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Ex-ministro da Saúde e presidente do CES em fim de mandato esteve no programa "Sob Escuta", da Rádio Observador
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Ex-ministro da Saúde e presidente do CES em fim de mandato esteve no programa "Sob Escuta", da Rádio Observador

TIAGOCOUTO/Observador

Ex-ministro da Saúde e presidente do CES em fim de mandato esteve no programa "Sob Escuta", da Rádio Observador

TIAGOCOUTO/Observador

Correia de Campos. Subida dos partidos pequenos mostra "um certo envelhecimento na esquerda"

O "envelhecimento" da esquerda, a falta de formação em Portugal, o "mau" efeito das 35 horas na Saúde e o peso do Inglês no crescimento da Irlanda. Correia de Campos esteve "Sob Escuta".

António Correia de Campos chegou à redação com uma dezena de estudos produzidos pelo Conselho Económico e Social (CES) nos últimos três anos. Chegou a dispô-los sobre a mesa ao responder na grande entrevista da Rádio Observador, o “Sob Escuta”. Admite que gostava de ter feito outros – sobre o Brexit, comércio ou economia internacionais –, mas a falta de pessoal não permitiu. Ainda assim, não se queixa. Em fim de mandato, não abre o jogo sobre se estaria disponível para uma reeleição enquanto presidente do CES — a decisão, defende, será sempre do Parlamento.

No cafézinho (com adoçante, “se possível daquele que não faz cancro“) que antecedeu a entrevista recordou os seus quase 77 anos (que completa em dezembro) e pôs a idade em perspetiva. “O Freitas tinha só mais um ano do que eu… Quem diria?“. Mas continua combativo?  Sem dúvida. Os 40 minutos de entrevista demonstram-no bem. Não só a defender as opções políticas do governo socialista de António Costa (com exceção das 35 horas na Saúde, mas já lá vamos…) como a polémica decisão de construir autoestradas nos anos de José Sócrates: “Ainda todos vamos agradecer por isso“.

Correia de Campos falou ainda sobre as eleições legislativas — e os resultados dos pequenos partidos, que espelham “claramente um certo envelhecimento dos modelos de esquerda, quer os modelos do PCP, quer do Partido Socialista”, mas também uma “pulverização” da direita, que não se soube “unificar”. Se novas forças políticas entraram no Parlamento foi porque conseguiram falar aos jovens — “Eu convivo com os meus netos e sei o que eles defendem. São muito a favor da ecologia, do vegetarianismo, da defesa da igualdade das mulheres”. Já a social-democracia “não é uma coisa que esteja muito na moda”.

Sobre a área que tutelou nos governos de António Guterres e José Sócrates, o ex-ministro da Saúde defende que a passagem para as 35 horas não trouxe os benefícios desejados. “Fiquei surpreendido com a facilidade com que a Saúde aceitou essa medida de imediato”, defende.

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[O melhor da entrevista a Correia de Campos:]

No início da semana cumpriu três anos à frente do Conselho Económico e Social. Gostava de ter presidido a um CES com poderes menos limitados?
Não, eu sabia os poderes que o CES tinha desde o início e não me queixo da limitação de poderes. Queixo-me, quando muito, da escassez de recursos. Gostaria de estar mais bem instalado, num edifício com mais dignidade. Gostaria de ter um poucochinho mais gente para fazer estudos técnicos. Mesmo assim em três anos, fizemos este tipo de trabalhos e todos eles têm a ver com os problemas que estavam a crescer na sociedade a seguir ao momento em que realizámos os encontros: Segurança Social – sustentabilidade, modelos e desafios, um trabalho que vinha já do meu antecessor, o Dr. Luís Filipe Pereira. A economia da floresta e o ordenamento do território… meio ano depois são os incêndios. Desafios da água na sociedade portuguesa, a seca, aí está, feito com os melhores especialistas nacionais da água. Desafios demográficos — a natalidade. Qual é hoje o partido político que não tem um capítulo sobre natalidade?

Essa é difícil ver os resultados práticos desses trabalhos, mas, por exemplo, na Segurança Social poderia ter visto alguma coisa. O que é resultou desses trabalhos em termos concretos? 
Mais informação. O nosso papel não é decidir matéria nenhuma. É debater, conhecer o que se passa no país e no estrangeiro e divulgá-lo.

Mas o que é o que CES podia ter feito que não fez por falta de pessoal, por exemplo?
Não me queixo. Gostaria de ter mais pessoal para fazer estudos, por exemplo, e publicar estudos independentes. O CES pode encarregar consultores, se tiver recursos para isso, pode encarregar consultores externos para fazer um estudo. Por exemplo, gostaria muito de fazer um estudo sobre o Brexit, gostaria muito de fazer um estudo sobre o que é que vai acontecer na União Europeia nos próximos dez anos, gostaria muito de saber… a desregulação que está em risco no comércio internacional, o que pode vir a causar à economia nacional e ao equilíbrio entre os países. Os temas não faltam. Todos os dias surgem temas importantíssimos.

Seriam temas para um próximo mandato de três anos? Teria forças para isso? 
São temas gerais que podem ser realizados por qualquer think tank, qualquer grupo que tenha necessidade de estudar e que tenha recursos para estudar os problemas. Mas hoje, como toda a gente sabe, é preciso ter minimamente recursos. Nós fizemos isto tudo graciosamente. Os contributos que aqui estão foram todos graciosos, todos oferecidos pelas pessoas e são contributos alguns deles nacionais e estrangeiros de muitíssima qualidade e até com caráter inovador. Do ponto de vista logística foi toda organizada pelo pessoal do CES que é pouquíssimo. Somos 13 pessoas, incluindo gabinete — o presidente, o motorista, etc. E realmente conseguimos e apenas gastámos o dinheiro da impressão.

António Correia de Campos, 76 anos, está em fim de mandato como presidente do Conselho Económico e Social

TIAGOCOUTO/Observador

Como é que tem sido a relação com os outros organismos para obter informação para constar desses trabalhos? É que o CFP (Conselho das Finanças Públicas) queixa-se muitas vezes que não tem acesso a informação da Segurança Social e das Finanças.
Ainda há dias tivemos uma questão paralela a essa, que respeita à Segurança Social, mas nós temos no nosso estatuto a possibilidade de requisitar toda a informação que exista nos arquivos nacionais, nos registos nacionais, no Governo, na administração e temos a possibilidade de a requisitar na forma em que ela esteja. Portanto, é perfeitamente possível, além daquela que vem oficiosamente dos organismos, do Instituto Nacional de Estatística e demais instituições.

Mas tem sido fluído esse contacto ou não?
Hoje o panorama é completamente diferente em termos informativos. Hoje nós temos a informação do Instituto Nacional de Estatística — que é um órgão independente como todos sabemos –, informação absolutamente regular e semelhante àquela que têm outros países.

Então está bem servido?
Em geral. Quer dizer, por exemplo, os conselheiros queixaram-se há dias quando estivemos a preparar a análise da conta [geral do Estado] de 2018. Queixaram-se de que precisavam de um documento analítico da Segurança Social cuja última edição era de 2016. Eu oficiei ao Governo, o Governo comunicou-nos já o documento de 2017, que estava de resto para sair no dia 15, e o de 2018, que era aquele que era importante para a nossa conta — esse só sairá no próximo ano. Porque também não é uma estatística de publicação rotineira e atempada. Nós já tivemos anos em que… quer dizer eu lembro-me da conta geral do estado andar quatro anos atrasada e agora chegou e o Governo cumpriu até… Nós temos feito recomendações sempre nos nossos relatórios, nos nossos pareceres, sobre a pontualidade da apresentação das contas e isso tem melhorado. Por exemplo, no ano passado recebemos em agosto a conta geral do estado e este ano recebêmo-la em julho. Só não preparámos mais cedo o parecer porque agosto é agosto.

Recentemente alertou para os riscos da dívida pública portuguesa. Se a esta juntarmos as dívidas das famílias e das empresas, Portugal tem uma dívida de 290% do PIB. Estamos a “cutucar a onça com vara curta”?
Sim, isso é comum, todos conhecemos esse risco…

Mas qual é a sua visão sobre isto?
A minha visão sobre isso é que têm de ser feitos esforços, tem de se continuar a fazer os esforços para reduzir a dívida pública.

Mas as empresas e as famílias fizeram-no. 
Não sei se fizeram. E à custa de quê? À custa do investimento, não é? Porque o investimento privado também foi por aí abaixo. E agora, por exemplo, que estamos na fase do fim de ciclo do quadro comunitário de apoio, não convém cortar o investimento, naturalmente é agora que os projetos estão mais amadurecidos e que podem ser apresentados e financiados. Há agora toda a vantagem em que isso aconteça. Mas a dívida pública é um objetivo nacional, a sua redução, certamente. E ela tem vindo a ser feita. Défice… claro evidentemente a dívida pública está ligada ao défice, o défice, quem sabe, até se no próximo ano teremos excedente, provavelmente, e este ano veremos ainda, não se sabe. Tudo o que seja concentração e esforço de contenção orçamental é absolutamente necessário. Se vier a crise… há declarações de hoje do senhor governador do Banco de Portugal que diz que nós podemos acomodar uma ‘crisezinha’ até para aí um ou dois pontos, não sei se ele fala nisso, mas já vi, suponho que foi até o ministro das Finanças que falou… disse que era possível acomodar até dois pontos do défice. Resta saber o que é que a realidade nos traz. Pode ser dois ou pode ser menos ou pode ser até mais. Mas essa acomodação agora é uma acomodação mais fácil do que nos ziguezagues que tivemos em 2008. Quando em 2009, no início de 2009, a Europa nos mandou gastar, gastar, gastar, porque… nos três primeiros meses de 2009, a Europa fez uma orientação: gastem ao máximo possível para ver se contemos a crise. E ao fim de 3 meses vimos o desastre que foi. Foi preciso então batalhar esse desperdício.

Mas não houve responsabilidade própria na forma como esse processo foi gerido? Está a atribuir [culpa] à Europa como se os governantes que estavam cá nesta altura não tivessem discernimento para perceber o que é isso poderia fazer…
Sim, mas acha que os governantes nessa altura tinham discernimento para dizer ‘não, não esses senhores da Europa não têm razão nenhuma!. Não sabem o que estão a fazer, nós aqui é que temos de ser duríssimos, temos de fazer isto!’?. Ainda por cima em ano eleitoral, acha que era realista fazer isso?

Essa é que é a questão. Não foi isso que António Costa fez quando entrou nesta legislatura, ao dizer na Europa que ia optar por uma via diferente?
Com tudo se aprende. Agora, não se esqueçam do temor reverencial que existia em relação à Europa. O temor reverencial que levou, por exemplo, o Governo em 2011 a aceitar praticamente de forma cega todos os ditames da Europa e até a ir além dos ditames. Portanto essa cultura de dependência, de temor reverencial é uma realidade.

"Quando em 2009, no início de 2009, a Europa nos mandou gastar, gastar, gastar, porque... nos três primeiros meses de 2009, a Europa fez uma orientação: gastem ao máximo possível para ver se contemos a crise. E ao fim de 3 meses vimos o desastre que foi. Foi preciso então batalhar esse desperdício."
António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde e presidente do Conselho Económico e Social

Estou só a confrontar esse “temor reverencial e aceitar cegamente todos os ditames”, que é a expressão que está a usar, com aquilo que os governantes costumam dizer: vão à Europa, mas mantendo a orientação nacional.
Agora!

Na altura também diziam…
Ah não sei, não, mas então disseram o contrário, até disseram que queriam ir além da Troika, quer dizer, por amor de Deus. Queriam mostrar serviço e ser tão cumpridores, tão bons alunos que pretendiam ir além…

Tem de convir que é uma situação diferente ter um memorando de entendimento que tem de se cumprir à risca se não o cheque não chega todos os trimestres.
Pois, com certeza, mas cumprir à risca é uma coisa, ir além do cumprimento à risca é outra. Mas não sei se é para isso que eu fui aqui chamado. Tenho muito gosto em continuar esta discussão, mas há outros temas mais atuais.

Vou ler-lhe uma caraterização da sociedade portuguesa que fez recentemente: “Os salários mantêm-se num patamar mínimo de quatro euros à hora, o que afeta as taxas de fertilidade, aprofunda a pobreza dos trabalhadores e põe em risco a frágil paz social”. Esta é uma visão muito diferente do “virámos a página à austeridade”. Como é que pode o Governo inverter esta situação que descreve?
Essa situação tem que ser revertida não é pelo Governo, é pela sociedade no seu todo porque o Governo o que pode fazer nos salários é, por exemplo, aumentar o salário mínimo dentro dos limites da contenção económica. Isso pode fazer, mas não pode obrigar as empresas a aumentar os salários. Agora pode convencer as empresas que elas têm que subir os salários na medida em que o possam fazer. E ao aumentar o salário mínimo já está a dar um sinal que naturalmente as empresas não gostam de ter a situação dos seus assalariados ingurgitada logo acima do salário mínimo, entre o salário mínimo e o mediano, e, portanto têm interesse em espaçar para poder melhor gerir a empresa, recompensar a hierarquia, recompensar o desempenho, tem interesse em diferenciar a escala salarial. Essa é a margem de manobra que os Governos têm, não têm outra.

António Correia de Campos foi ministro da Saúde em governos de António Guterres e José Sócrates

TIAGO PETINGA/LUSA

Mas os estudos dizem que o aumento do salário mínimo apenas arrastou os salários mais baixos, muito próximos do salário mínimo…
Primeiro englobou os salários abaixo do salário mínimo. E depois nos últimos anos progressivamente o número de pessoas em salário mínimo foi-se esbatendo e, em cada ano, se verificava que no início do ano, em janeiro, há o número de pessoas que estão no salário mínimo é o mais alto e depois ao longo do ano as empresas vão se ajustando e fazendo baixar ligeiramente, mas certamente se me pergunta se há muita gente ainda dentro do salário mínimo eu digo que sim, com certeza que há 21 ou 22%. A meu ver ainda é excessivo.

Mas dizia-se que o aumento do salário mínimo iria fazer aumentar os outros salários.
E fez…

Fez aumentar aqueles que estão muito próximos do salário mínimo…
Sabe quando é que aumentaram os salários dos trabalhadores que mudaram de emprego? Aumentaram 7%. Sabe o que é isto significa? Significa que as empresas estão a disputar o trabalho, significa que há escassez de mão de obra e que portanto estão disponíveis para pagar mais aos trabalhadores de que precisam e inclusive pagar 7% mais num ano, em média. Portanto este é um sinal muitíssimo importante.

Mesmo assim é um aumento que a OCDE dizia que não é tanto quando poderia ser, ou seja, que a diminuição do desemprego e esse consequente facto de as empresas estarem a disputar os melhores trabalhadores não está a fazer aumentar suficientemente os salários em Portugal.
Acho que a OCDE tem razão. É o que posso dizer, não posso dizer mais nada. E, enfim, posso fazer este tipo de declarações, como os políticos têm feito, e suponho que o governo também tem feito declarações dessas, tem feito apelos a que haja aumentos salariais, porque os aumentos salariais são absolutamente indispensáveis e quando setores inteiros, por exemplo, a metalomecânica e o turismo, se queixam de que não conseguem recrutar pessoas… não conseguem recrutar pessoas porque estão a querer pagar salários muitos baixos. Se subirem um bocadinho os salários talvez melhorem as suas condições.

"[O Governo] não pode obrigar as empresas a aumentar os salários. Agora pode convencer as empresas que elas têm que subir os salários na medida em que o possam fazer. E ao aumentar o salário mínimo já está a dar um sinal que naturalmente as empresas não gostam de ter a situação dos seus assalariados ingurgitada logo acima do salário mínimo, entre o salário mínimo e o mediano, e, portanto têm interesse em espaçar para poder melhor gerir a empresa."
António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde e presidente do Conselho Económico e Social

Portanto, o aumento real dos salários podia ter ido mais além na sua visão.
Essa… na minha visão… é uma visão idealística porque eu não tenho, nem o governo tem, nem o CES tem, nenhuns instrumentos para poder forçar os atores económicos a subirem os salários. Não é possível.

Mas pode ter uma opinião sobre o que é que isso significa em termos de gestão das empresas.
E não me tenho coibido de a emitir.

Mas diga aqui na rádio Observador, que gostava de a ouvir.
Eu repito, entendo que não é possível ter mais qualificação nas empresas se os empresários não estiverem disponíveis para pagar melhor. Essa questão da qualificação é essencial. E há uma ligação direta entre a qualificação e a produtividade, como todos sabem.

Portanto, se as empresas estão a contratar mais, estão a ter melhores trabalhadores, estão a produzir mais, estão a exportar mais, em alguns casos, estão a fazer mais margem e não estão a pagar tão bem, é porque estão a reter mais margem para eles.
Mas a minha função obriga-me a ser equilibrado e é preciso olhar para o outro lado da margem, nós partimos para uma situação em que as empresas estavam profundamente descapitalizadas. E uma situação em que a banca também não facilita muito… a banca está muito treinada a facultar empréstimos imobiliários e de crédito familiar e crédito ao consumo e está muito pouco habilitada a gerir bem o risco do crédito para empresas.

Para isso é que existe aquele empurrãozinho das linhas capitalizar por parte do Ministério da Economia…
Exato, e essas linhas são extremamente importantes e, por isso, agora que vamos para a parte final da execução do quadro comunitário de apoio ou do Horizonte 2020 é essencial que essas linhas não sejam cortadas ou que a comparticipação nacional não sofra aí cortes que impossibilitem o recurso aos fundos comunitários, isso é absolutamente essencial.

Antes de estabelecer um novo salário mínimo, o Governo tem de ouvir os parceiros sociais. Mas o montante foi fixado por acordo entre o Governo e o BE. Até os patrões admitiram que seria possível ir além dos 600 euros. O governo foi só cumprir calendário à concertação?
Não, de maneira nenhuma. Houve muitas horas de discussão, muitas horas de debate sobre o problema do salário mínimo e é evidente que as posições não eram coincidentes, não era possível chegar a acordo porque de uma maneira geral, as duas centrais sindicais não concordavam com as soluções com as propostas e pretendiam elevar mais do que aquilo que ocorreu o salário mínimo nacional e as entidades patronais nunca me dei conta de se terem oposto, mas não facilitaram, naturalmente. Até ao momento em que surgiram, no último ano, declarações não subscritas por todas as confederações patronais de que o salário mínimo poderia ter ido um pouco mais longe. Eu próprio também fiz declarações numa dessas reuniões finais em que disse que achava – e pretendia que isso ficasse registado em ata – que se poderia ter ido um pouco mais longe. Penso que o Governo cumpriu os objetivos que tinha determinado. Tinha fixado uma meta de crescimento para 600 euros no final da legislatura e esse crescimento, mesmo assim, é muito importante. São 19% em quatro anos e portanto…

Mas não fica desvirtuada a concertação social quando há um acordo do governo com outro partido?
Não, porque as deliberações da concertação não precisam de desembocar numa lei. Se estiverem de acordo com a lei, ótimo. Podem ter como produto uma recomendação e o Governo é que, naturalmente, por lei é que tem de fixar o salário mínimo. E portanto, o Governo fez sempre questão de dizer que sentia ser um dever ouvir a concertação na questão do aumento do salário mínimo nacional, mas que a decisão final era dele. E em compensação, também, entendia que deveriam ser discutidos outros temas e um desses temas atualmente em discussão é o das condições de trabalho que possam ter influência na natalidade, sobretudo das trabalhadoras.

Deixe-me voltar ao crescimento económico. Nos últimos 20 anos, a economia portuguesa cresceu em média 1% ao ano, muito abaixo da Irlanda, da Espanha, etc. E teve uma crise séria pelo meio. Este crescimento anémico resulta do quê? Falta-nos um objetivo?
Não, não. Basicamente falta formação profissional. Basicamente, escassez de preparação profissional e isso é que nos diferencia dos países do leste. Os países do leste todos eles tiveram… a gente pode dizer cobras e lagartos dos regimes totalitários a que eles estiveram submetidos durante muitos anos, mas a verdade é que esses regimes faziam formação profissional muito orientada para as indústrias locais, regionais, mas a verdade é que faziam muita formação profissional e nós hoje encontramo-nos num patamar muitíssimo abaixo ainda, temos 48% das pessoas, dos ativos, que têm formação secundária completa e a média dos países do resto da Europa é 75%. Quer dizer estamos muito abaixo em termos de capacitação profissional. É aí que temos de investir. Esse é um desiderato absolutamente nacional.

"Não é possível ter mais qualificação nas empresas se os empresários não estiverem disponíveis para pagar melhor. Essa questão da qualificação é essencial."
António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde e presidente do Conselho Económico e Social

Outros economistas olham para o mesmo problema e dizem que as economias de leste são muito mais industrializadas e que nós estamos mais sustentados no turismo. Ou seja, numa indústria que é muito mais volátil e dependente de modas.
Sim, a industrialização pesada acho que ainda têm, mas também não…

E nós não… Temos menos…
Oiça, mas também não é futuro. Como sabe, a indústria pesada e a metalomecânica pesada não é futuro para a Europa e, portanto, a Europa do lado de cá foi perdendo tudo isso.

Mas tem sido esse setor a segurar o emprego, por exemplo, na Alemanha em alguns casos. Na Alemanha… a metalomecânica automóvel, que tem uma fortíssima incorporação tecnológica enquanto que a metalomecânica, a aciaria ou o carvão e o aço e os produtos, as grandes vigas, as grandes peças metálicas que é necessário para montar uma estrutura, os alemães… não estão a fazer, já não são eles a fazê-lo. Encomendam-nos a Portugal e há muita metalomecânica pesada a norte do país que está a governar-se bastante bem com isso porque somos bons executantes nessa matéria. E até em termos competitivos em relação a leste, apesar da distância do transporte. Mas, realmente, se os países da antiga europa de leste estão a pensar fazer o seu desenvolvimento económico a partir da indústria pesada, quer dizer, todos sabemos que não vão muito longe. A Índia, a China, o Brasil até, com certeza que os ultrapassarão rapidamente.

O Banco de Portugal diz que divergimos da Europa nos últimos 25 anos. A falta de formação justifica tudo isto, esta ultrapassagem por países que deveriam ser comparáveis connosco?
É uma boa questão. Isso leva-nos a todos os problemas que têm a ver com o nosso atraso. A falta de formação dos trabalhadores de base é um fator importantíssimo, mas há outros fatores muito importantes. É que nós não conseguimos ainda fazer um casamento perfeito entre o conhecimento e a indústria e a atividade económica, isto é, a economia real. Estamos nos patamares mais baixos da Europa ainda em matéria de utilização do conhecimento científico dentro das nossas empresas.

O que é que falta para isso acontecer?
O que falta são vários fatores. O nosso tecido empresarial é muito micro, muito micro, 99% são pequenas e médias empresas, que são extremamente imaginativas, extremamente flexíveis – essa é uma das características da nossa capacidade exportadora, da repacitação exportadora, é a nossa flexibilidade. Porque somos pequenos, temos capacidade de fazer uma série com três meses de antecedência ou até com um mês de antecedência e isso é muito positivo, mas somos muito pequenos nas indústrias. A gente olha para a formação profissional, por exemplo. Quem é que consome formação profissional em Portugal? As grandes empresas absorvem 70 ou 80% da formação profissional. Portanto, a formação está completamente assimétrica. Aqueles que já têm mais formação são os que mais formação recebem. E aqueles que estão no fundo da escala laboral são os a que menos formação aspiram. Este é um problema que tem de ser resolvido por todos.

Deixe-me passar para o tema da Segurança Social. Nos últimos 20 nenhuma outra pessoa mandou tanto nos destinos da Segurança Social como o atual ministro Vieira da Silva. Ele esteve e gerir uma máquina ingovernável ou sem arranjo?
Não, de maneira nenhuma. Eu acho que aquilo que posso registar destes três anos de contacto mais estreito com o Vieira da Silva como ministro é que ele… rodeou-se de um conjunto de recursos técnicos que afinaram pouco a pouco a informação e o conhecimento sobre a Segurança Social.

Mas a sustentabilidade está mais garantida hoje?
Ah, sim! Isso indiscutivelmente. Então, isso foi anunciado pelo Governo.

Sim, houve um reforço do Fundo de Estabilização…
O Fundo de Estabilização Financeira. Houve diversificação dos financiamentos, com aquele imposto adicional do IMI [Imposto Mortágua].

Mas esse fundo é uma reserva, são os últimos litros de gasolina do carro. Estou a perguntar-lhe é acerca daquilo que a máquina gasta…
E acha mal?

"Nós não conseguimos ainda fazer um casamento perfeito entre o conhecimento e a indústria e a atividade económica, isto é, a economia real. Estamos nos patamares mais baixos da Europa ainda em matéria de utilização do conhecimento científico dentro das nossas empresas."
António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde e presidente do Conselho Económico e Social

Não acho bem nem mal, não tenho opinião sobre isso. O que estou a dizer…
[interrompendo] O que a máquina gasta? Demonstrou que gastou cada vez menos nos subsídios de desemprego e nas despesas ligadas ao mau desempenho da economia. Porque a economia teve um bom desempenho e por isso mesmo foi possível também aliviar a pobreza no caso dos benefícios que são destinados a isso.

Estou a falar no grande quadro. A população cada vez mais envelhecida em Portugal, a natalidade a baixar, a necessidade de haver cada vez mais contribuições para a Segurança Social e, provavelmente, um aumento da idade da reforma. É para aí que caminhamos?
Por que é que não quer fazer a analogia com o que se passou durante a crise? Durante a crise o que se passou foi que a Segurança Social foi financiada pelo Governo, até 1,4 milhares de milhões. Se algum dia, daqui a 40 ou 50 anos isso vier a acontecer, se a economia estiver boa não há preocupações. Se a economia estiver mal, como estava em 2011 e 2012, as pensões terão de ser financiadas pelo Orçamento do Estado. É claríssimo como água e temos essa experiência passada. Mas pode dizer ‘foi uma experiência negativa’. Pois foi. Negativa no sentido em que os fundos para equilibrar a Segurança Social foram retirar recursos a outros setores, com certeza. Mas apenas de tudo, bastou que a economia melhorasse um bocadinho nos 4 anos seguintes para isso tudo se recompor. E até ampliar os recursos.

Perguntava-lhe isso precisamente por causa de uma pergunta anterior, a do crescimento médio de 1% ao ano nos últimos 20 anos. Se isto é um crescimento que permite às populações terem o grau de apoio — na Segurança Social, Saúde, Educação — que têm e que merecem?
Mas acha que estamos condenados a ter um crescimento de 1% ao ano daqui em diante? A sua pergunta quer dizer isso? Eu acho que não, que não estamos condenados a isso. No ano passado crescemos 2,4% e este ano vamos crescer, provavelmente, 1,9%.

Com o FMI a dizer que vai haver um abrandamento do crescimento Mundial e que isso, obviamente, vai ter consequências para nós.
Pois, quer dizer… Repare, os ciclos… entramos na margem de imprevisibilidade dos ciclos. Recordo-me de 1968, a Europa estava a crescer praticamente 7% ao ano, o Gaullismo em França era crescente, força política brutal, não tinha havido ainda a crise dos combustíveis de 1970. E de repente há uma perturbação social, quase uma pequena faísca que faz incendiar um maremoto de perturbações sociais que leva a que um país como a França tivesse um mês paralisado. Quer dizer, alguém poderia prever o maio de 1968 e as suas consequências nessa altura? O senhor não pode prever aquilo que se venha a passar no futuro.

Está a falar da economia como se fosse um conjunto de casualidades que acontecem, quando há países que eliminam essa casualidade…
Não são casualidades, a economia é dependente de casualidades.

Há países que são menos dependentes de casualidades que fizeram o seu caminho em paralelo, caso da Irlanda, que cresceu bastante mais do que nós desde o período da crise. E tem uma dimensão e uma população semelhantes.
Eu não quero dizer uma boutade, mas a Irlanda fala inglês, não é? E a Irlanda tem, tradicionalmente, impostos muito baixos. E conseguiu resistir.

"Não estamos condenados a ter um crescimento de 1% ao ano", defende o ex-ministro

TIAGOCOUTO/Observador

Mas os impostos existem dessa forma porque foram fixados pelos governantes…
E o senhor tem de alimentar os setores sociais com impostos, não é? E tem de construir infra-estruturas com impostos, não é? Porque sem infraestruturas também não se desenvolve a economia… Para já a Irlanda não precisava sequer — é um território tão pequeno — que não precisava de construir grandes autoestradas. Não as construíram, é verdade. Construíram uma ou duas, mas o território é muito mais pequeno que o nosso. O nosso é um território desgraçadamente montanhoso e junto ao mar e alagado, etc. O senhor lembra-se do que foi a saga da reconstrução da Linha do Norte, que começou nos anos 1980 com um investimento brutal, um desperdício brutal, em vez de se fazer uma linha em paralelo? Fez-se uma linha no mesmo sítio da outra, e ainda hoje não conseguimos atingir velocidades decentes.

Não sei se o exemplo das autoestradas é o melhor, porque ainda estamos a pagar muitas e vamos pagá-las até 2040.
E ainda vamos aproveitá-las. Hoje já não, mas há quatro anos toda a gente dizia mal do excesso de autoestradas. Mas repare que, daqui a alguns anos, quando percebermos que o interior se está a desenvolver graças ao facto de ter havido estradas e muito boas estradas e provavelmente, espero, comboios, todos vamos agradecer isso. O que é é tarde. Agora, tem razão. Na altura em que as decisões foram tomadas talvez houvesse outras alternativas. Talvez houvesse.

Já o ouvi dizer que estava há espera de mais antagonismo entre os partidos que formam a Geringonça. O resultado destas eleições veio dar-lhe razão?
Eu não vejo nenhuma relação entre o antagonismo e as eleições. Há relação direta entre antagonismo e estabilidade social, laboral, haver mais ou menos convenções coletivas de trabalho. Nisso é que, claramente, há uma associação direta negativa entre a estabilidade laboral e o número de convenções coletivas de trabalho que são subscritas e associadas. Esse é que é o problema fundamental. O antagonismo resolve-se através da concertação e da negociação. São os mecanismos da concertação social que podem fazer essa acalmia e podem resolver esse tipo de problemas. Não são as opções políticas. Essas têm alguma influência, conheço a teoria das correias de transmissão, mas não têm uma influência decisiva e, por outro lado, a esse respeito o resultado das eleições foram favoráveis até ao governo incumbente. Portanto, não é essa a questão.

Acha que esta bonança na Geringonça que existiu durante estes quatro anos se conseguiu à custa de não fazer algumas reformas que eram importantes?
É uma questão… interessante. Eu gostaria, e disse-o logo nos primeiros tempos da minha intervenção [no CES], que o IRC baixasse.

Algo que foi bloqueado pelo atual Governo…
Sim, obviamente não estava dentro dos acordos de concertação. Mas ao longo dos anos também fiquei sem saber se a descida do IRC iria de facto (…) provocar um efeito de relançamento da atividade económica. Hoje tenho muitas dúvidas, tal como tinha na altura.

Portanto, não o proporia hoje.
Não sei, acho que é preciso estudar mais o assunto. Tenho muitas dúvidas. Repare o que se passou com o salário mínimo, toda a gente dizia que o aumento do salário mínimo iria desgraçar o desemprego nos baixíssimos salários, que ia aumentar o desemprego tremendamente nos escalões mais baixos da sociedade. É isto que ditam as teorias económicas, toda a gente sabe isso… mas deu-se o contrário. Deu-se o contrário, toda a gente se empregou. Até os trabalhadores mais idosos, na última faixa etária, baixaram [na taxa de desemprego] e são os mais jovens que têm o desemprego mais elevado.

Fica a ideia para Mário Centeno, nestes dois anos que deve estar no cargo.
Eu não sei. Acho que é necessário conhecer bem o problema e saber onde é que… Quem é que beneficia com o IRC? Acho muito bem que o IRC baixe — e já baixou — para a fixação de indústrias no interior. Isso vê-se. Será que isso atraiu indústria? Era importante conhecer isso, ter esses estudos. Olhe, aí está uma outra área em que o CES, no futuro, poderia dedicar-se. Mas uma baixa potencial do IRC poderá vir fazer algum impulso à economia? Quem é que beneficia com a baixa do IRC? É preciso analisar quem são os grandes contribuintes do IRC. E eu duvido que os grandes contribuintes do IRC sejam sensíveis a uma baixa do IRC, porque estão muito concentrados.

Os resultados das eleições, com a eleição agora de deputados de novos partidos que estão mais nas extremidades, e uma grande abstenção sinalizam o quê, na sua opinião? O que é que os portugueses querem?
Os pequenos partidos? Acho que são situações diferentes, à esquerda e à direita. À esquerda, significa claramente um certo envelhecimento dos modelos de esquerda, quer os modelos do PCP, quer do Partido Socialista. A social-democracia não é uma coisa que esteja muito na moda hoje. É um grande desígnio e um generoso desígnio societário, mas não se pode dizer que seja sufragado pelos mais jovens. Aliás, os estudos eleitorais demonstram exatamente isso. E portanto, é natural que surjam à esquerda partidos que digam coisas que apelem aos jovens. Eu convivo com os meus netos e sei o que eles defendem. São muito a favor da ecologia, muito a favor do vegetarianismo, muito a favor da defesa da igualdade das mulheres e de todos esses valores que foram incorporados na sociedade. E bem.

"Ao longo dos anos também fiquei sem saber se a descida do IRC iria de facto (…) provocar um efeito de relançamento da atividade económica. Hoje tenho muitas dúvidas, tal como tinha."
António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde e presidente do Conselho Económico e Social

Como assim?
Vou só dar-lhe um exemplo importante, o importante contributo dos Verdes para alguns aspetos. Os Verdes na Alemanha conseguiram convencer a senhora Merkel a encerrar as centrais nucleares em 2022 e eu não acreditava nisso. Então como é que é possível a Alemanha, que tem uma dependência do nuclear enorme e grandes empresas que fabricam e exportam nuclear, como é que vai fazer isso? E perguntei aos meus colegas do Parlamento Europeu se acreditavam nisso. E eles foram absolutamente peremptórios, de todos os setores. Não, não, se há um compromisso político de encerrar as centrais nucleares em 2022, elas vão ser encerradas, não há dúvida nenhuma. E a Alemanha deu os passos todos para melhorar as suas fontes energéticas, diversificá-las e entrou em força nas energias renováveis. Portanto isso é um contributo muito positivo que esse tipo de movimentos tem para as nossas sociedades.

E à Direita?
À direita a situação é porventura diferente. À direita a situação tem a ver mais com o facto de… tenho de ter sempre algumas reservas porque não gosto de comentar a vida interna dos partidos, mas tem a ver com as dificuldades que a direita tradicional teve de polarizar o desagrado ou polarizar a oposição. Teve essas dificuldades e, portanto, a oposição de direita pulverizou-se. Não foi ainda uma pulverização grave, mas esbateu-se e, portanto, não houve a possibilidade à direita por muitas razões — não interessa analisar, isso é para os politólogos –, não houve possibilidade de a direita se unificar à volta de um pensamento que fosse uma oposição forte à corrente incumbente.

E com uma direita mais fragilizada sobem os extremismos, a extrema-direita…
Exatamente, menos, digamos assim, congregada é natural que haja forças centrífugas, isso é mais que natural.

Chegamos à Saúde. Todas estas notícias de urgências de pediatria a fechar, diretores clínicos que se demitem, médicos em falta, tempos de espera… Uma das suas antecessores, Manuela Arcanjo, demitiu-se no meio de um cenário muito semelhante. Naqueles tempos havia menos tolerância política a um mau funcionamento do SNS?
Não, naqueles tempos, o SNS estava mais sozinho no panorama da saúde em Portugal. A prestação privada era muito menos volumosa do que hoje. O setor privado aumentou espetacularmente de volume e de capacidade nos últimos 20 anos e aumentou à custa do SNS, vindo buscar ao SNS os melhores profissionais, atuando nos sítios mais urbanizados, procurando até aperfeiçoar-se e fê-lo sempre bem, com inteligência, com capacidade e até com bastante qualidade — embora eu ache que inferior à do setor público –, e fê-lo ao longo dos últimos 20 anos. Mas a questão que está implícita na sua pergunta é: o que é que é preciso fazer no SNS para reequilibrar esta situação? O que é preciso fazer no SNS não é proibir o setor privado, como é óbvio, como porventura algumas forças políticas pretenderam na legislatura que agora terminou.

Portanto, o caminho é?
O que há a fazer é reforçar o SNS e nisso há duas áreas que são absolutamente essenciais. Uma é o investimento. É preciso retomar o investimento no equipamento, na modernização dos equipamentos, nas instalações, nas questões hoteleiras e é preciso, em segundo lugar, sobretudo pagar melhor aos profissionais que estejam disponíveis para dedicação plena no serviço nacional de saúde. Uma dedicação plena voluntária naturalmente, pagar-lhes uma base que lhes garante uma carreira, uma ligação à carreira e uma reforma tranquila, mas também a qualquer coisa de proporcional ao seu próprio desempenho, como acontece e já se fez, de amplo sucesso nos doze anos de funcionamento das unidades de saúde familiar nos cuidados de saúde primário.

Ex-ministro da Saúde defende necessidade de mais investimento no Serviço Nacional de Saúde

TIAGOCOUTO/Observador

O investimento público em Saúde, em percentagem do PIB, tem caído, está mais de meio ponto percentual abaixo de 2011. Como é que se explica isso às pessoas?
Desculpe lá, é investimento ou despesa de consumo? Os governantes são os primeiros a trocar as palavras. Considera que gastar mais dinheiro em pessoal é investimento ou é uma despesa de consumo? Eu considero que é simplesmente uma despesa de funcionamento. Quando falo em investimento refiro-me à imobilização, ao investimento físico, aos equipamentos, às instalações. Isso é que chamo investimento, ou eventualmente algum investimento intelectual que seja necessário fazer, mas… pessoal não é investimento, é recuperar os ritmos e recuperar o pessoal que saiu, porque saiu muito pessoal não apenas o que saiu para o sistema privado, e não foi a maior parte — a maior parte saiu por reforma. Sabe que houve aqui um boom… há 35 ou 40 anos, houve um boom de afluência às escolas médicas, havia só cinco escolas e em 1975 havia, salvo erro, seis mil alunos no primeiro ano. Seis mil alunos!

Uma situação muito diferente de hoje.
Hoje temos 1.700… e, na altura, havia seis mil alunos. Esses médicos que entraram para o sistema, a maior parte deles, quase a totalidade, foram sendo absorvidos, entraram para diferentes carreiras hospitalares, saúde pública, medicina familiar e, neste momento, estão na fase de chegarem, ou  provavelmente já estão reformados. Esse é um outro problema com que o Serviço Nacional de Saúde hoje se depara. É evidente que desde 2000 para cá, talvez ainda durante o tempo da doutora Maria de Belém, em 1998, aumentou o número de alunos que entravam nas faculdades e medicina. Hoje estão 1.700. Bom, o problema que se vai pôr a seguir é que estes 1.700 não vão criar um outro boom, uma outra bolha semelhante à bolha provocada pelos que entraram em 74, 75 e 76. Essa gestão de uma profissão que leva 10 anos a formar-se é uma gestão que não tem sido feita cuidadosamente. Há um trabalho muito bem feito pela Universidade de Aveiro, que é um trabalho extraordinário e que olha par isso pela primeira vez em termos capazes. E eu recomendo vivamente, não posso fazer publicidade, mas digo só que existe este trabalho.

Quando conheceu a medida do Governo de voltar às 35 horas na Função Pública, viu imediatamente que isso ia causar problemas na saúde, no SNS?
Claro que sim.

Passou-lhe pela cabeça que iam ser necessárias 6 milhões de horas extra em 2017?
O que me passou pela cabeça é que o que devia ter sido feito nessa altura… Bem, em primeiro lugar fiquei surpreendido com a facilidade com que a Saúde aceitou essa medida de imediato. Em segundo lugar, fiquei surpreendido por não ter havido uma medida contemporizadora que seria aumentar de imediato os vencimentos das pessoas que estivessem disponíveis para fazer 40 horas, em regime voluntário… Passavam o seu horário de trabalho de 35 para 40 horas, recebendo o correspondente em horas extraordinárias. Isso é o que me parece que devia ter sido feito na altura. Não foi.

"Os 1.700 [alunos de Medicina atuais ] não vão criar um outro boom, uma outra bolha semelhante à bolha provocada pelos que entraram em 1974, 1975 e 1976. Essa gestão de uma profissão que leva 10 anos a formar-se é uma gestão que não tem sido feita cuidadosamente."
António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde e presidente do Conselho Económico e Social

E é uma marca negativa essa passagem ou a forma como foi feita?
Essa marca socialmente falando é uma marca positiva. É evidente que eu sei que a evolução da sociedade se vai fazendo na redução do horário de trabalho semanal, e já se fala na semana de quatro dias de trabalho, fala-se no teletrabalho, etc. Mas nestas profissões que são intensivas de mão-de-obra e de proximidade direta ao paciente… não são profissões que possam ser transformadas, digitalizadas ou transformadas em robôs. Pelo menos a grande maioria dessas operações. Devia ter-se tido algum cuidado de… mas houve provavelmente algum otimismo de admitir que era possível acomodar essa redução de mão-de-obra e isso não funcionou bem.

Teria disponibilidade para um novo mandato no CES?
Ah isso… isso é uma matéria em que nem sequer pode haver uma resposta. Repare, o meu mandato termina quando for eleito um novo presidente. Um novo presidente do CES só pode ser eleito quando houver Parlamento, depois de haver Parlamento é necessário que o Parlamento coloque na ordem de trabalhos dos grupos parlamentares, nas reuniões dos grupos parlamentares, a eleição dos lugares que são submetidos a escrutínio parlamentar — os lugares de nomeação, há uns que são de maioria simples, outros de maioria qualificada. E naturalmente os partidos, no histórico, têm-se organizado no sentido de chegarem a um acordo sobre esses lugares, sobre a partilha desses lugares. E finalmente é necessário que cada grupo parlamentar escolha o seu candidato. Está a ver… há tantos fatores aqui imponderáveis que é impossível responder à sua pergunta.

Mas gostaria?
É impossível responder à sua pergunta. É completamente impossível. Peço desculpa, mas não posso responder.

[O vídeo da entrevista na íntegra:]

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