegamos à doença crónica.”
Bate no copo para chamar a atenção e diz: “Desculpem amigos, prestem atenção ao vosso copo de água, ele tem de estar cheio (ou quase). Prestem atenção e não usem tanto os vossos recursos de saúde. Por favor restaurem os vossos recursos, usem o vosso dia de descanso, usem métodos diferentes de relaxamento, lutem contra o stress, mexam-se mais, divirtam-se mais. Por favor, sejam felizes um dia”.
O comissário não tem dúvida de que a crise económica agravou os problemas de saúde entre os europeus. “A ciência mostrou-o. As pessoas que vivem em más condições, que têm níveis de educação mais baixos e rendimentos também mais baixos, têm mais doenças crónicas e níveis de diabetes mais altos.” Vytenis Andriukaitis acrescenta ainda que existem 29 milhões de pessoas na pobreza na Europa hoje em dia. “O que é que acha que elas comem? Fast-food, porque é comida barata. Têm menos educação, comem mais açúcar, não se preocupam com a saúde.”
Vytenis Andriukaitis quer apostar na prevenção (de comportamentos de risco), promoção (de hábitos saudáveis), proteção (da saúde) e participação (de todos para o conseguir). Quer também apostar na ciência e inovação: aplicações que permitem controlar os níveis de açúcar e organismos geneticamente modificados para produzir insulina.
O apoio à saúde deve ser acessível não só aos cidadãos europeus, mas também aos migrantes que têm chegado à Europa, lembra o médico. “Precisamos de garantir-lhes acesso aos cuidados de saúde, cuidados de emergência, vacinas.” Mas o comissário de Saúde acrescenta que os migrantes “não são um risco para a sociedade”. “É um mito de que disseminam doenças contagiosas. Quem afirma isso, mente”, afirma perentório. “Enviei epidemiologistas do Centro Europeu para o Controlo e Prevenção de Doenças para o terreno que fizeram estudos excelentes e mostraram que o risco de haver uma disseminação de uma doença perigosa é muito baixo.”
A Comissão Europeia dedicou 7,5 milhões de euros para programas de saúde para refugiados – “aqueles que mais precisam”, lembra o comissário. Vytenis Andriukaitis mostra-se indignado como é que “500 milhões de europeus acham que um milhão de pessoas é um número muito alto”. “Consegue imaginar uma hipocrisia tão grande?”, continua. “500 milhões de europeus não conseguem entender que um ou dois milhões de pessoas vivem em condições terríveis. Um milhão de pessoas faz com que centenas de milhões de pessoas sintam ódio e raiva!? Mamma mia.” E acrescenta com ironia: “Isto é a Europa, é a solidariedade.”