É frequentemente retratado em séries e filmes de crime norte-americanos, mas por cá não é tão frequente assim. Também não é raro. Os tribunais de júri são utilizados em Portugal e, nos últimos cinco anos, foram realizados 38 julgamentos com recurso a júri, de acordo com o Diário de Notícias, o que corresponde a 51 arguidos julgados desta forma.

Os alegados autores da morte de Luís Grilo farão, em breve, parte desta contagem. O julgamento terá um tribunal de júri, a pedido do Ministério Público, que acusou formalmente esta segunda-feira Rosa Grilo e o amante do homicídio do triatleta. Mas, afinal, como funciona este sistema, em Portugal, e quem pode ser chamado para participar num julgamento?

Só acontece em casos em que o crime que está a ser julgado tem uma moldura penal superior a oito anos de prisão. Isto significa que, por exemplo, um crime de ofensa à integridade física simples — punido com pena de prisão até três anos — não poderia ser julgado com recurso a tribunal de júri.

A estreia de tribunais de júri em Portugal aconteceu um ano depois de ter sido publicado em Diário da República o decreto-lei 387-A/87, que aprovou o regime de júri em processo penal. O caso era o da D.Branca, conhecida como a “banqueira do povo”, que foi condenada a dez anos de prisão por burla.

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D. Branca, a “Banqueira do Povo”, lembra-se? Foi há 25 anos

Mais tarde, em 2004, outro caso mediático teria recurso a tribunal de júri: o caso Joana, um homicídio sem corpo. Foi, aliás, o facto de o corpo nunca ter sido encontrado que levou o Ministério Público (MP) a pedir jurados no julgamento. Leonor Cipriano foi condenada pelo homicídio da filha a 20 anos e quatro meses. João Cipriano, tio da criança, foi condenado a 19 anos e dois meses de prisão. Noutro caso sem corpo, o do Rei Ghob, também foram pedidos jurados. Francisco Leitão viria a ser condenado à pena máxima por três homicídios: 25 anos.

Mas nem todos os tribunais de júri condenaram os arguidos. Ana Saltão, a inspetora da Polícia Judiciária acusada de homicídio da avó do marido, em 2012, foi absolvida duas vezes por jurados. Sete anos depois da morte da avó do marido, a Relação de Coimbra decidiu, no início deste ano, absolver Ana Saltão.

Ana Saltão. O caso da inspetora da PJ que foi condenada e absolvida quatro vezes

Além dos três juízes que constituem o tribunal coletivo, estão presentes na sala de audiência quatro jurados efetivos — embora sejam selecionados mais quatro jurados suplentes. Para se chegar a estes oito jurados há um longo processo de seleção com cinco fases. Desde logo, é feito um sorteio no qual são selecionados 100 cidadãos, de forma totalmente aleatória, a partir dos cadernos eleitorais.

Os pré-selecionados são notificados pelo juiz para “no prazo de cinco dias, responderem a inquérito“. O objetivo? Excluir todos aqueles que não preencham os requisitos previstos. Segundo o decreto-lei, “podem ser jurados os cidadãos portugueses inscritos no recenseamento eleitoral”. Mas nem todos. Que requisitos são, então, esses?

Quem não pode ser jurado?

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Artigo 4.º
Incompatibilidades
Não pode ser jurado quem, à data do início da função respetiva no processo penal, seja:
a) Presidente da República;
b) Membro do Conselho de Estado;
c) Deputado à Assembleia da República, às assembleias regionais e à Assembleia Legislativa de Macau;
d) Membro do Governo, do governo regional ou dos órgãos próprios do governo do território de Macau;
e) Ministro da República para as regiões autónomas;
f) Chefe ou vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e chefe ou vice-chefe do Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas;
g) Juiz, juiz social, magistrado do Ministério Público ou auditor de justiça;
h) Membro dos Conselhos Superiores da Magistratura, do Ministério Público e dos tribunais administrativos e fiscais;
i) Advogado, advogado estagiário ou solicitador;
j) Funcionário de justiça;
l) Autoridade, órgão ou agente de polícia criminal, civil ou militar;
m) Funcionário ou agente dos serviços prisionais ou de reinserção social;
n) Funcionário ou agente, civil ou militar, dos serviços de informações, da Alta Autoridade contra a Corrupção ou de qualquer organismo público com funções de inspecção;
o) Governador civil;
p) Presidente da câmara municipal;
q) Membro do corpo docente das faculdades de Direito.

Regime de júri em processo penal

Dos 100, são apenas considerados os cidadãos com idade inferior a 65 anos, escolaridade obrigatória, sem alguma “doença ou anomalia física ou psíquica que torne impossível o bom desempenho do cargo”, que se encontrem em “pleno gozo dos direitos civis e políticos” e, claro, que não estejam presos ou detidos nem que tenham alguma fez sido condenados a uma pena de prisão efetiva.

Além de não poder ter qualquer ligação amorosa ou familiar com os arguidos ou assistentes do processo em questão, as pessoas selecionadas não podem ter qualquer ligação à justiça: advogados, agente dos serviços prisionais, polícias, funcionários judiciais ou professores das faculdades de Direito estão de fora. O Presidente da República e deputados também estão excluídos.

Excluídos aqueles que não estão aptos para desempenhar a função de jurado, faz-se um novo sorteio, no qual se selecionam 18 pessoas. Os selecionados são depois inquiridos individualmente “quanto à existência de impedimentos e causas de escusa que pretendam invocar”.

São poucos os casos em que se pode negar a participação num tribunal de júri: caso os selecionados se encontrem “na situação de militar no ativo”, tenham desempenhado a função de jurado nos últimos dois anos, tenham “encargos gravosos e inadiáveis de assistência familiar”, tenham “sofrido há menos de um mês a morte de cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou afim nos mesmos graus”, sejam “ministros de qualquer religião ou membros de ordem religiosa” ou caso se encontrem numa situação que coloque em risco a sua imparcialidade.

Uma vez selecionados os quatro jurados efetivos e quatro jurados suplentes, todos prestam um compromisso: “Comprometo-me por minha honra a desempenhar fielmente as funções que me são confiadas“. Se falharem esse compromisso sem apresentarem justificação, estão a cometer um crime de desobediência simples.

A falta de um jurado a audiência de julgamento a que deva estar presente é punida, se o jurado não apresentar, no prazo de cinco dias, justificação que o presidente considere procedente, como crime de desobediência simples”.

Falar sobre o que se passa dentro da sala de audiências pode levar a uma pena de prisão. “Os jurados que fizerem declarações públicas relativas a processos nos quais tenham intervindo ou hajam de intervir, ou revelarem opiniões a tal respeito, são punidos com prisão até seis meses ou multa até 200 dias“, lê-se no decreto-lei.

Mas se devem cumprir os seus deveres, os jurados também têm um conjunto de direitos. Não podem, desde logo, ser presos “sem culpa provada” — exceto se forem apanhados em flagrante a cometer um crime punível com prisão superior a três anos. Durante o período em que estiverem a exercer a função de jurado, “têm direito a uso, porte e manifesto gratuito de arma de defesa, independentemente de licença ou participação”, lê-se do decreto-lei. Além disso, recebem um subsídio diário igual a 1 UC — ou seja, cerca de 100 euros por cada dia em que exerçam funções de jurado.