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As áreas da restauração estão a ter cuidados mais apertados?
Tranquilidade e muita atenção. Em poucas palavras, tem sido este o estado de espírito generalizado entre alguns dos principais grupos de restauração do país. Esta área de negócio já está habituada a firmes regras e controlos de higiene e segurança, ponto de partida importante numa situação como a que se vive nos dias de hoje. De um modo geral, tanto o Grupo José Avillez (que tem quase 20 restaurantes, sendo um deles nos Emirados Árabes Unidos, local onde se identificaram vários casos de coronavírus ainda antes dos confirmados em Portugal) como a Plateform (maior grupo do género em Portugal, que no seu portefólio tanto tem estrelas Michelin como dezenas de restaurantes de shopping) afirmam estar muito vigilantes em relação a tudo o que tem acontecido, mantendo um controlo apertado sobre qualquer eventual foco mais crítico.
Em declarações ao Observador, a Plateform (que detém cadeias como a das pizzerias Zero Zero e o restaurante Alma, de Henrique Sá Pessoa, por exemplo) diz que as medidas que tem implementadas e que estão mais viradas para o fenómeno do COVID-19 seguem as indicações “da Direção-Geral de Saúde [DGS] e da Organização Mundial de Saúde [OMS]”. Ou seja, lavar as mãos frequentemente e evitar ao máximo o contacto físico. Reforçam ainda que estão a acompanhar de perto todas as indicações da DGS e da OMS, estando prontos para aplicar medidas mais específicas assim que tal seja aconselhado.
O Grupo José Avillez, também consultado pelo Observador, assume uma postura semelhante, garantindo que tem estado “atento ao coronavírus” e às “às orientações da Direção Geral de Saúde”. O célebre cozinheiro português, que no seu portefólio tem duas casas dedicadas à comida asiática (o “Rei da China” e a “Casa dos Prazeres”, ambos em Lisboa) assumiu ainda, através do seu gabinete de comunicação, que “até ao momento não há recomendações específicas a serem tomadas a nível de saúde para a área da restauração”, garantindo que continuam “a implementar todas as normas de higiene, saúde e segurança que se aplicam ao sector da restauração.”
Para ter um ponto de vista mais internacional e de maior escala, o Observador falou também com a McDonald’s Portugal sobre o tema. “Desde que tomámos conhecimento da existência do coronavírus – COVID-19, que a McDonald’s Portugal reforçou os procedimentos de higiene e segurança alimentar, já habitualmente instituídos nos restaurantes”, começou por afirmar Sérgio Leal, Diretor de Marketing e Comunicação do gigante dos hambúrgueres. De entre essas medidas, destacou o reforço da lavagem de mãos obrigatória a cada 30 minutos e a maior atenção dada à limpeza e higienização dos quiosques digitais, por exemplo.
Houve ainda recomendações adicionais dadas aos restaurantes “que visam prevenir a propagação do vírus”. Entre elas aparece, por exemplo, “a limitação da entrada de elementos externos, ao interior das cozinhas (ex. Programa de Cozinha Aberta), por forma a prevenir possíveis focos de contágio” ou até a “colocação de dispensadores de uma solução higienizante à base de álcool junto aos quiosques digitais ou na sala do restaurante.”
“É ainda importante referir que temos delineado um plano de contingência, com vários cenários possíveis, que será colocado em prática de acordo com a evolução da situação em Portugal”, ressalvou o mesmo Sérgio Leal.
https://observador.pt/2020/02/28/coronavirus-portugal-a-espera-de-analises-a-16-casos-suspeitos/
Finalmente, houve ainda a garantia de que a McDonald’s Portugal tem estado “em contacto permanente” com as suas equipas, “quer no escritório quer nos restaurantes”, para sublinhar “a importância de garantir as boas praticas de higiene na prevenção da propagação do vírus.”
E as grandes superfícies comerciais? O que estão a fazer para evitar o contágio?
As grandes cadeias de supermercados são os principais pontos de venda de produtos alimentares a privados e, como tal, apesar de não estarem diretamente ligadas à área da restauração, acabam por estar ligadas a possíveis condições de contágio semelhantes — veja-se que têm um contacto constante com centenas de clientes diariamente, por exemplo, e até podem ser revendedores de produtos vindos de zonas já com casos confirmados. Foi tendo isto em conta que o Observador procurou saber junto da Jerónimo Martins (do Pingo Doce/Recheio) e da Sonae (os Continente) se tinham instaurado algum tipo de protocolo ou conjunto de medidas relacionados com o coronavírus.
Em ambos os casos, a resposta a essas perguntas foi remetida para a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) — que não deu qualquer resposta sobre este ponto até à data de publicação deste artigo.
Stocks e fornecedores de restaurantes e grandes superfícies comerciais têm sido afetados?
Mais uma vez, todas as respostas reunidas pelo Observador em relação a este tema estão em sintonia. Tanto o Grupo José Avillez, como a Plateform, a McDonald’s Portugal e a APED (que respondeu neste ponto, em nome das grandes superfícies comerciais) dizem ainda não ter sentido qualquer alteração ou condicionamento no campo dos fornecedores.
“Até ao momento, não registámos qualquer quebra no fornecimento de produtos provenientes destes países, sendo importante salientar que, atualmente, já 40% das nossas compras são feitas a fornecedores nacionais”, disse a multinacional de fast food, por exemplo. Já a APED diz que “não registou, até ao momento, quaisquer alterações ao normal funcionamento dos espaços comerciais dos seus associados” e que, “quer o consumo, quer o abastecimento estão a decorrer com total normalidade.” Esta última informação é relevante, já que situações de pânico social normalmente motivam uma corrida a enlatados e conservas, por exemplo. O facto de não terem sido ainda registadas grandes alterações deste género mostra que, apesar da preocupação, os portugueses aparentam estar tranquilos.
O que dizem os restaurantes de comida chinesa?
A situação é sensível. Muitos clientes desinformados têm fugido deste tipo de espaços, com medo de eventuais contágios, e é por isso mesmo que ambos os restaurantes contactados pelo Observador preferiram não ser identificados. “Tivemos um decréscimo no número de clientes entre os 10% e 15%”, assume o responsável de um destes espaços. Assumindo que esta flutuação não é ainda motivo de preocupação, o responsável por esta casa diz já ter conseguido perceber a dinâmica desta queda no número de clientes: “Estamos a ter menos gente nos dias de semana, mas o mesmo número ou mais no fim-de-semana”, explicou ao Observador, dizendo que isso significa que são os portugueses que mais têm evitado este espaço: “O nosso cliente durante a semana costuma ser mais o português, mas no sábado e no domingo temos sempre muita procura das comunidades macaense e chinesa”, esclareceu.
No que diz respeito a medidas extra de segurança que estejam a ser aplicadas no dia-a-dia, o mesmo responsável ressalvou apenas que reforçaram as indicações de segurança normais e impediram os seus cozinheiros de viajar para a China (todos são naturais desse país). Não têm também sentido grandes problemas “na obtenção de produto”, mas é inegável que “os clientes fazem muito mais perguntas” do que o habitual. O futuro, porém, permanece uma incógnita: “A ver como é que isto evolui”.
Já o outro restaurante chinês (que também preferiu não ser nomeado) que falou com Observador registou quebras de clientes muito mais severas — mas há um motivo para isso. “Um dos nossos grandes focos de clientes são os chineses que viajam para Portugal ou estão em trânsito pelo nosso país”, explicou um dos responsáveis. “Muitas vezes chegamos a receber clientes que vêm diretos do aeroporto para cá!”, garantiu. Ora, com as restrições de viagens que têm estado em vigor no mundo inteiro, o número de fregueses naturalmente desceu de forma “muito acentuada”, isto porque também a mais pequena fatia de clientes portugueses também encolheu.
Desde o início do ano, este restaurante passou a ter dispensadores de gel desinfetante à porta e aconselha todos os clientes a utilizarem-no assim que entrem — “Para se protegerem a eles e para protegermos os nossos funcionários também”. Tirando isto, pelo menos por enquanto, não têm qualquer outra medida extra de segurança em vigor.
Quebras de stock e ruturas de fornecimento também têm sido inexistentes, isto porque só fazem encomendas de seis em seis meses, aproximadamente, sempre em grandes quantidades e só de produtos não perecíveis — “todos os frescos e coisas mais perecíveis são de cá [Portugal]”.
“Estamos a lidar com isto com relativa tranquilidade. Se não houver melhorias nas próximas duas ou três semanas e se a quebra de clientes continuar, o cenário fica mais grave”, afirmaram.
O que diz a OMS sobre a relação da alimentação com o coronavírus?
A Organização Mundial de Saúde (OMS), como autoridade principal na definição de protocolos e medidas para combater e controlar surtos como o deste coronavírus, já se pronunciou sobre o papel da alimentação e de toda a indústria que a envolve. Apesar de ainda não existir confirmação de que o vírus pode ser transmitido pela comida, nos últimos dias a OMS partilhou uma série de infografias que explicam a melhor forma de gerir o contacto com os alimentos, a sua venda e transformação — tudo sempre de uma forma geral e não se centrando apenas no consumo de comida chinesa. De entre todas, destaca-se a importância de cozinhar bem as carnes, por exemplo, e prestar especial atenção à salubridade e eventuais sinais de alarme nos alimentos. São estes os conselhos divulgados:
- Mesmo em países ou áreas onde não existam casos confirmados de infeção com o COVID-19, é importante que todos os produtos de proteína animal seja bem cozinhados e manipulados, para poderem ser ingeridos de forma segura. Ou seja, o consumo de carne mal passada ou crua deve ser evitado e o armazenamento e transporte devem ser feitos de acordo com as regras base de controlo de temperatura e exposição ao ar, por exemplo;
- Animais doentes ou que tenham morrido de forma suspeita, possivelmente por causa de alguma enfermidade, não devem, de maneira alguma, ser consumidos, mesmo sendo manuseados de forma segura;
- É recomendável a utilização de facas e tábuas de corte diferentes, consoante o tipo de carne a ser utilizado. Também devem ser manipulados de forma distinta alimentos crus e cozinhados. Ou seja, para se agir da forma mais segura, é aconselhável que use uma tábua de corte e uma faca só para tratar de carne de vaca, por exemplo, e outro conjunto semelhante só para carne de aves. O mesmo se aplica quanto a alimentos crus e cozinhados;
- É muito importante lavar as mãos com frequência, antes, durante e depois da manipulação de alimentos.
Fiquei de quarentena: o que devo mudar na minha dieta?
A mesma OMS também foi mais longe no tema da alimentação ao divulgar algumas sugestões direcionadas a pessoas que possam estar a passar por períodos de quarentena. Quando esta acontece em contexto hospitalar, não terá de se preocupar com nada, já que os profissionais de saúde tratarão de tudo isso. Se for uma quarentena auto-imposta ou domiciliária, a Organização Mundial de Saúde diz que o essencial é a manutenção de um estilo de vida saudável, pautado por uma dieta equilibrada e descanso frequente e abundante. Ressalvam ainda a importância de fazer exercício físico e de manter contacto com familiares e amigos através da internet ou de outras plataformas que não impliquem proximidade ou contacto direto com outros.
Finalmente aconselham que não se abuse no consumo de álcool, tabaco e outras drogas para ajudar a gerir ansiedades ou desestabilizações emocionais causadas pelo processo de isolamento/doença. Em vez disso, aconselham a falar com profissionais médicos especializados.
O que estão a fazer as autoridades portuguesas?
Até ao momento ainda não houve qualquer missiva especial emitida pela DGS ou pelo Ministério da Saúde sobre como deve a área da restauração lidar com este surto viral. Dado ainda não existirem grandes certezas sobre como acontece a transmissão do vírus — “As vias de transmissão ainda estão em investigação. A transmissão pessoa a pessoa foi confirmada, embora não se conheçam ainda mais pormenores”, lê-se no microsite da DGS dedicado ao COVID-19 –, as recomendações gerais associadas à comida ainda não assumiram contornos mais específicos.
Como tal, os cuidados a serem aplicados são aqueles mais gerais que todos os setores da sociedade são aconselhados a cumprir. Entre eles estão lavar as mãos frequentemente, evitar contacto físico e ter cuidados redobrados sempre que se tosse ou espirra.
Entretanto, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) enviou um comunicado onde diz que “pretende sensibilizar a Secretaria de Estado do Turismo, e todo o Governo, para a necessidade de se começar a trabalhar em medidas específicas para as empresas do Alojamento e da Restauração, que se deparam já com os efeitos do coronavírus”.
Ainda antes de serem confirmados os primeiros casos em Portugal, a AHRESP dizia que “as empresas do alojamento turístico e da restauração e bebidas começam já a dar os primeiros sinais provocados pelo novo coronavírus, com registo de contração e mesmo cancelamento de reservas já efetuadas, o que exige que se antecipem medidas específicas de apoio a estas atividades, nomeadamente ao nível financeiro, por forma a se acautelar e minimizar impactos negativos na atividade turística de 2020”, alerta a associação.
Preocupada com esses impactos, a associação já solicitou ao Governo a criação de instrumentos financeiros de apoio às empresas e seus trabalhadores, para quando se verificarem quebras significativas na atividade — “O que nos parece inevitável, atendendo aos dados que já detemos.”
Outro problema é que “esta situação se acentua numa época em que as empresas já iniciaram o reforço de contratação de mão-de-obra, bem como realizaram investimentos de requalificação e melhoramento das suas unidades para o período da Páscoa que se avizinha, mas também para a época alta do Verão, procura essa que pode não se registar”. “Não podemos esquecer que Portugal está na rota de muitos itinerários que incluem vários países europeus, levando a que muitos turistas, por receio, mesmo que infundado, tenham vindo a cancelar as suas viagens, com óbvios prejuízos para as empresas e para a economia em geral”, conclui o comunicado.