Becca Saladin Segovia sempre se intrigou com a história, mas era difícil imaginá-la. Afinal, os retratos com que se deparava tinham pouco de real — mostravam apenas representações estáticas e sem resquícios de vida, caras pálidas, escassas em traços. “Acho que nos esquecemos de que a História aconteceu com pessoas reais. Por vezes, é mais fácil olhá-la como um drama de época ou um filme — alguns acontecimentos da História são tão loucos que é difícil imaginar que alguém passou por eles”, conta ao Observador.
Formada em design gráfico, os retratos pareciam-lhe todos aborrecidos e, assim, sentia dificuldade em relacionar-se com as figuras lá representadas. Não eram “acessíveis”. Um dia deparou-se com recriações coloridas de bustos romanos e questionou-se: como se pareceriam as figuras históricas nos dias de hoje? Mais tarde, ao encarar a sua personagem preferida decidiu que era altura de ir atrás da resposta.
“Um dia estava a olhar para o retrato de Ana Bolena e perguntei-me sobre como é que ela realmente seria. Não conseguia imaginar que a mulher que levou Henrique VIII a mover céus e terra para se casar tivesse a aparência dos retratos, que é simplesmente plana e sem personalidade”, lembra.
Manteve o seu rosto, mas acrescentou um “cabelo moderno”, assim como maquilhagem. Divertiu-se muito no processo. Até porque, gradualmente, foi assistindo a esta espécie de makeover da “enigmática” e “incompreendida” figura histórica. De repente, a rainha consorte do Reino da Inglaterra e a segunda mulher do rei Henrique VIII — que foi executada, acusada de traição — já não era só uma imagem sem relevo ou movimento. A mítica figura do século XVI sofreu um “upgrade moderno”: o cabelo ficou mais leve e solto, a maquilhagem aqueceu-lhe a face. Parecia uma pessoa real e “acessível”.
Foi assim que nasceu o projeto Royalty Now: Becca criou, em 2018, uma página de Instagram para ir partilhando este seu novo hobby. Desde então, “modernizou” cerca de 80 retratos antigos, dando pistas ao espetador sobre como se pareceriam estas figuras históricas nos dias de hoje. De Abraham Lincon a Alexandre o Grande, de Shapeskeare à imperatriz Josefina, mulher de Napoleão, de Maria Antonieta a Catarina de Aragão, de Joana d’Arc a Júlio Cesar, hoje Royalty Now é presença em todos os canais digitais principais, somando ao site e à conta de Instagram outra de Youtube, TikTok e até a plataforma de vendas online Etsy.
O empurrão do americano BuzzFeed ajudou: “O meu trabalho foi divulgado por um repórter do Buzzfeed, onde, no dia seguinte, o artigo foi publicado na página principal”, conta. A peça correu a internet, tornou-se num hot topic e a conta de Instagram de Becca cresceu em cem mil seguidores numa só semana (hoje contabiliza um total de 346 mil). “Foi a loucura! O meu trabalho foi apresentado em dezenas de meios de comunicação e sites, incluindo depois o My Modern Met, Australian Today Show, Telemundo, Intermix, Daily Mail e Elle Taiwan.”
Quero ter certeza de que a maneira como os estou a retratar nos retratos corresponde ao que sabemos sobre as suas personalidades
Na criação destes novos retratos, a designer sediada no Texas, Estados Unidos, tem sempre em conta os relatos acerca da personalidade de cada figura. “Quero ter certeza de que a maneira como os estou a apresentar nos retratos corresponde ao que sabemos sobre as suas personalidades. Também partilho as pesquisas e as histórias que vou descobrindo com os meus seguidores, especialmente através do canal do YouTube, Royalty Now Studios, onde contamos a história completa.”
Nestes estudos, está sempre a aprender e a ser surpreendida com “pequenos detalhes” sobre a vida destas personagens. Pormenores que os “humanizam.”, diz. Sobre isto, partilha uma descoberta sobre Ana Bolena: existem “registos de tudo o que comprou para sua filha Elizabeth, que mais tarde tornou-se na rainha Isabel I de Inglaterra [poderosa figura histórica, a primeira monarca feminina em Inglaterra que nunca casou]”, conta. “Sabemos quais as cores e os padrões que ela escolheu para as roupas de seu bebé, que é algo tão humano.”
Também gosta particularmente de descobrir “sobreposições” entre a vida das figuras: “Como quando Maria Antonieta conheceu Mozart quando era criança e eles brincaram sobre um dia irem casar. Ou como Aristóteles foi o tutor particular de Alexandre, o Grande.”
Cada recriação leva entre cinco a sete horas, conta. Agora, além de “modernizar” as personagens da História começou, recentemente, a trabalhá-las dentro do seu próprio tempo — ou seja, humaniza-as, mas mantém-nas nos respetivos séculos, melhorando os seus trajes e penteados históricos. Estes projetos são mais trabalhosos: “São mais desafiantes porque tenho que desenhar digitalmente ou de alguma forma juntar peças de roupas históricas no Photoshop”, conta. “Outro desafio é garantir que cada detalhe está certo — orgulho-me sempre de fazer minhas recriações o mais rigorosas e próximas do original”.
Tem sido um caminho divertido. O projeto, que a fez encontrar o seu primeiro hobby, é fonte de “alegria diária”. A maior recompensa, relata a designer, é sentir que tem em Royalty Now um “escape muito satisfatório” para a sua criatividade — “algo que não tinha encontrado ainda em lado nenhum.”