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ANTÓNIO COTRIM/LUSA

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Conseguirá Portugal escapar à cauda da União Europeia?

Agora que foi aprovada esta quinta-feira a bazuca europeia, convém perceber onde estamos. Qual é a receita portuguesa para ir parar aos piores da UE? Um ensaio de Abel Mateus.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

Em 2019, Portugal já era o oitavo país mais pobre da UE em PIB per capita. Mas, entre os mais pobres, quatro países já tinham valores com uma diferença inferior a 10% do nosso PIB per capita. A crise pandémica veio acelerar a nossa aproximação à cauda da UE com uma das quedas do PIB mais elevadas da União. Por outro lado, Portugal tem uma das taxas mais baixas de crescimento do PIB potencial, ou seja, da capacidade produtiva. Assim, e se continuarmos com as políticas atuais, também não se augura a inversão desta marcha. Serão os Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e o Quadro Plurianual Financeiro (QPF2027), do qual já é o conhecido o Plano Nacional de Investimentos para 2021-2030, capazes de inverter aquela tendência?

Este ensaio procura responder a essa pergunta. Depois de analisarmos as últimas estimativas para 2020 e as previsões macroeconómicas para 2021-2022 na secção 1, vamos analisar a convergência da economia até 2025 na secção 2. A secção 3 analisa de uma forma crítica os impactos que têm sido estimados para os pacotes acima indicados. A secção 4 faz uma apreciação do impacto da má afetação de recursos na economia, tomando em consideração os programas e projetos propostos pelo Governo. A secção 5 analisa o período de 1995 a 2019, deixando a secção 6 para o período 2020-2030, regressando à questão da falta de estruturas de planeamento do Governo.

A situação económica portuguesa atual e as projeções mais recentes

Depois de um terceiro trimestre de recuperação, devido às medidas de confinamento anunciadas pelos grandes países da UE, a economia deverá voltar a registar crescimento em cadeia negativo no último trimestre do ano. O Banco Central Europeu (BCE) anuncia que “informação recente assinala que a recuperação da zona euro está a perder momento com uma desaceleração maior do que se esperava”. Em resposta, o BCE deve adicionar mais milhares de milhões ao seu programa de compra de 1,15 biliões de euros, que tem permitido aos países altamente endividados de se financiarem a taxas de juro de zero, paralelamente ao programa de apoio de transferências e empréstimos de 750 mil milhões de euros para a recuperação económica.

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FRANCE-POLITICS-REGIONS

O BCE, presidido por Christine Lagarde, deve adicionar mais milhares de milhões ao seu programa de compra de 1,15 biliões de euros.

AFP via Getty Images

A Comissão Europeia começou a emitir dívida para financiar os programas de recuperação, a prazos de 10 e 20 anos, tendo obtido a taxa de -0,24 a 10 anos e 0,13 a 20 anos, com um excesso de procura de mais de 10 vezes a oferta de títulos, abaixo do que os países como Portugal, Espanha e Itália têm conseguido.

A última informação estatística (até finais de outubro de 2020) permite já antever uma queda do PIB em 2020 de 9,3% para Portugal, mais acentuada que a queda registada na UE (7,4%). Esta queda do PIB português é a maior registada nos últimos 100 anos (comparável apenas a 1928, ano do início da Ditadura Militar). O Gráfico 1 mostra o indicador mensal de atividade económica e consumo do INE que apresenta um valor negativo de 22 pontos em junho, seguido de alguma recuperação até agosto, mas ainda muito abaixo do nível pré-covid. A última taxa de desemprego conhecida aponta para 8,2%, esperando-se que continue a subir nos próximos meses. É importante notar que, não existindo estatísticas das horas trabalhadas efetivas, a métrica do desemprego nesta crise não é comparável com outras crises, pois o lay-off temporário adia ou mitiga o desemprego. Uma métrica mais apropriada é a taxa de subutilização do trabalho, que atingiu 15,3% em agosto.

Espera-se uma queda do consumo privado de 7,9%, com quedas pronunciadas nas despesas em atividades de lazer, hotéis, restaurantes, transportes, vestuário e calçado. O investimento caiu 10,2%, na medida em que a construção registou uma queda moderada: o indicador do grau de confiança situa-se em -35, muito inferior ao da recessão de 2011-2013 (-70). Graças a este facto, o Banco de Portugal tem uma estimativa menos pessimista do investimento. O consumo público subiu 1,2%, mas repare-se que este não inclui transferências e créditos, que são a maioria dos apoios de Estado concedidos.

Segundo o Banco de Portugal, as exportações de bens e serviços devem cair 19,5%, uma previsão muito menos pessimista do que a de junho (-25,3%), próxima da previsão da Comissão Europeia (-21%). Porém, na nossa opinião, as estatísticas disponíveis dificilmente corroboram esta revisão, depois da queda de 40% no primeiro semestre. As exportações de turismo e viagens, que representam cerca de 30% do total, foram fortemente afetadas, com quedas nas dormidas e chegadas de passageiros da ordem dos 80% desde abril, não mostrando grande recuperação nem nos meses de verão nem nos meses mais recentes. E a recuperação deste setor deverá ser lenta. Por exemplo, a IATA só prevê para 2024-25 a retoma do tráfego aéreo de 2019.

Em termos trimestrais, os últimos dados estatísticos disponíveis indicam que, depois de uma queda do PIB de 16,3% no segundo trimestre, em termos homólogos, e de 9,4% no primeiro semestre, a economia entrou em recuperação no terceiro trimestre, devendo terminar o último trimestre com uma queda de 5 a 7% em relação ao homólogo de 2019. E nenhuma das estimativas acima pressupõe um lockdown tão forte como o de março-maio deste ano.

As exportações de turismo e viagens, que representam cerca de 30% do total, foram fortemente afetadas, com quedas nas dormidas e chegadas de passageiros da ordem dos 80% desde abril.

LUKAS BARTH-TUTTAS/EPA

A convergência e as projeções a médio prazo com continuação das políticas atuais

A crise pandémica deverá provocar uma perda permanente do PIB, continuando as políticas económicas dos últimos seis anos, de cerca de 12 a 14 mil milhões de euros no longo prazo, conforme o Gráfico 2 mostra. As projeções são da Comissão Europeia até 2022 e para os restantes anos são extrapolação com base na tendência. Só em 2023 se deve ultrapassar o PIB per capita de 2019. E não havendo uma alteração substancial da política que acelere o crescimento, haverá uma perda permanente do PIB.

O PIB potencial em Portugal cresceu a uma taxa anual de 0,67% entre 2000 e 2019. Só a Grécia e Itália tiveram, com o nosso país, a mais baixa taxa de crescimento da UE, abaixo de 1% ao ano. Este é o aspeto mais dramático da nossa economia. Por causa da falta do baixo crescimento da produtividade e dos fatores produtivos, a economia portuguesa tem sido ultrapassada pelos países da Europa de Leste. O Gráfico 3 mostra a evolução da convergência do PIB para a média da UE-28. Todos os países da Europa de Leste tinham um PIB per capita, em Paridade de Poder de Compra, inferior ao de Portugal até início dos anos 2000. Atualmente, só a Bulgária, Roménia, Croácia, (note-se que este país só entrou na UE a 1 de julho de 2013) e Letónia (dos nove países) têm um PIB per capita claramente inferior ao nosso. E em 2025 a Roménia e a Letónia apanham-nos. Estamos, pois, a caminho da cauda da UE. E, continuando com as políticas atuais, só a Croácia (que tem um processo de convergência mais recente) e Bulgária estarão claramente atrás de nós!

Análise do impacto macroeconómico das medidas de recuperação económica

Não existem estudos dos organismos estatais do impacto macroeconómico do Programa de Recuperação e Resiliência. O Orçamento do Estado (OE) para 2021 tem um investimento público programado de 2,9% do PIB, contra a quota de 2% em 2019, e a despesa de capital sobe de 3 para 4,1%. A despesa corrente primária, sobretudo devido às políticas sociais, deverá ter um aumento de 1,2 pontos percentuais, no mesmo período. A este acréscimo de 2 pontos percentuais na despesa pública poderão ainda acrescer cerca de 1,5 a 2 pontos percentuais de fundos estruturais, canalizados por fora do Orçamento. Teremos, assim, um acréscimo de investimentos e transferências para a economia de cerca de 4% do PIB em 2021, caso haja um elevado nível de desembolso dos fundos europeus. Porém, devido à restrição orçamental, este nível de estímulo reduzir-se-á em anos seguintes, para cerca de 2% do PIB.

Qual é o impacto macroeconómico de um aumento de 2 pontos percentuais do PIB anual, ao longo do período 2021-2024? Nos modelos macroeconómicos neo-keynesianos, os multiplicadores do investimento público variam conforme a situação de partida da economia. Embora a situação de partida seja já a fase de expansão depois da crise, é possível que continuem a existir sérias restrições da oferta, e estudos passados mostram que os níveis de poupança das famílias poderão ter subido. Para Portugal, os multiplicadores da despesa andam entre 0,5 e 0,7 a dois anos, o que significa que o impacto sobre o PIB do acréscimo de investimento deverá ser de 1 a 1,4 pontos percentuais do PIB, em termos bienais.

"Todos os países da Europa de Leste tinham um PIB per capita, em Paridade de Poder de Compra, inferior ao de Portugal até início dos anos 2000. Atualmente, só a Bulgária, Roménia, Croácia, (note-se que este país só entrou na UE a 1.7.2013) e Letónia (dos nove países) têm um PIB per capita claramente inferior ao nosso, e em 2025 a Roménia e Letónia apanham-nos"

A Comissão Europeia estudou o impacto do programa Next Generation nos países do grupo onde Portugal se enquadra (baixo rendimento e elevado endividamento), utilizando o modelo QUEST. O programa Next Generation corresponde a cerca de 13% do PIB (equivalente a cerca de 2% ao ano), na medida em que a Comissão considera tanto a parte das transferências como a dos empréstimos do programa. A Comissão trabalha com dois cenários: de baixa ou de elevada adicionalidade. O impacto seria de fazer subir o PIB em relação a uma trajetória sem programa, de 2,8% em 2024 para baixa adicionalidade e 4,2% em elevada adicionalidade. A adicionalidade está relacionada com o facto de haver investimentos que se realizam ou não dependendo da ajuda comunitária.

Em conclusão, em termos de efeitos sobre a procura agregada, é possível que os programas comunitários tenham um impacto positivo da ordem dos 2 a 3% do PIB sobre o nível do PIB até 2024, o que significa um impacto anual de 0,7 a 1 ponto percentual do PIB. Mas, sublinhe-se, que estes são impactos de curto prazo, e não sobre a taxa de crescimento do PIB potencial, sobre os quais nos vamos agora debruçar.

Efeitos sobre a taxa de crescimento da capacidade produtiva e a má afetação de recursos

O impacto económico de um pacote de políticas não se pode medir apenas pelos efeitos de curto prazo — tão ou mais importantes são os efeitos de médio e longo prazo. Em termos teóricos, isto significa que devemos embutir o modelo de curto prazo num modelo de crescimento. As melhores técnicas de análise macroeconómica das últimas duas décadas utilizam os chamados modelos de equilíbrio geral dinâmicos, que fazem exatamente esta integração de modelos. Contudo, estas técnicas ainda não passaram para a análise heurística das políticas económicas: a maioria destas análises fica pelos impactos keynesianos de curto prazo e não considera os efeitos da alocação dos recursos, com os consequentes efeitos no crescimento económico.

O crescimento económico não depende apenas da acumulação dos fatores produtivos. O caso do colapso da USSR mostra que, apesar das elevadas taxas de investimento e mesmo dos níveis de capital humano, o real crescimento do PIB e sobretudo do nível de bem-estar social foram extremamente limitados. Sem progresso técnico e uma afetação de recursos eficiente, que tome em conta os incentivos, não há crescimento sustentado da economia.

Female workers in clothing factory, USSR 1987

O colapso da USSR mostra que, apesar das elevadas taxas de investimento e mesmo dos níveis de capital humano, o real crescimento do PIB e sobretudo do nível de bem-estar social foram muito limitados.

ullstein bild via Getty Images

Um dos artigos académicos mais recentes que faz esta análise é o de um conjunto de economistas, dos quais destacamos Casey Mulligan da Universidade de Chicago, um dos economistas mais brilhantes da sua geração, sobre as políticas propostas pelo candidato presidencial Joe Biden. Os impactos negativos sobre o crescimento são devidos ao: (i) o acentuar das distorções na economia, seja pelo aumento dos chamados “wedges”, como as taxas de imposto sobre o capital ou trabalho ou às restrições regulatórias e regulamentares; e (ii) políticas de despesa pública com desperdício ou projetos de investimento sem rentabilidade que levam a reduções do bem-estar medidos pelos “triângulos do bem-estar”. Uma forma de estimar as distorções é também observar a diferença entre o preço e o custo marginal. Por exemplo, um monopólio faz subir esta diferença, o que fundamenta a importância da concorrência na economia.

Estas políticas podem ter um primeiro impacto direto sobre um setor, mas também é fundamental medir os efeitos indiretos do tipo de equilíbrio geral. Por exemplo, o aumento do custo de energia por imposição regulatória, não só faz aumentar o preço final da energia, mas como esta é usada na produção de quase todos os bens e serviços, fazendo subir o custo e o preço de todos os bens e serviços na economia.

O período 1995-2019

O Quadro 1 mostra um conjunto de indicadores que revelam a enorme dimensão da má afetação de recursos que tem ocorrido no nosso país. Convém ressalvar que estas estimativas não são uma medição direta dos wedges e triângulos, e apenas focam alguns setores da economia. Por exemplo, sabemos que a carga fiscal subiu acentuadamente, o que fez subir o wedge para o capital e trabalho. Ora, se este fator não for compensado pela melhoria dos serviços públicos e equidade social, haverá uma diminuição do bem-estar social. Esta divergência é dada pelo grau de ineficiência do setor público.

A primeira fonte de ineficiência manifestou-se na crise económica e bancária que ainda estamos a viver. A crise económica foi resultante do sobre-endividamento da economia portuguesa, a nível externo e a nível interno. Embora a causa próxima tenha sido a crise da dívida pública, também os agentes privados e em especial as empresas registaram níveis elevados de dívida. Esta situação ocorre porque o Estado e as empresas aplicam os empréstimos em consumo ou em investimentos não produtivos, que não conseguem gerar os rendimentos necessários para o seu pagamento. Como sabemos, basta o receio dos credores para que este risco se concretize.

A outra face da manifestação da crise foi o acumular de perdas e malparado no sistema bancário. Tivemos uma das maiores crises bancárias entre os países desenvolvidos. A base de dados sobre crises sistémicas do FMI mostra que a crise bancária de 2008-2015 provocou uma perda do PIB e um custo fiscal só ultrapassado pela Grécia na crise iniciada em 2008 e a Finlândia em 1991 (mas este último país emergiu rapidamente da crise).

Contudo, se adicionarmos, aos custos dos contribuintes, os custos e perdas dos acionistas, obrigacionistas e depositantes, obtém-se um custo total, até a esta data, de 51,8 mil milhões de euros. E de que forma é que estes custos são o indício de uma afetação de recursos ineficiente? É que uma parte dominante não são apenas as perdas financeiras, são os projetos de empresas privadas que não tiveram rentabilidade suficiente para ser pagos aos financiadores, são empresas que entraram em insolvência por má gestão dos recursos, são empresas que obtiveram empréstimos para expandir a sua dimensão ou adquirir outras empresas e que não conseguiram realizar receitas suficientes para pagar as dívidas.

"Tivemos uma das maiores crises bancárias entre os países desenvolvidos. A base de dados sobre crises sistémicas do FMI mostra que a crise bancária de 2008-2015 provocou uma perda do PIB e um custo fiscal só ultrapassado pela Grécia na crise iniciada em 2008 e a Finlândia em 1991 (mas este último país emergiu rapidamente da crise)"

Qual foi a dimensão do impacto desta crise sobre a economia portuguesa? Se considerarmos que o PIB teria continuado a crescer depois de 2008 a uma taxa tendencial de 2,3% ao ano, em 2018 o PIB estaria 22% acima do verificado naquele ano.

A segunda fonte de ineficiência são os sobrecustos da eletricidade. Os cálculos da ERSE em que esta estimativa se baseia correspondem ao diferencial entre os preços e um custo que aproxima o custo marginal de produção. São, pois, uma estimativa muito aproximada dos custos económicos de ineficiência no setor. Mas apenas medem os custos diretos da ineficiência no setor. Para medir os custos totais teríamos de simular o seu impacto em toda a economia. As grandes empresas conseguem obter a eletricidade sem este sobrecusto, o que não é o caso das PMEs e as famílias. Representando as PMEs cerca de 40% do consumo total, o efeito total sobre a economia, com um multiplicador de 2,2, representa um sobrecusto total de 40,4 MME.

Os efeitos de equilíbrio geral têm de ser simulados com um modelo, pois uma parte deste efeito é mitigado com a redução da procura da eletricidade. O modelo de equilíbrio geral de Marvão Pereira e Rui Pereira, que foi utilizado para estudar diversas políticas climáticas em Portugal, mostra que um aumento de 10% no preço da eletricidade provoca, no longo prazo, um decréscimo do PIB de 0,86 pontos percentuais, um corte no consumo privado de 0,14% e nas exportações de 1,3%, e uma redução do emprego de 0,3%. Ora, como os sobrecustos da eletricidade, entre os quais a introdução prematura das renováveis, os subsídios à co-geração e os CAEs/CMECs (Quadro 2), provocaram um aumento dos preços de 30%, os impactos anteriores serão magnificados, de forma não linear. Estimamos que o impacto deve ter atingido -5 a -6%, em relação a uma trajetória sem aumento dos preços.

Um aumento de 10% no preço da eletricidade provoca, no longo prazo, um decréscimo do PIB de 0,86 pontos percentuais, um corte no consumo privado de 0,14% e nas exportações de 1,3%.

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Outra área onde houve má afetação de recursos são os grandes projetos de investimento. Em particular, entre os mais paradigmáticos, estão as SCUTs, os estádios de futebol e a Expo-98. Estima-se que o excedente líquido negativo foi de 9 MME.

Somando os diferentes fatores de ineficiências, obtemos o valor de 82 MME, o que corresponde a 65% do PIB de 2000. Se dividirmos este valor pelo número de anos entre 2000 e 2019, obtém-se uma redução da taxa anual de 3,4%. Ora, se considerarmos que todos estes recursos seriam investidos de forma eficiente, e um coeficiente capital produto de 3, obter-se-ia o resultado de que investindo estes recursos de forma eficiente o PIB poderia ter crescido a uma taxa anual de 1,1 pontos percentuais acima do observado.

Mas ainda há outros fatores que explicam a desaceleração da produtividade total, que estava a crescer a 2,9% entre 1985 e 1990, e 1,3% entre 1965 e 1990, passando para 0,12% em 1995-2000. Dois deles são o aumento da carga fiscal e a deterioração na utilização dos fundos estruturais, que ocorreu depois de 1995 em relação ao período de 1985 a 1995.

A carga fiscal subiu 5,7 pontos percentuais entre 1995 e 2019, tendo atingido 37%, se considerarmos a imputação da segurança social do setor público, o que aliado a um elevado grau de ineficiência no setor público, representa um custo substancial adicional para a economia. Sabemos que os impostos causam uma perda de bem-estar que aumenta mais que proporcionalmente com a taxa de imposto, daí que o aumento da carga fiscal quando as taxas já são elevadas provoque uma perda de bem-estar magnificada. Um cálculo detalhado desta perda de bem-estar obriga a construir um modelo de equilíbrio geral com detalhe sobre as taxas médias e marginais de impostos. Ora, sabemos que houve um aumento substancial da taxa marginal do imposto sobre o rendimento, que a taxa efetiva de imposto sobre os lucros das sociedades, bem assim como os impostos globais sobre o trabalho, são elevadas em comparação com os países com os quais concorremos internacionalmente. Por exemplo, o total dos impostos sobre o trabalho em Portugal correspondem a 41% da remuneração, enquanto a média da OCDE é de 36%, e na Polónia é de 35,6%. Aquela taxa sobe para 47% se considerarmos também o IVA.

A carga fiscal subiu 5,7 pontos percentuais entre 1995 e 2019, tendo atingido 37%, se considerarmos a imputação da segurança social do setor público, o que aliado a um elevado grau de ineficiência no setor público, representa um custo substancial adicional para a economia.

Alguns economistas usam a estimativa de que cada Euro de imposto causa uma perda líquida de bem-estar de cerca de 40 cêntimos. Mas esta taxa sobe com o quadrado do nível de partida da taxa de imposto. Na medida em que o nível de base da carga fiscal já era elevado, teríamos uma perda permanente de 4 a 5 pontos percentuais do nível do PIB potencial.

No ensaio publicado sobre os fundos estruturais concluímos que o equivalente a 40% do PIB dos fundos estruturais recebidos entre 1995 e 2020, que representaram 3,2% do PIB, em termos anuais, foram ou desviados para consumo ou gastos em projetos de baixa rentabilidade, o que provoca uma contribuição de -0,5 pontos percentuais do PIB anual, no mesmo período.

Fundos da UE. Vamos aplicar bem o “dinheiro fácil”?

O período 2020-2030

Teremos aprendido com estas lições, que é urgente melhorar as políticas económicas de forma a acelerar o crescimento? Ora, vejamos o que nos espera com a crise pandémica e com as políticas que já foram definidas para o decénio 2021-2030.

Existem duas formas de estimarmos os custos da crise pandémica. O primeiro, a nível macro, é dado pelo Gráfico 2 acima e corresponde a um valor de 12 a 14 MME. O segundo, a nível micro, corresponde a estimar os custos do rendimento perdido pela interrupção da atividade económica para as empresas, famílias e contribuintes. Conforme o Quadro 3, o total dos custos ascende a 19,8 MME. É natural que esta estimativa seja inferior à macro, pois uma parte destas perdas pode ser compensada por rendimento futuro. Porém, reparemos que as horas de trabalho perdidas já foram perdidas para sempre.

Infelizmente, os indícios de má afetação de recursos para a década futura persistem. E o primeiro, conforme o Quadro 4 mostra, é o dos sobrecustos da produção de eletricidade, que resultam das FITs (Feed In Tariffs) atribuídas às eólicas, que só terminam em 2032, e que atribuem um preço de 94 euros por MWh, enquanto o custo alternativo é de cerca de 42 euros. O sobrecusto total estimado para o período de 2021-2030, mesmo depois da adição da capacidade prevista no PNEC 2030 a um preço próximo dos 40 euros por MWh, é de 9,7 MME. O sobrecusto da energia solar é estimado também a 2,7 MME, e os subsídios restantes a 3,5 MME, especialmente a co-geração. A estes custos soma-se um projeto de Hidrogénio que neste período, por ser uma tecnologia imatura, é totalmente improdutivo, desperdiçando o elevado montante de 7 MME, verba que é reservada pelo Governo para este projeto, e que em grande parte será pago pelos consumidores. No total, os sobrecustos da energia amontam a 23 MME.

Mas este é apenas o efeito direto, por causa de recursos que são afetados ao setor energético e que poderiam ser investidos de forma produtiva noutros setores. Como os outros setores têm de pagar a energia mais cara, aqueles sobrecustos propagam-se pela economia. Fazendo os mesmos cálculos que se fizeram para o período anterior, obtemos um total de 41,4 MME de recursos que poderiam ser usados de forma mais eficiente.

Aliás a política energética é neste momento o maior centro de ineficiência do país. Outras políticas que deveriam ser reavaliadas são o encerramento imediato das centrais de carvão e a forma como o foi implementada a taxação do carbono. Segundo as estimativas de Marvão Pereira e Rui Pereira, o fecho antecipado das centrais a carvão para 2020 tem um impacto negativo no PIB de 1,2%, reduz o emprego em 0,4% e a competitividade da economia, provocando um aumento do défice comercial de 2,8% do PIB, em torno de 2040 e em relação a um cenário de referência, aumentando a dívida pública e com um impacto regressivo sobre a distribuição dos rendimentos.

A política energética é neste momento o maior centro de ineficiência do país. Outras políticas que deveriam ser reavaliadas são o encerramento imediato das centrais de carvão e a forma como foi implementada a taxação do carbono.

Já foram publicadas várias dezenas de artigos científicos a estudarem o impacto da taxação do carbono sobre a economia, utilizando modelos de equilíbrio geral dinâmicos. A conclusão é unânime de que, ao introduzir um novo imposto distorcionário, haverá uma redução do PIB e do emprego. Por exemplo, em Itália, a redução de 15% nas emissões causa uma redução do PIB de cerca de 1 ponto percentual ao ano.

Porém, este resultado é mitigado se substituir outros impostos. Por exemplo, se as receitas da taxa do carbono forem utilizadas para reduzir os impostos sobre o trabalho, é possível que o PIB venha a aumentar em vez de diminuir. E a razão é que se substitui um imposto mais distorcionário por outro menor. Entre nós, foi introduzida em 2014-2015 os chamados impostos “verdes”. Mas em vez de se taxar a emissão do carbono, o que se fez foi criar um adicional do Imposto sobre Produtos Petrolíferos com a extensão ao carvão, e com todas as isenções que existem, para além de não haver uma transparência para os poluidores. Desta forma, reduziu-se substancialmente a base do imposto. Além disso, não se utilizaram as receitas para reduzir os impostos sobre o trabalho, mas simplesmente para aumentar as receitas gerais do Estado. Mais uma vez, Marvão Pereira e outros estudaram o impacto macroeconómico desta deformação da política ambiental, que leva a uma redução do PIB de 2,23 pontos percentuais (pp) em termos de nível, do emprego em 0,83 pp e da subida da dívida pública em 5,3 pp.

Adicionando todos os impactos de uma má política energética, obtemos um impacto agregado de redução da taxa de crescimento anual do PIB de 0,65% ao ano devido ao sobrecusto das energias, mais um efeito de nível de 3,4 pp devido às outras políticas erradas, o que dá no final de 2030 um impacto total de redução do PIB de cerca de 10% em relação a uma trajetória em que estas políticas sejam corrigidas, ou seja uma redução de cerca de 1 ponto percentual ao ano.

A segunda fonte de má afetação de recursos são os grandes projetos de investimento nos transportes. No ensaio publicado no Observador sobre Recuperação e Desenvolvimento Económico, apresentámos argumentos para mostrar que alguns dos grandes projetos incluídos no Plano Nacional de Investimentos do Governo, nomeadamente o TGV entre Lisboa e Vigo, iriam causar uma perda de recursos da ordem dos 4,4 MME.

Grandes projetos incluídos no Plano Nacional de Investimentos do Governo, nomeadamente o TGV entre Lisboa e Vigo, causam perda de recursos da ordem dos 4,4 mil milhões de euros.

BERND WEISSBROD/EPA

Em conclusão, os nossos cálculos mostram que, caso não sejam corrigidas, as más políticas de afetação de recursos, aliadas aos custos da pandemia, irão provocar uma redução da taxa de crescimento do PIB potencial de cerca de 1,6 a 1,8 pontos percentuais do PIB, impedindo que se inverta o caminho para a cauda da UE.

Não podemos deixar de sublinhar que a Comissão Europeia, na análise que faz dos programas macroeconómicos dos países membros, já deveria ter adotado metodologias semelhantes da análise dos impactos, sobretudo das políticas, num modelo de crescimento e afetação de recursos.

Recuperação e desenvolvimento económico: o que separa Governo e PSD?

Conclusões

É extraordinário o avanço da ciência económica a nível macro e micro na última metade de século. Mas estas técnicas só produzem efeitos se forem conhecidas e levadas à prática. Na nossa experiência profissional no Banco Mundial, entre outros, no Brasil, México e Coreia do Sul, estudámos diversas políticas caraterizadas por má afetação de recursos e desincentivos para o crescimento — mas nunca na escala em que se tem verificado em Portugal nas décadas de 2000 e como se perspetiva esta década de 2020. Quando um país como Portugal regista uma baixa taxa de crescimento do PIB potencial, isso não acontece “porque a sorte lhe virou as costas”. E apesar de haver um enorme potencial de crescimento, porque temos fácil acesso às tecnologias e métodos de gestão de nível avançado, porque pertencemos a uma região de instituições desenvolvidas, temos acesso a um vasto mercado e recebemos ajudas financeiras sem paralelo a nível mundial, continuamos a não convergir para a média da UE. Porquê? Porque continuamos a insistir em más políticas que desperdiçam os recursos. Deixamos apontados alguns dos maiores erros que exigem correção, saibam os dirigentes políticos corrigi-los para bem desta e das próximas gerações.

Professor Universitário de Economia. Doutorado pela Universidade de Pennsylvania, EUA. Foi economista sénior do Banco Mundial e administrador do Banco de Portugal. Presidiu à Autoridade da Concorrência

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