A corda está totalmente esticada no PS e vai continuar assim. A maioria absoluta é o plano A, B, C, D e abecedário fora. É a agenda única. Se há seis anos, António Costa aproveitou a campanha para deixar pistas ténues sobre o que já lhe estava na cabeça ainda antes dessa fase — a possibilidade de se entender com a esquerda — e os dias anteriores para alicerçar pontes com a esquerda, desta vez nem conversas informais existem. O líder socialista ataca os antigos parceiros sem pudor, vai até ao PREC, o período histórico onde a tensão PS/PCP fez erguer um muro entre as partes, e segue convencido que a maioria absoluta que pede com todas as letras e mais alguma está ao seu alcance.
“Bastam dez pontos de vantagem sobre o PSD”. A contabilização é repetida nestes dias dentro da equipa de campanha do socialista que segue no terreno com olhos postos nas sondagens que vão sendo publicadas diariamente, mas também nos estudos de opinião que o próprio PS tem encomendado para apurar a mensagem política. Nos últimos dias, Costa entrou num registo mais dramático sobre a maioria absoluta e de apelo ao voto no PS e a razão não foi apenas a proximidade do dia do voto antecipado, que obriga a um reajustar da intensidade dos discursos mais cedo do que seria normal.
Os socialistas estão agarrados a um dado que lhes chegou dos estudos qualitativos que pediram e que mostram que “a maioria do eleitorado do PS já não tem medo de uma maioria absoluta”, segundo conta ao Observador um alto dirigente do partido. A ideia vai animando a caravana socialista mesmo que existam picos de alguma ansiedade, como no momento em que chegou a sondagem mais recente da Universidade Católica. Os números chegaram à comitiva a meio da tarde de quinta-feira, quando Costa visitava o Reservatório do Espinheiro e apresentava o bloco de rega de Évora, e muitos dos elementos da comitiva estavam pregados aos ecrãs dos telemóveis, seguindo-se algumas chamadas e trocas de comentários, de sobrolho carregado.
Gelo nos pulsos e fogo no pedido de maioria absoluta. É o caminho que resta ao PS nesta fase em que já colocou a fasquia nas altura e já não há margem de recuo. O pedido de maioria absoluta pode até meter folga — como meteu nesse mesmo dia à noite, no comício de Santarém, onde Costa não o referiu como sempre tinha feito até ali — mas continuará a ser a única solução para o que Costa quer, governar sem dependências.
O dado em que a comitiva mais se fixa nesta fase é mesmo nessa perceção de um eleitorado menos avesso à maioria, até porque ainda nas eleições de 2019, com as parcerias com a esquerda em rotação, a maioria absoluta não era bem vista. O eleitorado que normalmente vota PS era esquivo quanto à possibilidade, rejeitava que esta fosse uma solução positiva. Mas agora mudou e a leitura feita é que há uma necessidade à esquerda de se punir eleitoralmente PCP e BE.
Aliás, os três objetivos que Costa traçou para esta campanha passam, precisamente, por captar o voto útil da esquerda (a tal que não perdoa o BE e o PCP pelo chumbo orçamental), mas também por manter o eleitorado de 2019 e apelar ao centro que a liderança do partido acredita que está apostado, acima de tudo, em ter “paz e sossego”. Não quer eleições ao virar da esquina. Isto para dia 30 conseguir, por ordem de prioridades, como aponta um dos conselheiros de Costa nesta fase: “Ficar à frente em número de votos, evitar que a direita forme uma maioria no Parlamento e ter maioria”.
A mensagem segue, assim, em insistir na exorcização dos demónios que a maioria absoluta ainda possa trazer. A este propósito, António Costa até usou Marcelo Rebelo de Sousa como um seguro dessa maioria, no final do debate com Rui Rio. Essa é uma ideia que “está dita”, diz fonte do partido e que Costa não pretende repetir em campanha — na entrevista ao Observador até fez questão de sublinhar que não é ele que tem falado de Marcelo, apenas responde às perguntas que lhe têm feito. O argumento passa por dizer aos eleitores que não gostam dos “ovos todos no mesmo cesto”, que tem neste Presidente a garantia de não deixar o PS “pisar a linha”. “Tal como Soares impôs limites [à maioria de Cavaco], também o atual porá”.
Na quinta-feira, no debate organizado por três rádios, António Costa juntou mais um argumento à lista de razões que tem elencando a favor da sua maioria ao dizer que, e a tiver, não só vai dialogar com todos, como terá condições para o fazer “mais facilmente à esquerda do que à direita”. Já sem maioria, o modelo será outro — o “clássico de governação à Guterres” e aí o parceiro privilegiado será à vista, ditado pelo diploma em causa — o PSD não está excluído e isso mesmo ficou claro na entrevista que deu ao Observador esta sexta-feira.
Não há contactos laterais, à moda de 2015
Há seis anos, com as sondagens feitas durante a campanha a colocarem a coligação PSD/CDS à frente do PS — como depois se confirmou nos votos –, Costa tratou de aproveitar esses tempos para preparar já um plano B, em contactos informais que foram logo sendo estabelecidos com o PCP para qualquer eventualidade. Mas neste momento não há negociações em curso, nem conversas informais, nem contactos à procura de uma alternativa.
O socialista joga na convicção da maioria ou, no limite, se ela não for conquistada, na curta distância a que pode ficar dos 116 deputados. Esse não é um pormenor, quando o PAN e o Livre (que tem surgido como tendo capacidade de chegar ao Parlamento mais uma vez) estão disponíveis para entendimentos — no caso de Rui Tavares até por escrito — e não têm o histórico recente de PCP e Bloco de Esquerda que Costa até já classificou de “imperdoável”, esta quarta-feira num comício em Faro.
A proximidade ao PAN tem suscitado críticas internas que Costa leu quando estava a caminho da Madeira, no artigo de Manuel Alegre no jornal Público, por exemplo. Mas não se mostrou especialmente incomodado, aproveitando para redirecioná-las antes para o seu objetivo. “É isso mesmo, o PS tem de ter uma maioria”, respondeu assim mal foi confrontado com essas declarações, evitando entrar em discórdia com o histórico socialista. Os estudos qualitativos onde tem apoiado parte da sua estratégia também têm dito a Costa que as preferências do eleitorado do PS se dividem quanto aos partidos com que Costa se deve entender no período pós eleitoral: ou com o PSD ou com a esquerda.
O Orçamento, que sem maioria o PS só aprovou à direita, “não é imutável”
O modelo à Guterres, ditou, de facto, apenas orçamentos aprovados à direita. Mas com o PSD, a relação está distante. Por altura do congresso social-democrata, em dezembro, o socialista ainda se preocupou com a força de Rui Rio. A perceção que o PS teve foi que o social-democrata estava a conseguir falar ao centro, que é também o seu alvo nesta campanha. Entretanto, os socialistas consideram “um erro” que líder do PSD tenha aberto a porta a todos (IL, Chega e CDS) ao mesmo tempo, o que consideram ter acontecido nos debates. Aí, na comparação com Rio, tentou sobretudo ganhar vantagem em dois pontos específicos: Saúde e Segurança Social, colocando o sistema de pensões misto do PSD e a proposta de modelo de SNS na classificação de “aventuras políticas”. A estratégia é deixar o centro intranquilo sobre a proposta eleitoral de Rio.
Mas no dia seguinte pode ser mesmo com ele que terá de se entender — isto se ficar à frente nos votos, que é a sua condição para continuar. O histórico dos socialistas em maioria relativa, com Costa no olho da negociação guterrista como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, é mesmo à direita. O primeiro, em 1996, foi aprovado com a abstenção do CDS de Manuel Monteiro, o segundo com o voto do CDS e a abstenção do PSD, liderado por Marcelo Rebelo de Sousa que justificava a viabilização com o “interesse nacional”, o país preparava-se para entrar na moeda única.
O mesmo aconteceu no ano seguinte, 1999. Depois vieram legislativas, a maioria absoluta ficou por uma unha negra (a apenas um deputado de distância), mas Guterres conseguiu que o CDS — já de Paulo Portas — ainda se abstivesses. Ficou por aí, já que nos dois anos seguintes apenas um deputado da bancada democrata-cristã, Daniel Campelo, se juntou ao PS para viabilizar a proposta do Governo, o famoso Orçamento limiano. O “pântano” chegou logo a seguir.
Isto faz com que o Orçamento que agora Costa exibe como central na sua proposta eleitoral, possa ter de ser renegociado de fio a pavio, com outra frente política, num quadro de ausência de maioria. “Não é imutável“, garante um dirigente socialista como prova de disponibilidade para chegar a entendimentos. Agora (e ainda nos próximos dias) resta saber com quem e em que condições.