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Governo português já se comprometeu a estudar o tema e diz mesmo que há "várias empresas" a mostrar interesse em participar no projeto-piloto que está a caminho

Getty Images/iStockphoto

Governo português já se comprometeu a estudar o tema e diz mesmo que há "várias empresas" a mostrar interesse em participar no projeto-piloto que está a caminho

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Como passar a trabalhar 4 dias e folgar 3 — e as empresas que já estão a fazê-lo (ou para lá caminham)

Lei já prevê que funcionários condensem horário em 4 dias e a Câmara de Mafra chegou a aplicar o modelo, não por muito tempo. Em Portugal, são poucas as empresas a testar, mas "várias" querem fazê-lo.

Foi um projeto-piloto inovador para a altura, recebido com “euforia” pelos trabalhadores como novidade que era. Entre 2009 e 2013, a Câmara Municipal de Mafra implementou para alguns trabalhadores dos serviços centrais uma semana que acabava à quinta-feira. Durante esse tempo, mais de uma centena de pessoas passaram a distribuir as 35 horas de trabalho semanal por quatro dias: durante três dias faziam nove horas, noutro oito e a sexta-feira era dia de folga.

No início estava tudo muito excitado e toda a gente achava que aquilo era caminho“, descreve ao Observador Hélder Sousa e Silva, na altura vereador com o pelouro da Proteção Civil e do Turismo (hoje é presidente da Câmara). Aliás, em declarações à agência Lusa, o social-democrata chegou a apontar, logo no arranque da experiência, que ter um fim de semana de três dias lhe permitia dedicar mais tempo à família “para fazer viagens pelo país em turismo e trabalho”.

Outros relatos recolhidos no início do projeto-piloto mostravam funcionários entusiasmados. “A família ganhou. Por exemplo, ao sábado já não vou às compras, que é algo que ocupa imenso tempo, tento fazer isso na sexta. E fico mais disponível”, dizia uma trabalhadora ao Público. À Lusa, outra funcionária adiantou: “Saber que temos a sexta-feira livre, seja para tratar de nós ou dos filhos, acaba também por nos motivar mais no trabalho”.

O então presidente da Câmara, José Maria Ministro dos Santos (PSD), também se mostrava satisfeito com a experiência, que tinha como objetivo responder ao que dizia ser um problema de falta de tempo dos pais com os filhos. Ministro dos Santos referia que os funcionários estavam mais felizes e apontava as poupanças na despesa do municípios. É que, por cada sexta-feira em que os Paços do Concelho estavam fechados, previa-se uma poupança entre quatro e cinco mil euros, entre serviços de limpeza, segurança, energia e automóveis. O atual autarca não consegue precisar se os valores se concretizaram.

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Mas a experiência não durou além de 2013: nesse ano, sob intervenção da troika, o horário da função pública passou a 40 horas semanais. Para a Câmara, tornou-se incomportável distribuir tantas horas por quatro dias. E mesmo apesar de a função pública ter regressado às 35 horas, em 2017, o modelo não voltou. Porquê? Porque a versão da autarquia é que a experiência não foi tão boa assim.

Hélder Sousa e Silva, atual autarca, indica que o entusiasmo inicial se desvaneceu pouco depois. Ao Observador, o social-democrata identifica várias desvantagens da aplicação do modelo, desde logo pelas queixas dos munícipes que, segundo diz, não viram com bons olhos o encerramento de balcões de atendimento ao público às sextas-feiras. “Havia muita queixa e perturbação dos munícipes relativamente aos balcões de atendimento estarem fechados à sexta, perturbava o normal funcionamento”, afirma.

Do lado dos trabalhadores havia “manifestações de cansaço”, pelo aumento das horas diárias — que a folga à sexta não compensava. “Tinham de trabalhar quase ininterruptamente nove horas em três dias, o que era manifestamente pesado para eles. Além de que impactava com a vida familiar, obrigava os filhos a estarem mais horas na escola ou no infantário, os funcionários tinham pouco tempo para estar com eles”, relata.

O facto de só uma parte dos trabalhadores estar no regime dos quatro dias e os restantes no de cinco também foi motivo de fricções dentro da autarquia. E apesar dos benefícios apontados — as poupanças na energia e noutras despesas correntes — a autarquia não pondera voltar ao regime. “Houve algumas pessoas que gostaram da experiência, mas quando o sistema terminou não houve muita gente a ter saudades.”

[Oiça aqui A História do Dia dedicada ao tema da semana de quatro dias]

Folga todas as sextas? A semana de quatro dias

Joe O’Connor, um dos maiores ativistas da semana de quatro dias e presidente executivo da 4-Day Week Global, uma organização sem fins lucrativos que advoga a redução da semana de trabalho, sublinha que não conhece este caso, mas arrisca apontar algumas falhas ao modelo identificado. Desde logo, as horas trabalhadas, que não diminuíram globalmente, obrigando os trabalhadores a jornadas de trabalho mais longas. Essa opção não é adotada em nenhum dos projetos-piloto que a organização ajuda a pôr em marcha: “Tem de haver uma genuína redução do horário de trabalho“.

O modelo que a organização propõe, e que acredita que já é alcançável em muitos setores e empresas, é o 100%-80%-100%: ou seja, 100% do salário, por 80% do tempo trabalhado atualmente, e 100% da produtividade. Por outras palavras: uma semana com 32 horas é não só desejável como fazível no mundo atual (em Portugal, trabalha-se em média, por semana, 41,3 horas). “Inventámos a semana de cinco dias há um século. Desde então vemos melhorias incríveis da produtividade através de avanços tecnológicos, globalização. No século XXI e na era digital estamos a trabalhar praticamente as mesmas horas que trabalhávamos nas sociedades ocidentais mais avançadas no final dos anos 70 e início dos anos 80”, observa Joe O’Connor.

Mas a semana de quatro dias está longe de ser consensual. O tema entrou na ordem do dia nos últimos tempos — a pandemia, e as novas formas de flexibilidade no trabalho a isso deram azo. “A experiência do trabalho remoto forçou as empresas a olharem para o que os trabalhadores estão a fazer em vez de quanto tempo passam no escritório ou na secretária”, acrescenta O’Connor.

Portugal não é exceção no debate. O Governo já se comprometeu a estudar o tema e diz mesmo que já há “várias empresas” a mostrar interesse em participar no projeto-piloto que está a caminho. Mas antes do projeto ter sido aprovado no Parlamento, já algumas empresas (poucas) testavam o modelo ou outros semelhantes, de redução do horário de trabalho. O mais frequente parece ser o da maior flexibilidade — horários menos rígidos — ou de dispensa durante uma manhã ou uma tarde da semana.

O que vai Portugal estudar?

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Por cá, a semana de quatro dias tem estado na ordem do dia e haverá novidades nos próximos tempos quanto ao tema. Isto porque os deputados aprovaram, na especialidade, a introdução no Orçamento do Estado para 2022 de uma proposta do Livre que prevê a promoção de um estudo e de um projeto-piloto para “analisar e testar novos modelos de organização do trabalho, incluindo a semana de quatro dias em diferentes setores e o uso de modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho”. De que se trata esse projeto? Quando será implementado? Quantas empresas serão abrangidas? A medida aprovada não detalha.

Aliás, a proposta inicial do Livre era muito mais concreta sobre as ideias para esse projeto-piloto, propondo um programa que testasse a semana de 30 horas de trabalho, em 4 dias, “a implementar a partir de 2023 e ao longo de três anos, num conjunto de até 100 empresas nacionais que nele se inscrevam”. Mas estes pormenores não constam na proposta que, efetivamente, teve luz verde do PS.

Não foi com grande surpresa que o partido do Governo deixou a proposta passar, já que há uma referência mais lata à semana de quatro dias no programa do Governo (vertida do programa do PS). Aí, o Executivo comprometia-se a “promover um amplo debate nacional e na concertação social sobre novas formas de gestão e equilíbrio dos tempos de trabalho, incluindo a ponderação de aplicabilidade de experiências como a semana de quatro dias em diferentes setores e o uso de modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho, com base na negociação coletiva”.

Nos debates eleitorais, António Costa também já tinha deixado a intenção de dar avanços no modelo dos quatro dias. A João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, chegou a dizer: “Não estamos a falar em 30 horas. Podemos trabalhar quatro dias por semana, mais horas em cada dia. Hoje o teletrabalho criou uma nova forma de flexibilidade, de organização do trabalho, que é muito importante. E as empresas mais dinâmicas e modernas estão a encontrar com os seus trabalhadores novas formas”, atirou.

Na prática, o que a proposta do Livre faz é acelerar o processo para estudar a possibilidade de implementação da semana de quatro dias. Um “bom ponto de partida”, acredita Pedro Gomes, professor de Economia da Universidade de Londres, em entrevista ao programa História do Dia, da Rádio Observador. O docente acredita nos benefícios económicas da semana de quatro dias — chegou a escrever um livro sobre o tema — e que o modelo seja generalizado dentro de quatro a seis anos.

Para já, pouco se sabe sobre o programa-piloto que o Governo quer implementar. A ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, apenas disse que será de base voluntária, que terá de garantir que não há perda de direitos para os trabalhadores e que também será feita no setor público. Falta definir os parâmetros e requisitos para os participantes, nomeadamente a nível de representatividade. Esse trabalho será feito na concertação social (no caso do setor privado). E já “várias empresas” mostraram interesse em fazer parte.

Semana de quatro dias durante um mês, uma vez por mês ou sexta “à espanhola” — assim testa Portugal

A consultora financeira Doutor Finanças foi das primeiras em Portugal a anunciar testes para a semana de quatro dias, sem perda salarial. O primeiro projeto-piloto aconteceu em agosto do ano passado e permitia aos trabalhadores escolher o dia em que queriam folgar — a segunda e a sexta-feira eram os dias de eleição — em coordenação com as chefias, para garantir que nos cinco dias úteis havia sempre alguém disponível a prestar serviço aos clientes. O feedback dos trabalhadores foi positivo, mas Irene Vieira Rua, diretora de recursos humanos, confessa ao Observador que se pudesse voltar atrás não teria escolhido agosto para fazer o teste: é que é já um mês, tendencialmente, de mais ausências devido aos períodos de férias. E isso não facilitou a mudança.

É por isso que não arrisca fazer uma estimativa de como a produtividade global da empresa, que conta com 180 trabalhadores, foi afetada. Até porque, confessa, os trabalhadores podem ter acabado por fazer mais do que oito horas diárias, embora não tivesse sido esse o objetivo — mas sim melhorar a conciliação entre a vida pessoal e profissional.

“Estava muita gente de férias e não podemos diminuir proporcionalmente a quantidade de clientes. Apesar de termos dado indicação para que não se trabalhasse mais nos quatro dias, temo que algumas pessoas tivessem trabalhado mais e que isso tivesse desequilibrado a sua vida”, conta ao Observador. Outro dos problemas identificados foi a dificuldade em conciliar agendas porque não era fixo o dia em que cada um folgava.

"Inventámos a semana de cinco dias há um século. Desde então vemos melhorias incríveis da produtividade através de avanços tecnológicos, globalização."
Joe O'Connor, presidente executivo da 4-Day Week Global

Por agosto ser mês de férias para muitos, a empresa decidiu repetir a experiência em maio deste ano, embora num modelo diferente: passou a dar a manhã de segunda-feira ou a tarde de sexta, em coordenação com a chefia. Além disso, os trabalhadores podiam entrar uma hora mais tarde ou sair uma hora mais cedo. Tudo somado, dá as 32 horas semanais.

Para evitar o desencontro de agendas, outrora um problema, passou a definir-se que não havia reuniões antes das 10 horas e depois das 17h. Os impactos da experiência, a nível de faturação, vendas e bem-estar dos funcionários, serão analisados nas próximas semanas, mas Irene Vieira Rua arrisca que há “grandes probabilidades” de ter conseguido manter a produtividade.

“Não sei se existe o melhor modelo porque acho que o caminho será no sentido de dar aquilo que servir as pessoas. As necessidades de cada um são diferentes”, defende. “Acho que quando estamos focados, quando conseguimos equilibrar estes pratos da balança pessoal, profissional e familiar, conseguimos ser mais produtivos“, acrescenta.

Para a empresa tecnológica B6 Software Solutions, reduzir horários de trabalho também não é uma novidade. Desde 2017 que implementou as 35 horas semanais, 7 horas diárias. Mas em outubro do ano passado, mudou o esquema: os trabalhadores passaram a fazer 8 horas por dia, das 9h às 18h, com duas horas de almoço. Porquê? Para que estivessem disponíveis durante os horários dos clientes (que tendencialmente funcionam das 9h às 18h, com pausa alargada de almoço). A exceção foi a sexta-feira, em que só trabalham de manhã. É a “sexta-feira à espanhola“.

Ministra diz que “várias empresas” querem participar no teste da semana de 4 dias (que também chegará ao setor público)

“Durante a pandemia, os horários tornaram-se uma ficção, as pessoas faziam o horário que queriam e lhes dava mais jeito e consoante as tarefas que tinham de fazer. Deu para perceber que não havia necessidade de um horário muito rígido”, conta ao Observador Manuel Padilha, diretor de operações da B6 Software Solutions.

A primeira avaliação da experiência foi feita em abril e como a produtividade não se alterou, decidiram manter. A ideia é ir reavaliando a medida a cada seis meses. Se ao fim de dois anos os benefícios continuarem a superar as desvantagens, ponderam testar uma semana de quatro dias.

“O facto de na sexta-feira o trabalho ser sempre prestado à distância e ser um dia curto permite a algumas pessoas que, por exemplo, têm casa fora da zona do Porto, onde estamos, ir mais cedo para fora. Outras pessoas que ficavam por cá passaram a usar a sexta-feira à tarde para praticar desporto, agendavam consultas médicas que só se conseguem em horário laboral”, revela. Foi por isso que notou uma redução do absentismo.

O responsável acredita que a experiência está a ser possível porque na área da tecnologia a sexta-feira “tipicamente não é dia de lançar novos projetos ou iniciar novos trabalhos, nem de fazer reuniões para preparar alguma coisa”.

Governo tem de criar projeto-piloto para testar semana de quatro dias

Apesar de algumas empresas já caminharem para a semana de quatro dias, muitas outras acreditam não estar preparadas para esse passo. Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), considera “inoportuno” que o Governo se prepare para estudar agora a semana de quatro dias. “Não devemos continuar a cometer um erro que, em Portugal, muitas vezes se comete que é querermos importar modelos de outros países que têm uma estrutura social e cultural diferentes, que têm uma economia completamente diferente da nossa”, disse, em declarações à Rádio Observador.

Uma semana de quatro dias implicaria reduzir em 20% o tempo de trabalho (a não ser que se aumentasse o horário diário, uma opção de que não são adeptos os defensores do modelo de quatro dias), o que para Luís Miguel Ribeiro significa que as empresas vão estar a pagar o mesmo por menos trabalho. Por isso, argumenta, terão de contratar mais — o que fica mais difícil numa altura em que Portugal se debate com a escassez de trabalhadores. “O que o Governo propõe é quase o céu na terra“, aponta.

Presidente da AEP diz que este é um momento inoportuno para estudar a semana de quatro dias

Rui Oliveira/Global Imagens

As reuniões que podiam ter sido um email

Joe O’Connor, da 4-Day Week Global, admite que nem todas as empresas, de todos os setores e dimensões, possam já estar prontas para esta mudança, e também diz que não há um modelo que sirva a todas as empresas e trabalhadores da mesma forma. Mas acredita que já é possível aplicar “uma versão da redução do horário de trabalho“. Mesmo em países como Portugal, que tem das mais longas jornadas de trabalha da UE (em média 41,3 horas). Setores como o tecnológico ou o financeiro estarão mais propensos a dar já este passo.

Porém, Joe O’Connor salienta que mesmo os outros podem ter ganhos de eficiência que os levem a precisar de menos horas de trabalho. Dá o exemplo de um restaurante, que alterou no espaço para o tornar mais ergonómico, permitindo aos trabalhadores percorrerem  distâncias menores para atender clientes.

Outros exemplos passam por cortar nas reuniões mal planeadas — “aquelas que podiam ter sido um email” — e nas que têm “demasiadas pessoas”, a automatização dos procedimentos mais administrativos. Foi por aí que enveredou a PHC Software, uma tecnológica portuguesa que, desde meados de maio deste ano, dá uma sexta-feira por mês de folga a todos os trabalhadores, sem perdas de rendimento.

Ao Observador, Rute Ablum, administradora da empresa, sustenta que é preciso parar de se “medir o número de horas” e olhar mais para a entrega de resultados. Desde que o novo modelo foi implementado, assegura que não houve redução da produtividade. Aliás, diz, uma redução de 5% das horas trabalhadas “pode resultar num aumento de 5% da produtividade“. Para que fosse posta em prática a semana de quatro dias uma vez por mês, a empresa introduziu “metodologias ágeis” e uma gestão “otimizada com software que alivia a carga administrativa”.

As opiniões dividem-se. Os adeptos da semana de quatro dias salientam o que dizem ser os impactos positivos do modelo na produtividade dos trabalhadores e, por essa via, nos resultados das empresas, no bem-estar dos funcionários e no ambiente, por implicar menos deslocações.

Joe O'Connor, da 4-Day Week Global, admite que nem todas as empresas, de todos os setores e dimensões, possam já estar prontas para esta mudança

Um estudo feito por investigadores da Universidade de Auckland ao projeto-piloto implementado pela empresa neozelandesa Perpetual Guardian em 2018 concluiu que a produtividade aumentou 20%, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional cresceu de 54% para 78% e o stress dos trabalhadores reduziu-se de 45% para 36%.

Segundo um outro estudo feito entre 2015 e 2017 no setor público da Islândia, um dos primeiros países a testar a redução dos horários (de 40 para 35 horas) com 2.500 trabalhadores, a produtividade manteve-se ou aumentou (nem em todos os casos foi implementada a semana de quatro dias, mas houve uma redução para as 35 horas transversal). Para que a carga horária não aumentasse, foi preciso encontrar formas de reorganizar o trabalho e repensar tarefas: a duração das reuniões foi reduzida, tarefas “desnecessárias” eliminadas, turnos adaptados, removidas “pausas para café longas”.

Nem em todos os serviços a adaptação veio sem custos e houve casos em que, apesar dos ganhos de produtividade por trabalhador, foi preciso contratar mais. O documento, feito pelo think tank Autonomy, olha para a relação entre produtividade e carga horária: “Países com maiores níveis de produtividade por hora geralmente têm menos horas de trabalho“. Joe O’Connor acrescenta: “95% das pessoas são mais produtivas nas primeiras três horas do dia do que nas últimas três”.

Mas um outro estudo chama a atenção para problemas que podem surgir com a semana de quatro dias. Feito em empresas de média dimensão no setor dos serviços financeiros na Nova Zelândia, com base em entrevistas a 45 trabalhadores, conclui-se que as semanas de quatro dias trouxeram benefícios para os trabalhadores. Mas as autoras sublinham que há “práticas enraizadas” de medição do desempenho, monitorização e “pressões de produtividade” que “foram intensificadas”.

De facto, os críticos apontam ao modelo o risco de intensificar a carga de trabalho, diminuir o controlo dos trabalhadores sobre os horários e tarefas e aumentar as desigualdades entre os setores.

Sem conhecer o estudo, Joe O’Connor responde: a semana de quatro dias pode apenas “complementar uma organização cultural positiva, que já tem um elevado nível de confiança e um espírito de parceria colaborativa real entre trabalhadores e gestores”. “Introduzir a semana de quatro dias num local com deficiências significativas dentro da organização provavelmente vai falhar“, defende.

ONG quer ajudar a testar semana de 4 dias em Portugal em 2023

A 4-Day Week Global ajuda a criar programas-piloto para a semana de quatro dias pelo mundo. E planeia implementar um na Europa em 2023 (com o apoio às empresas a iniciar-se em novembro), no qual espera incluir Portugal. Ainda não foram contactados pelo Governo, mas esperam que isso venha a acontecer.

Quem também vai testar (e já) a semana de quatro dias é o Reino Unido. A partir desta segunda-feira, o país vai pôr em marcha um projeto-piloto com 70 empresas e mais de 3.300 trabalhadores. Joe Ryle é o diretor da campanha e, ao Observador, defende que “ninguém deve trabalhar mais do que quatro dias por semana”. “O que o projeto-piloto vai fazer é, esperamos nós, mostrar a um conjunto alargado de setores da economia que é possível”. Estão incluídos diferentes setores, desde a saúde, cuidados pessoais, retalho, tecnologia, entre outros.

A passagem para uma semana de quatro dias “não vai acontecer do dia para a noite”, acredita. “Apesar dos ganhos de produtividade e da tecnologia que temos visto nas últimas décadas, nada disso foi devolvido aos trabalhadores em termos de mais tempo livre”, frisa.

No projeto-piloto, as empresas vão todas implementar as 32 horas — segundo o Eurostat, a média para os trabalhadores a tempo completo do Reino Unido está acima das 42 horas — sem que os trabalhadores percam rendimento. O lema é: um trabalhador descansado é um melhor trabalhador (“a rested worker is a better worker“).

Semana de quatro dias já está prevista na lei

Na prática, a lei portuguesa já prevê a semana de quatro dias, num artigo sobre o “horário concentrado”. “O período normal de trabalho diário pode ter aumento até quatro horas diárias: a) Por acordo entre empregador e trabalhador ou por instrumento de regulamentação colectiva, para concentrar o período normal de trabalho semanal no máximo de quatro dias de trabalho”, lê-se na lei. Só que Pedro da Quitéria Faria, advogado da Antas da Cunha Ecija, diz que tem tido uma utilização “muito residual”.

Também não há nada na lei que impeça que as empresas já não possam chegar a acordo com os trabalhadores para que as 40 horas sejam reduzidas com ou sem perda salarial. Outra possibilidade é o regime de part-time.

Mas no estudo e programa que o Governo vier a fazer há questões que, considera o advogado, têm de ser acauteladas. “Existe uma supressão de um dia de trabalho e mantém-se a retribuição? Há uma redução proporcional da retribuição? Com ou sem redução da retribuição, existirá algum tipo de incentivos que promovam esta semana? Far-me-ia sentido que sim, porque o espírito do legislador é da promoção do equilíbrio da vida profissional e pessoal, não deve ser apenas e só às expensas da entidade”.

O advogado lembra que Portugal está no rankings dos países menos produtivos (dados de 2020 da OCDE colocavam o país como o sétimo menos produtivo da UE, tendo em conta o PIB real por hora trabalhada). “Qualquer precipitação pode ter preços elevados, nomeadamente para as empresas. Agora, partindo do pressuposto que, com maturação, com a prova indiscutível que a produtividade não é afetada e até aumenta para os trabalhadores — porque em tese terão mais tempo para si — serei um adepto da medida. Até lá acho que podemos e devemos ser prudentes”, pede.

A secretária-geral da CGTP-IN, Isabel Camarinha, durante a conferência de imprensa, no final da reunião do Conselho Nacional, para analisar a situação político-sindical, o Programa do Governo e a proposta de Orçamento do Estado para 2022, o balanço do 1.º de Maio, as respostas aos problemas e reivindicações dos trabalhadores, a intensificação da ação reivindicativa e lutas a desenvolver em Lisboa, 04 de maio de 2022.  ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, argumenta que o prioritário é falar-se numa redução do horário de trabalho

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Apesar dessa prudência, a Antas da Cunha Ecija dá, desde 2019, a tarde de sexta-feira aos associados, sem perda de rendimentos nem acréscimo do horário noutro dias, e oferece um brunch. Desde que a medida foi implementada a produtividade naquele dia da semana subiu 18%.

Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, argumenta que o prioritário é falar-se numa redução do horário de trabalho — a central sindical defende as 35 horas semanais. “Temos em Portugal salários baixos, demasiadas horas de trabalho, horários desregulados com trabalho noturno, laboração contínua, por turnos, bancos de horas, adaptabilidade, que infernizam completamente a vida dos trabalhadores e prejudicam a sua saúde, que têm consequência no absentismo por doença porque os trabalhadores não aguentam”, apontou, em declarações à Rádio Observador.

Aceitar ou não uma semana de quatro dias vai depender “do que isso signifique”: para a CGTP não pode ser acompanhada de uma redução salarial nem perda de outros direitos nem “maior desregulação dos horários de trabalho”.

Para a 4-Day Week Global os quatro dias não devem ser acompanhados de reduções salariais. Esse deve ser ponto assente. Mas Joe O’Connor reconhece que o modelo não serve todas as empresas e trabalhadores da mesma maneira — alguns, admite, vão querer trabalhar menos do que oito horas diárias mas cinco dias por semana.

"Qualquer precipitação pode ter preços elevados, nomeadamente para as empresas."
Pedro da Quitéria Faria, advogado da Antas da Cunha Ecija

Aliás, dos oito trabalhadores da B6 Software Solutions — que passou a dar as sextas à tarde de folga, aumentando em uma hora o horário dos restantes dias — um trabalhador chegou a manifestar, no início da experiência, que esse regime poderia não lhe ser proveitoso porque toda a família estaria a trabalhar nesse período. “Nós não somos muito fanáticos deste modelo. Se alguém que precisa, por qualquer motivo, de mais flexibilidade, pode alterar”, explica Manuel Padilha.

Os próximos tempos poderão ser de novidades na semana dos quatro dias em Portugal. E, em particular, para a B6 Software Solutions. Para o modelo ser aí implementada na plenitude teria de haver mudanças no negócio, que ainda está dependente das horas trabalhadas (os projetos são orçamentado em horas, dias ou semanas). “Teríamos, de alguma forma, de mudar a fonte de rendimento para estarmos menos dependentes das horas trabalhadas e faturadas aos clientes.” Alterações que a empresa está disposta a estudar para, no futuro, ponderar implementar os três dias de folga.

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