O Tribunal do Trabalho de Castelo Branco reconheceu a existência de contratos de trabalho a quatro estafetas da Uber Eats, de acordo com uma decisão de 18 de março, noticiada pelo Negócios e confirmada pelo Observador. Desta vez, a empresa foi ouvida, mas vai recorrer da decisão.

Segundo a decisão, consultada pelo Observador, os factos “que resultaram provados nos presentes autos permitem fazer funcionar a presunção de laboralidade consagrada pelo legislador” no artigo do Código do Trabalho sobre o reconhecimento de contratos de trabalho em plataformas digitais, “no sentido de qualificar a relação havida entre a Uber e os estafetas como relações de trabalho subordinado“.

A Uber “pode afastar tal presunção, desde logo, se demonstrar que o estafeta presta a sua atividade de forma autónoma. Mas a verdade é que, segundo se entende, não o logrou fazer“.

Contactada, fonte oficial da Uber Eats diz que a decisão do tribunal não é final e que irá recorrer. A empresa entende que dá liberdade aos estafetas para decidirem os moldes em que usam a aplicação. “Há um ano, lançámos um novo modelo que permite aos estafetas continuar a fazer entregas como prestadores de serviço independentes, em conformidade com a regulação laboral de Portugal. Este modelo envolve mudanças estruturais para aumentar a independência e o controlo dos estafetas sobre a sua experiência com a aplicação, incluindo a capacidade de estabelecer as suas próprias tarifas. Todos os estafetas que usam a nossa aplicação podem decidir livremente quando, onde e como a querem usar”, respondeu fonte oficial.

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A decisão do Tribunal surge na sequência de uma ação especial de reconhecimento da existência de um contrato intentada pelo Ministério Público após uma fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Na decisão, lê-se que a Uber Eats foi citada e apresentou contestação, na qual, “em muito breve síntese, se defendeu por exceção, invocando a preterição do seu direito de defesa na fase administrativa do processo, alegando ainda que não foram enunciados factos nem provas que permitam a qualificação da Uber Eats como plataforma digital, por um lado, e, por outro lado, que não se verificam as características do contrato de trabalho” elencadas na lei, “defendendo por isso a qualificação do contrato celebrado como contrato de prestação de serviços”.

O Tribunal entende, por outro lado, que a plataforma de entregas determina valores mínimo e máximo a pagar ao estafeta. A este propósito, ouvido no processo, um responsável da Uber disse que “o estafeta pode definir um valor mínimo por quilómetro abaixo do qual não fica disponível para aceitar entregas”, mas o Tribunal entende que “daí não resulta que o estafeta possa efetivamente determinar o valor a receber” porque, por um lado “o valor da taxa por quilómetro é ele próprio dependente do valor da taxa de entrega” e, por outro lado, porque “se os estafetas aumentarem o valor da taxa de quilómetro não receberão naturalmente pedidos, ou tantos pedidos”.

Além disso, o Tribunal acredita que a plataforma “determina regras específicas, pelo menos, quanto à prestação da atividade” e que “restringe a autonomia dos estafetas quanto à escolha do horário de trabalho”, uma vez que estes só podem prestar atividade durante o horário de funcionamento da aplicação, que em Castelo Branco só aceita pedidos até uma determinada hora.

Esta é a segunda decisão conhecida de um tribunal que reconhece contratos de trabalho a um estafeta. A primeira, apelidada como “histórica”, também visava a Uber Eats, mas o processo conheceu um impasse uma vez que a empresa alega não ter sido notificada (essa notificação foi, aliás, erradamente enviada para os escritórios da Glovo). Porém, neste processo do Tribunal de Castelo Branco, a Uber Eats foi ouvida, de acordo com o que se lê na decisão.

Uber diz que não foi ouvida no processo que reconheceu contrato a estafeta. “Decisão muito provavelmente não terá efeito”

Em causa estão as novas regras que permitem reconhecer vínculos de trabalho dependentes a estafetas quando são cumpridos, pelo menos, dois indícios estipulados na lei, que entrou em vigor em maio do ano passado.

A lei admite a existência da figura de um intermediário, entre o trabalhador e a plataforma, mas para o Tribunal de Castelo Branco, mesmo que o contrato fosse reconhecido com o intermediário “nem por isso a plataforma sairá de cena, em virtude da responsabilidade solidária que sobre ela recai“.

“A questão não é nova, é novíssima, e está agora a chegar (em grande número, diga-se) aos tribunais nacionais, após um conhecido esforço legislativo no sentido de tutelar a situação destes estafetas, cujas particulares formas de prestar atividade têm merecido por parte da doutrina apuradas reflexões”, sinaliza-se na decisão.

Artigo atualizado com mais informação sobre a decisão e a reação da Uber Eats