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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Como foram escolhidas as pessoas comuns que vão julgar Rosa Grilo. E como o vão fazer

Entre 2008 e 2017, houve 110 tribunais de júri. O próximo é um caso mediático. Cidadãos comuns — que tiveram até peritos a analisá-los — vão decidir o futuro de Rosa Grilo já a partir desta semana.

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— Em casos emotivos, a seleção dos jurados não é uma ciência. É a arte do estudo dos humanos. Então, como garantimos o mínimo preconceito ao escolher um jurado?

O ensinamento é de Annalise Keating, uma personagem de ficção que interpreta uma advogada e professora de Direito na série “How to Get Away with Murder” (“Como Defender um Assassino”, em português). E pode muito bem aplicar-se à vida real. Que o digam Tânia Reis e Ricardo Serrano Vieira, os advogados de Rosa Grilo e de António Joaquim, respetivamente. Num julgamento em que os dois arguidos, acusados pela morte do triatleta Luís Grilo, são também duas pessoas que mantiveram uma relação extraconjugal houve uma pergunta inevitável e repetida durante o processo de seleção dos jurados: “Qual a sua opinião acerca do adultério?“.

É que Rosa Grilo e o amante vão ser julgados por três juízes e por quatro pessoas comuns. E a defesa não se poupou a esforços para identificar os jurados que podiam ser menos favoráveis aos arguidos. Durante as entrevistas, os selecionados foram sendo excluídos um a um até se chegar aos últimos oito — quatro efetivos e quatro suplentes. Ricardo Serrano Vieira foi além das perguntas que lhe eram permitidas fazer às pessoas selecionadas. O advogado levou consigo dois peritos em reconhecimento emocional e micro expressões, atentos a “movimentos involuntários” dos jurados — que podem querer dizer que não acreditam naquilo que estão a dizer — enquanto respondiam às perguntas que lhes eram feitas, explicou um desses especialistas ao Observador.

Não estavam em causa apenas as perguntas relacionadas com o adultério, mas também outras questões relevantes. Uma delas — e cujas respostas foram analisadas pelos peritos — foi mesmo se tinham uma opinião formada sobre o caso, segundo revelou fonte ligada ao processo ao Observador. Outra foi se tinham ou não confiança nos tribunais. Ou ainda se aceitariam provas fabricadas pela investigação — ao que todos responderam que não.

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Rosa Grilo vai começar a ser julgada no dia 10 de setembro pelo homcídio do marido, Luís Grilo (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quanto a Annalise Keating, basta continuar a ver o episódio da série para saber se conseguiu vencer o caso. Já o veredicto final de Rosa Grilo e António Joaquim ainda deverá demorar a ser conhecido. Só na terça-feira arranca uma nova temporada: o início do julgamento que terá cidadãos comuns a decidir o futuro destes dois arguidos — algo que é, de facto, comum ver-se em séries norte-americanas, à semelhança do que acontece no sistema judicial dos Estados Unidos. Mas não só. Vários países adotam este mecanismo e Portugal é um deles. “Existe mais do que se pensa, embora seja insignificante face ao número dos demais julgamentos. Mas não é raro e não acontece só em casos mediáticos”, explicou ao Observador uma juíza que já participou em vários tribunais de júri.

Para se chegar aos oito jurados, houve um longo processo de seleção com cinco fases. E, no caso do triatleta, a primeira começou com 582.588 pessoas — o número total de eleitores dos municípios da Comarca de Lisboa Norte

Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Justiça ao Observador, entre 2008 e 2017 houve um total de 110 processos com tribunal de júri. Desses, em 76 foram julgados crimes contra a vida — onde se podem incluir os crimes de homicídio, incitamento ou ajuda ao suicídio e exposição ou abandono. Seguem-se os crimes contra a propriedade, com 16 casos, e os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, com seis. Houve ainda oito processos relacionados com tráfico de estupefacientes. O Ministério da Justiça informou ainda que “os dados relativos ao ano de 2018 não estão ainda disponíveis”. Certo é que o caso do homicídio do triatleta Luís Grilo entrará para a contagem de 2019.

Triatleta assassinado. A relação secreta que acabou em crime

É também certo que, em Portugal, os tribunais de júri em nada se assemelham àqueles que são representados nas séries norte-americanas. Então, como é que é funciona cá? E como vai ser o julgamento de Rosa Grilo e António Joaquim? E, antes disso, como é que se chegaram aos oito cidadãos que vão julgar um dos casos mais mediáticos dos últimos meses?

Dos 582.588 eleitores aos 100 jurados. E os 24 que ficaram de fora por excederem o limite de idade

Foi no dia 25 de março, e através de uma nota publicada no site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) — a mesma nota onde era anunciado que o Ministério Público (MP) já tinha deduzido acusação contra Rosa Grilo e António Joaquim  —, que se ficou a saber que o julgamento seria realizado com tribunal de júri. “O MP requereu o julgamento, em tribunal coletivo, com júri, contra dois arguidos, pela prática, em coautoria de crimes de homicídio qualificado agravado, profanação de cadáver e detenção de arma proibida”, lia-se na nota. Neste caso, foi o MP a fazer o pedido, mas também os assistentes e os arguidos o podiam ter feito, desde que estejam a ser julgados crimes específicos:

  • Os previstos no título II do livro II do Código Penal, que dizem respeito a crimes contra o património;
  • Os previstos no capítulo I título V do livro II do Código Penal, que dizem respeito a crimes contra a segurança do Estado;
  • Qualquer outro crime cuja moldura penal seja superior a oito anos de prisão. Isto significa que, por exemplo, um crime de ofensa à integridade física simples — punido com pena de prisão até três anos — não poderia ser julgado com recurso a tribunal de júri.

Preenchidos os requisitos e apenas a seis meses do julgamento, não houve tempo a perder. É que, para se chegar aos oito jurados, há um longo processo de seleção com cinco fases. E, no caso do triatleta, a primeira começou com 582.588 pessoas — o número total de eleitores dos municípios da Comarca de Lisboa Norte, a qual contempla 10 concelhos: Vila Franca de Xira, Loures, Odivelas, Cadaval, Azambuja, Torres Vedras, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Lourinhã e Sobral de Monte Agraço. É a partir dos cadernos eleitorais que é feito um sorteio no qual são selecionados 100 cidadãos, de forma totalmente aleatória.

António Joaquim é suspeito de ser o coautor do homicídio de Luís Grilo (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Esta fase do sorteio de pré-seleção dos jurados aconteceu a 21 de maio, numa sala de audiências do Tribunal de Loures. Embora o regime de júri em processo penal ainda fale em “bolas ou cartões introduzidos numa urna”, os sorteios já são feitos com recurso a uma aplicação eletrónica — razão pela qual esta fase, para o julgamento de Rosa Grilo, tenha durado apenas cinco minutos. Depois, as duas oficiais de justiça disseram em voz alta o número do eleitor, identificaram o cidadão em causa nos cadernos eleitorais e disseram o nome e concelho ao qual pertencia — já esta segunda parte demorou mais de uma hora. Foram selecionados 51 homens e 49 mulheres, de acordo com a ata da audiência a que o Observador teve acesso. Mas 24 foram logo excluídos por terem mais de 65 anos.

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Artigo 4.º
Incompatibilidades
Não pode ser jurado quem, à data do início da função respetiva no processo penal, seja:
a) Presidente da República;
b) Membro do Conselho de Estado;
c) Deputado à Assembleia da República, às assembleias regionais e à Assembleia Legislativa de Macau;
d) Membro do Governo, do governo regional ou dos órgãos próprios do governo do território de Macau;
e) Ministro da República para as regiões autónomas;
f) Chefe ou vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e chefe ou vice-chefe do Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas;
g) Juiz, juiz social, magistrado do Ministério Público ou auditor de justiça;
h) Membro dos Conselhos Superiores da Magistratura, do Ministério Público e dos tribunais administrativos e fiscais;
i) Advogado, advogado estagiário ou solicitador;
j) Funcionário de justiça;
l) Autoridade, órgão ou agente de polícia criminal, civil ou militar;
m) Funcionário ou agente dos serviços prisionais ou de reinserção social;
n) Funcionário ou agente, civil ou militar, dos serviços de informações, da Alta Autoridade contra a Corrupção ou de qualquer organismo público com funções de inspecção;
o) Governador civil;
p) Presidente da câmara municipal;
q) Membro do corpo docente das faculdades de Direito.

Regime de júri em processo penal

A idade é um dos critérios. Mas há vários outros. Dos 100, foram apenas considerados os cidadãos com escolaridade obrigatória, sem alguma “doença ou anomalia física ou psíquica que torne impossível o bom desempenho do cargo”, que se encontrem em “pleno gozo dos direitos civis e políticos”, que não estejam presos ou detidos, nem que tenham alguma vez sido condenados a uma pena de prisão efetiva.

De acordo com o regime de júri em processo penal, além de não poder ter ou alguma vez ter tido qualquer ligação amorosa ou familiar com os arguidos ou assistentes, as pessoas selecionadas não podem ter qualquer ligação à justiça: advogados, agentes dos serviços prisionais, polícias, funcionários judiciais ou professores das faculdades de Direito estão de fora. O Presidente da República e deputados também estão excluídos. As testemunhas arroladas ou qualquer outra pessoa que tenha tido uma intervenção no processo também não podem ser selecionados. Mais: não pode haver jurados que tenham uma relação amorosa, familiar ou profissional entre si.

Como é que se sabem estes dados? Para isso serve a segunda fase do processo de seleção: a realização de um inquérito para determinação dos requisitos de capacidade. No prazo de cinco dias após serem notificados, os pré-selecionados têm de responder a uma série de perguntas destinadas a apurar se preenchem os requisitos necessários. No caso do julgamento de Rosa Grilo, este inquérito seguiu apenas para 76 pessoas — uma vez que as restantes tinham mais de 65 anos e estavam automaticamente excluídas. São obrigados a responder e a responder com a verdade ou sujeitam-se a ser punidas com prisão até dois anos ou multa até 200 dias.

“Não te esqueças de apagar a conversa”. Os erros de Rosa Grilo num crime que achava ser perfeito

Dos 76 aos oito. Polícias, um pescador, uma grávida, um doente oncológico e um professor foram excluídos

Um número considerável de pessoas pode vir a ser punido com prisão ou multa, no caso do triatleta. Ao que o Observador apurou junto de fonte ligada ao processo, foram cerca de seis as pessoas que não responderam aos inquéritos. Ainda assim, isso não fez diminuir assim tanto o número de respostas que a presidente do coletivo de juízes, Ana Clara Baptista, teve de analisar, para depois excluir os pré-selecionados que não reunissem os requisitos de capacidade previstos”. Dois polícias e um militar da GNR foram eliminados automaticamente por causa da sua profissão — uma das incompatibilidades previstas no artigo 4.º no regime de júri em processo penal. Uma mulher por se encontrar numa gravidez de risco e um doente oncológico também foram excluídos.

A advogada Tânia Reis vai representar Rosa Grilo no julgamento (Paulo Spranger /Global Imagens)

Paulo Spranger /Global Imagens

Os resultados dos inquéritos permitem, assim, eliminar muitos dos selecionados. Assim que é feito, passa-se à terceira fase: o sorteio de seleção de jurados. Com aqueles que restam, é feito um novo sorteio para se chegar a 18 selecionados — os únicos que se deslocam presencialmente ao tribunal para uma audiência de apuramento.  Nesta audiência (que é a quarta fase), o juiz presidente inquire individualmente cada um dos 18 selecionados, não só para se certificar que não há qualquer incompatibilidade que não tenha sido detetada, mas também para perceber se há selecionados que querem pedir escusa de intervenção como jurados.

São poucos os casos em que alguém pode negar a participação num tribunal de júri: se forem militares no ativo, se tiverem desempenhado a função de jurado nos últimos dois anos, se tiverem “encargos gravosos e inadiáveis de assistência familiar”, se tiverem “sofrido há menos de um mês a morte de cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou afim nos mesmos graus”, se forem “ministros de qualquer religião ou membros de ordem religiosa” ou se se encontrarem numa situação que coloque em risco a sua imparcialidade.

Entre os excluídos neste processo esteve um professor universitário que tinha o pai a seu cuidado e um pescador que passa três semanas por mês ausente. Foram afastados por determinação da juíza e com a concordância de todos os outros intervenientes. Só assim seria possível, já que “o desempenho da função de jurado constitui serviço público obrigatório” e se algum se recusasse sem uma justificação incorria num crime de desobediência qualificada.

Um professor universitário que tinha o pai a seu cuidado e um pescador, devido ao facto de passar três semanas por mês ausente, foram excluídos por determinação da juíza.

Ficaram, então, 16 candidatos. Feitas as perguntas de todas as partes, o MP pode excluir dois jurados ou apenas um, caso existam assistentes, que ficam encarregues de excluir o outro. O filho de Luís Grilo ainda não tinha sido à data de seleção constituído assistente e, por isso, foi o MP que exclui os dois que lhe era permitido. Seguiram-se os advogados de defesa, que podem, no total, excluir também dois — com base nas respostas que ouviram e, no caso de Ricardo Serrano Vieira, na análise dos peritos em reconhecimento emocional e micro expressões.

“A ideia foi escolher os oito que foram mais congruentes. Temos noção de que são pessoas que estão desconfortáveis e em situação de nervosismo. Mas depois vamos avaliando a congruência ou a incongruência”, conta a perita Ana Sacavém ao Observador, dando um exemplo: “Imagine que a juíza pergunta a um selecionado se é casado e ele, em vez de responder apenas “sim”, responde: ‘Sim, há 30 anos‘. Não é preciso ser especialista para perceber que essa pessoa é defensora dos valores do casamento. Mas há mais além disso: tem a ver com o tom de voz com que o diz, o modo como está sentado ou como altera a sua posição quando o diz”. A análise baseou-se no fundo em detetar “movimentos involuntários” dos jurados que normalmente existem “quando não há congruência entre aquilo que está a ser sentido e aquilo que está a ser dito”. Ao que o Observador apurou, nenhum dos selecionados disse ter qualquer preconceito quanto ao adultério.

Ricardo Serrano Vieira (à esquerda) é o advogado de António Joaquim (Paulo Spranger/Global Imagens)

Paulo Spranger / Global Imagens

No final deste processo, os 16 passaram a 12. Faltava, assim, retirar quatro para se chegar aos oito finais. É o juiz presidente quem decide quais são afastados e os distribui entre os quatro efetivos e os quatro suplentes. Para o julgamento de Rosa Grilo, nos efetivos há três mulheres e um homem — uma recepcionista de hotel, de 28 anos; uma assistente operacional, de 49; uma desempregada, de 43; e o dono de uma empresa de maquinaria industrial, de 63 anos. Nos suplentes, há duas mulheres e dois homens: uma esteticista, um consultor informático, uma empregada de escritório e um operador de logística.

Uma vez selecionados, todos prestam um compromisso: “Comprometo-me por minha honra a desempenhar fielmente as funções que me são confiadas”. Se faltarem a alguma audiência sem apresentarem justificação válida no prazo de cinco dias, estão a cometer um crime de desobediência simples.

Ganham 102 euros por dia e podem ter uma arma. Jurados são equiparados a juízes, mas também têm regras

Os jurados em Portugal têm exatamente a mesma função que o juiz. Desde o momento em que são designados e até à sentença têm os mesmos direitos e deveres. Falar sobre o que se passa dentro da sala de audiências pode levar a uma pena de prisão. “Os jurados que fizerem declarações públicas relativas a processos nos quais tenham intervindo ou hajam de intervir, ou revelarem opiniões a tal respeito, são punidos com prisão até seis meses ou multa até 200 dias“, lê-se no regime de júri em processo penal.

O mais habitual é que os quatro jurados efetivos fiquem na bancada: os três juízes no meio e dois jurados efetivos em cada extremo, “de forma a que consigam olhar diretamente para as testemunhas e para o arguido.

Não podem, desde logo, ser presos “sem culpa provada” — exceto se forem apanhados em flagrante delito a cometer um crime punível com prisão superior a três anos. Durante o período em que estiverem a exercer a função de jurado, “têm direito a uso, porte e manifesto gratuito de arma de defesa, independentemente de licença ou participação”. Além disso, recebem um subsídio diário igual a 1 UC (unidade de conta processual) — que, no ano de 2019 tal como em 2018, corresponde a 102 euros por cada dia em que exerçam funções de jurado.

“Têm o mesmo estatuto que os juízes. O que a lei quer é equipará-los em tudo”, explica uma juíza ao Observador. Até mesmo na forma como estão sentados na sala de audiências. Os jurados não ficam ao lado uns dos outros numa área a eles reservada, como se vê nas séries norte-americanas. Embora a lei nada diga em relação a isto, em termos práticos é o juiz presidente que decide quem se senta onde e o mais habitual é que os quatro jurados efetivos fiquem na bancada: os três juízes no meio e dois jurados efetivos em cada extremo, “de forma a que consigam olhar diretamente para as testemunhas e para o arguido”, aponta a juíza, explicando: “A postura, a forma como a pessoa olha, para onde olha e a forma como se movimenta, ao longo do depoimento — tudo isto não deixa de ser relevante para a convicção que se cria”.

Mas os suplentes também têm de estar na sala de audiências porque a qualquer momento podem tornar-se efetivos. “O ideal era que os suplentes também pudessem estar nas bancadas. Não sendo possível, são colocados num sítio sozinhos, de forma a que não sejam confundidos com advogados ou com estagiários. E sempre na parte da sala de audiências destinada ao tribunal”, explica a juíza. Os jurados também entram pela porta destinada a juízes e funcionários. “Nunca se misturam com o público. As razões são as mesmas que levam os juízes a não estar ali a ouvir aquilo que toda a gente quer dizer enquanto está à espera. Para não estarem sujeitos a qualquer tipo de comentário”, detalha.

O julgamento de Rosa Grilo e António Joaquim vai acontecer no tribunal de Loures (Gustavo Bom/Global Imagens)

Gustavo Bom / Global Imagens

No decurso da audiência, os jurados também podem fazer perguntas diretamente aos arguidos  — ao contrário dos advogados e dos procuradores, que colocam as questões através do juiz. Depois, é dada a palavra aos jurados: começa com o mais velho e termina com o mais novo. Não significa necessariamente que os julgamentos com tribunal de júri sejam mais longos, garante a juíza que falou ao Observador. No entanto, há mais pausas, conta: “Raramente os juízes precisam de um intervalo. Com os jurados, temos de fazer os intervalos porque, a partir de certo momento, se a pessoa fica desconfortável, fica desatenta”.

Jurados e juízes são equiparados, mas há uma diferença estética: os jurados vão vestidos como entenderem e não precisam de usar beca, toga ou capa. “O que se pretende é que a pessoa tenha a possibilidade de ser julgada pelo cidadão comum, pelos seus pares, pela própria comunidade”, explica a juíza.

Um julgamento mais emotivo e advogados com atitudes diferentes

Os advogados sabem-no: sabem que é a “comunidade” a julgar os seus clientes e, por isso, adotam estratégias diferentes. Aliás, até mesmo antes da fase de seleção, o pedido de tribunal de júri pode, desde logo, ser uma estratégia se for pedido pela defesa — o que não foi o caso no processo de Rosa Grilo. Depois, ao longo do julgamento, a postura dos advogados é diferente — embora não tão teatral como se vê nas séries norte-americanas. “Há certo tipo de provas que nunca produziriam num tribunal só com juízes e que tentam produzir em tribunais com júri. Por exemplo, o que é que se dizia no bairro — que, num coletivo, não vale nada”, explica a juíza ao Observador, acrescentando: “Nas alegações finais, puxam muito mais ao sentimento”.

Para já, a postura da advogada de Rosa Grilo é a de quem não concorda com a existência de tribunal de júri. “Em alguns dos jurados, fica a sensação que de facto as pessoas têm uma opinião formada. Quer queiramos quer não já foram muitas as notícias transmitidas cá para fora — a maioria delas não corresponde à realidade”, lamentou Tânia Reis, à saída da audiência de apuramento. Mas apontou “Quando começarem a constatar, de facto, o que está no processo, a opinião irá mudar com certeza”.

"Em alguns dos jurados, fica a sensação que de facto as pessoas têm uma opinião formada. Quer queiramos quer não já foram muitas as notícias que foram transmitidas cá para fora — a maioria delas não correspondem à realidade"
Tânia Reis, advogada de Rosa Grilo

Não é uma certeza, mas os jurados sentem um maior grau de responsabilidade “quando chegam a tribunal e percebem que foram selecionados e que vão decidir”. “Sentirem que têm a vida daquela pessoa nas mãos altera tudo“, conta a juíza ao Observador, acrescentando que sempre notou um grande esforço por parte dos escolhidos em tentarem ser o mais corretos possíveis, concordem com a lei ou não. “A maior parte tenta avaliar as provas e perceber o que são provas a sério”, aponta.

Ainda assim, o juiz que está a julgar tem uma perspetiva relativa. “Num caso, por mais mediático que seja, não deixa de pensar em todos os outros que já julgou: alguns muito mais dramáticos e com requintes piores, mas menos mediáticos”, explica a juíza ao Observador. Depois, em termos práticos, o juiz sabe quando é que pode valorar o que a testemunha diz e quando não pode. “Se uma testemunha, durante o inquérito, disse que viu tudo, que lhe contaram tudo ou que assistiu, e depois chega à sala e não diz nada disso eu até posso ter isso no processo, tal como o jurado pode ter, mas sei que esse depoimento que a testemunha não prestou na sala, não pode ser valorado”, exemplifica a juíza. E questiona: “Posso explicar isso a qualquer jurado, mas até que ponto é que ele consegue isolar isso, quando chegar ao momento de decidir se foi aquela pessoa que matou ou não?”.

Os juízes não decidem sozinhos. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, em que o júri apenas decide se o arguido é culpado ou inocente, em Portugal, além disso, também decide a pena: ou seja, decidem sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito. Com a diferença de que esta decisão é tomada em conjunto com os três juízes. “É o jurado mais novo que dá a sua opinião sobre o que aconteceu, depois passa-se para o mais velho a seguir a ele e por aí adiante. Os últimos são os juízes de carreira, sendo que o presidente do coletivo é sempre o último a falar. O objetivo é não influenciar“, explica a juíza.

São analisados um a um os factos de que os arguidos foram acusados — e são dados como provados ou não provados, um a um. Só depois é que se delibera sobre se estão perante algum crime. Depois, qual o crime. No final, a pena aplicada. Sempre pela mesma ordem: dos jurados para os juízes, do mais novo para o mais velho. “Na pena, tal como acontece nos juízes do coletivo, vamos todos falando e tentando chegar a uma pena que não choque ninguém. Não podemos esperar que sete pessoas, nem três, tenham opiniões iguais”, aponta a juíza ao Observador, acrescentando: “Curiosamente, os juízes podem sair vencidos”. Já que todos têm o mesmo peso na decisão, caso os quatro jurados estejam de acordo entre si, é essa a decisão tomada porque estão em maioria.

Julgamento de Rosa Grilo e amante começa em setembro. Escolha de jurados arranca em maio

Qual será a pena no caso Rosa Grilo? Só daqui a várias semanas ou meses será conhecida essa decisão. O julgamento tem já várias sessões marcadas — a primeira é esta terça-feira. Certo é que, independentemente da decisão que tomarem, este quatro jurados têm o peso de julgar um dos casos mais mediáticos de 2018 e de decidir sobre destino que dão a Rosa Grilo e António Joaquim.

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