As Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) acompanharam quase 80 mil crianças e jovens em Portugal durante o ano de 2023, um aumento de quase cinco mil em relação ao ano anterior e um dado que confirma uma “tendência crescente verificada desde 2020“.
Os dados constam do relatório anual da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), que reúne todas as CPCJ do país, que foi apresentado esta quarta-feira durante o encontro anual de avaliação da atividade das CPCJ em 2023, que decorre na Covilhã.
De acordo com o relatório, passaram pelas mãos das CPCJ durante o ano de 2023 um total de 84 196 processos de promoção e proteção, aos quais têm de ser subtraídos 4685 processos por “razões de duplicação processual”. No fim de contas, as CPCJ acompanharam um total de 79 511 crianças e jovens em 2023, mais 6,7% do que no ano anterior.
O relatório aponta ainda que 51 764 processos foram iniciados em 2023 (42 622 novos e 9142 reabertos), sendo que os restantes já vinham do ano anterior.
79511
As CPCJ acompanharam um total de 79 511 crianças no ano de 2023. Foi um aumento de 6,7% face ao ano anterior, que confirma uma "tendência crescente" desde 2020.
54746
Durante o ano de 2023, as CPCJ receberam um total de 54 746 comunicações de situações de perigo envolvendo crianças e jovens, que conduziram à instauração de 42 622 processos.
14284
De entre os casos acompanhados pelas CPCJ, um total de 14 284 resultou na proposta de aplicação de medidas de promoção e proteção.
Este número resulta de um total de 54 746 comunicações de situações de perigo apresentadas durante o ano passado (são mais do que o número de processos abertos porque, como nota o relatório, pode acontecer que haja mais do que uma comunicação de perigo relativa à mesma criança). Trata-se, de acordo com o documento, de um aumento de 10,5% relativamente ao número de comunicações apresentadas às CPCJ em 2022.
Negligência e violência doméstica são as situações mais comuns
O relatório anual também se debruça sobre as várias categorias de perigo a que foram sujeitas as crianças e jovens acompanhadas durante o ano de 2023. De acordo com o documento, a negligência e a violência doméstica “constituem as categorias de perigo mais representadas nas comunicações recebidas, invertendo a tendência dos anos anteriores”.
As comunicações chegam às CPCJ por diferentes vias, com especial destaque para as Forças de Segurança e os estabelecimentos de ensino, que continuam a ser as duas principais fontes de origem das denúncias.
Segundo o documento, mais de um quarto das sinalizações (26,8%) diz respeito a jovens com entre 15 e 18 anos. Segue-se o escalão dos 11 aos 14 anos, também com cerca de um quarto das comunicações (25,7%). Em terceiro lugar, surgem as crianças mais novas, entre os zero e os cinco anos de idade, com cerca de 23,5% das sinalizações.
O relatório diz ainda que “a distribuição entre rapazes e raparigas é relativamente homogénea“, uma vez que 53,54% das denúncias dizem respeito a crianças do sexo masculino e 46,46% a crianças do sexo feminino.
Quanto aos motivos pelos quais as crianças e jovens são sinalizadas às CPCJ, destacam-se as suspeitas de negligência (17 632 casos) e de violência doméstica (17 001 casos). Houve também 10 370 sinalizações por terem sido detetados comportamentos de perigo na infância e juventude e 6636 casos denunciados por suspeitas de estar em causa o direito à educação.
Os maus tratos físicos foram a razão para 2859 sinalizações e os maus tratos psicológicos para 1928 denúncias.
Por outro lado, houve 1262 casos denunciados por suspeitas de abuso sexual de menores, 533 por abandono, 40 por exploração infantil e ainda 20 crianças sinalizadas por virem de regiões com conflitos armados.
Recebida uma sinalização, a CPCJ realiza uma análise preliminar (que pode determinar logo o encerramento do processo, como sucedeu em 2023 com 6927 casos), a que se segue uma avaliação de diagnóstico. Em 2023, as CPCJ terminaram os diagnósticos de 47 537 casos — dos quais 14 284 resultaram diagnósticos de situações de perigo e em propostas de aplicação de medidas de promoção e proteção.
“Essas crianças, com diagnóstico de situação de perigo e parecer de necessidade de medida de promoção e proteção, são, maioritariamente, rapazes, numa relação de 7676 (53,74%) para 6608 (46,26%), predominantemente com idades compreendidas entre os 11 e os 14 anos de idade (26,20%)”, diz o relatório.
No que diz respeito aos diagnósticos, as situações identificadas pelas CPCJ estão em linha com as causas das denúncias: negligência e violência doméstica são as situações mais diagnosticadas.
Medidas privilegiam manutenção das crianças no meio onde vivem
O relatório apresentado esta quarta-feira revela ainda que, durante o ano de 2023, as CPCJ aplicaram 954 medidas cautelares, mais 86 do que no ano anterior. Trata-se de medidas aplicadas ainda antes da conclusão da fase de avaliação de diagnóstico.
De acordo com o relatório, 87% destas medidas cautelares foram “executadas em meio natural de vida”, ou seja, sem serem retirados do ambiente em que habitualmente vivem. A medida cautelar mais comum, aplicada em 64% dos casos, foi a de apoio junto dos pais.
Por outro lado, ao longo do ano de 2023, foram aplicadas um total de 31 147 medidas de promoção e proteção não cautelares (ou seja, aplicadas já depois do diagnóstico). A esmagadora maioria destas medidas (92,68%) são também implementadas no meio natural de vida da criança, com destaque para o apoio junto dos pais.
Medidas como o acolhimento familiar ou o apoio junto de outro familiar também aumentaram, por oposição a medidas como a confiança a pessoa idónea, apoio para a autonomia de vida e acolhimento residencial, que diminuíram.
O relatório anual traz ainda outros detalhes sobre as crianças e jovens acompanhadas em Portugal durante o ano de 2023. De acordo com o documento, um total de 2665 crianças e jovens acompanhados pelas CPCJ tinha nacionalidade estrangeira, “especialmente oriundas do continente americano (51,52%), em particular do Brasil (99,78%)”.
“No ano em análise constatou-se, também, que 947 crianças e jovens (3,29%) tinham algum tipo de deficiência ou incapacidade, maioritariamente a nível mental ou intelectual (28,72%)”, diz ainda o documento.
O relatório anual foi apresentado esta quarta-feira durante o encontro anual de avaliação da atividade das CPCJ em 2023, uma iniciativa de três dias que decorre no Teatro Municipal da Covilhã até sexta-feira.