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Os casos de Covid-19 estão a aumentar um pouco por toda a Europa. França, Reino Unido e até Portugal têm atingido números próximos daqueles vistos durante o pico da pandemia em março e abril. Mas Espanha é, neste momento, o país que enfrenta a pior situação. Com o número de casos diários a subir desde o início de julho — não deixando muitas dúvidas sobre a existência de uma segunda vaga no país —, Espanha atingiu esta sexta-feira o número mais alto de novos casos desde o início da pandemia, 14.389, mais dois mil que no dia anterior.
Em sua defesa, o governo espanhol diz que não se pode comparar setembro com março ou abril porque, na altura, apenas cerca de 10% dos casos seriam detetados e agora estarão a detetar entre 70% e 90%, refere o Financial Times. E a taxa de mortalidade é agora consideravelmente mais baixa — não tendo chegado às 250 mortes diárias, quando no pico da pandemia chegou quase às mil.
Espanha já sofre “segunda vaga” e outros países europeus estão por dias
No epicentro desta nova vaga espanhola está a Comunidade de Madrid, com quase 660 casos por 100 mil habitantes (ultrapassando os 1.020 num dos bairros mais afetados), quando a média nacional é de 260 casos por 100 mil habitantes — ainda assim, o dobro de França, o segundo país com a taxa mais alta. Esta quinta-feira, a comunidade autónoma registou 1.301 novos casos e 30 mortos, segundo o Ministério da Saúde da comunidade autónoma. Madrid tem também mais de um terço das pessoas hospitalizadas em todo o país, 3.411 num total de 10.143.
Os laços familiares e económicos entre Madrid e o resto do país, as ligações internacionais, a mobilidade, a localização geográfica e a densidade populacional são apontados pela presidente da Comunidade de Madrid como a justificação para a situação na região, refere o jornal El Periódico. Os investigadores catalães acrescentam ainda o relaxamento das medidas preventivas nos bares e restaurantes. Mas o problema não está só no comportamento dos cidadãos, está também na resposta por parte das autoridades de saúde e governos. Médicos e enfermeiros falam em falta de recursos humanos nos centros de saúde e em falta de organização por parte das equipas de rastreio, o que faz com que os contactos (e potenciais infetados) não estejam a ser devidamente acompanhados.
Faltam médicos nos centros de saúde
“Vamos entrar em colapso”, disse ao El Confidencial uma enfermeira das equipas encarregues do sistema de vigilância. Os profissionais de saúde estão assoberbados com o número de doentes que têm de atender diariamente — 70 a 80, em vez dos normais 30, diz um dos médicos ouvidos pelo jornal —, quer presencialmente ou por telefone, quer os doentes que seguem habitualmente ou os que estão em casa de quarentena.
No centro de saúde de Abrantes, no bairro de Carabanchel (Madrid), a situação é ainda pior: os cerca de 30 mil utentes estão desde o final de agosto sem médicos no centro de saúde — ainda que, oficialmente, sejam 16. O bairro, já de si vulnerável, com muito idosos e famílias numerosas a viver em casas muito pequenas, ficou ainda mais desprotegido. A 12 de setembro, o bairro somava 806 casos de Covid-19 por cada 100 mil habitantes, mais de três vezes a média espanhola, refere o jornal El Confidencial.
Não se sabe onde estão as equipas de rastreio de Madrid
Era suposto Madrid ter equipas de rastreio que pudessem acompanhar os casos positivos e identificar os seus contactos próximos — 500 profissionais em agosto, que subiriam para 1.500 em outubro, segundo Isabel Díaz Ayuso, presidente da Comunidade de Madrid. Mas nem médicos nem diretores dos centros de saúde sabem onde estão, o que fazem ou quantos elementos têm estas equipas, refere o jornal El Confidencial. Vários médicos dizem nunca os ter visto nos centros de saúde e muitos doentes em quarentena queixam-se de nunca terem recebido qualquer telefonema destas equipas.
A diretora do centro de saúde de Montesa, em Salamanca, Milagros González Béjar, diz que os rastreadores só aparecem quando os surtos são grandes. Para os surtos mais pequenos, acabam por ser os centros de saúde a tratar logo do assunto — sem sequer procurarem a ajuda das equipas de rastreio. Por um lado, poupam tempo e evitam que se perca informação no vai e vem de contactos. Por outro, acabariam por ser os profissionais dos centros de saúde a tratar dos casos de qualquer forma.
O problema é que os estabelecimentos de saúde não foram reforçados com profissionais que pudessem dar resposta a este aumento da carga de trabalho. Já do lado das equipas de rastreio, e segundo o jornal, o problema será mais de falta de organização do que de escassez de recursos humanos. Desde 23 de agosto que não é publicado um boletim diário com os novos casos e surtos detetados por estas equipas de rastreio de Madrid.
Entre os 35 mil casos diagnosticados nas últimas duas semanas na região de Madrid, apenas 800 foram identificados pelas equipas de rastreio, refere o Financial Times. Mas o problema não é exclusivo desta região: a nível nacional, as equipas de rastreio identificaram em média três contactos por cada caso positivo de Covid-19 e em 38% dos casos não foi possível identificar a origem da infeção. Não se sabe sequer quantas pessoas existem nas equipas de rastreio, reforça o jornal britânico. As regiões conseguiram controlar o número de casos com o confinamento, mas não se prepararam para o que viria depois.
Muitos testes e muitos casos positivos
Sem equipas de rastreio a cumprir a função a que se destinavam — identificar os contactos próximos das pessoas que testam positivo para o novo coronavírus —, os médicos dos centros de saúde incentivam os infetados a avisarem diretamente os contactos próximos. E isso faz aumentar a quantidade de pessoas que procuram saber se estão infetadas ou não. “Há muita confusão, as pessoas vêm sem saber o que é um caso próximo”, diz a médica Milagros González Béjar.
Mas os números na região de Madrid não deixam muita margem para dúvida sobre a gravidade da situação, alerta o jornal El Confidencial: um em cada quatro testes em Madrid dão positivo. Além disso, 67% dos casos positivos estão assintomáticos — tornando Madrid, a par da Extremadura e Galiza, uma das regiões que mais deteta casos deste tipo.
Falhas de comunicação em Madrid: confinar ou não confinar
Perante o descontrolo da situação em Madrid, e com algumas zonas mais críticas do que outras, o conselheiro-adjunto da Saúde da região autónoma, Antonio Zapatero, anunciou na quarta-feira de manhã que se iria proceder ao “confinamento seletivo nas áreas de maior incidência”, nomeadamente a sul da capital, onde vivem muitos operários e onde se tem verificado um aumento da transmissão do vírus.
Covid-19: Região de Madrid vai tomar medidas mais drásticas com confinamento seletivo
O problema é que Zapatero anunciou a medida antes de esta ser aprovada pelo governo regional e apenas tendo trocado umas mensagens de WhatsApp com a presidente Isabel Díaz Ayuso. “Comuniquei pelo WhatsApp [com a presidente] as medidas que ia anunciar esta manhã [quarta-feira], quando estávamos na reunião do Ministério [consejería]”, disse Zapatero, citado pelo jornal El País. “A presidente apoia sempre qualquer medida no sentido de proteger a saúde dos cidadãos madrilenos, como tem sido reiterado em várias ocasiões, portanto, entendo que vai apoiar esta medida que propomos de forma decisiva, como sempre fez.”
O problema é que não houve ninguém a defender a medida, que apanhou de surpresa os membros do governo regional, nem mesmo Isabel Díaz Ayuso, que se manteve em silêncio durante todo o dia e cujo executivo acabou por cancelar a conferência de imprensa prevista para a tarde desse dia, noticiou o jornal El País. Já na quinta-feira, o ministro regional da Justiça, Enrique López, disse que a palavra confinamento “gera angústia” e que o que o governo regional pretende fazer é, somente, “reduzir a mobilidade e os contactos” para prevenir a transmissão e evitar ter de voltar a confinar a população, noticiou a AFP.
Esta sexta-feira, o executivo de Ayuso anunciou as medidas a implementar: ajuntamentos limitados a seis pessoas, parques e jardins fechados e restrições à mobilidade (entradas e saídas) em 37 zonas de Madrid onde a incidência do vírus é superior a 1.000 casos por 100 mil habitantes, o que significa que mais de 877 mil pessoas serão afetadas pela medida, noticiou o jornal El País. O objetivo é “evitar por todos os meios o estado de alarme”, disse a presidente da região autónoma.
Falta de liderança no controlo da pandemia
O ministro da Saúde espanhol, Salvador Illa, por sua vez, disse que o governo regional devia fazer o que fosse preciso para controlar a pandemia. E, em resposta a isso, Ignacio Aguado, vice-presidente da Comunidade de Madrid, pediu ao governo central que se “envolvesse fortemente no controlo da pandemia”. Nenhum dos dois falou, no entanto, na declaração do estado de alarme na região. Pedro Sánchez já tinha deixado claro em agosto que cada região poderia fazer o pedido ao governo central se assim o considerasse necessário, mas Madrid não o fez.
La Comunidad de Madrid ha estado demasiado tiempo sola.
Celebro que el presidente del Gobierno acceda por fin a reunirse conmigo. https://t.co/owsZSSotru
— Isabel Díaz Ayuso (@IdiazAyuso) September 17, 2020
Se o governo de Madrid tem falhado na resposta à pandemia e é acusado de ser incapaz de dar uma resposta firme perante a situação, o governo nacional não tem tido melhor prestação: em parte devido à forte polarização entre os partidos, mas também porque a administração de Pedro Sánchez tem entendido que a gestão da pandemia deve ser feita a nível das regiões autónomas — que,em conjunto, tem 10 vezes mais dinheiro do que o governo central na área da saúde, refere o Financial Times.
As regiões autónomas, por sua vez, reclamam mais liderança por parte do primeiro-ministro. A presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, que finalmente vai conseguir reunir com Pedro Sánchez, aceitou a oferta de cooperação, mas lamentou que a região “tenha estado tanto tempo sozinha”, noticiou o jornal El Periódico.