O acordo de governação nos Açores está preso por um fio e o Governo regional está a braços com a necessidade de negociação antes da votação do orçamento na generalidade. Um voto a favor do deputado da Iniciativa Liberal parecia ser a solução para o imbróglio, mas agora também o deputado Carlos Furtado, ex-Chega, ameaça não votar a favor do Orçamento regional.

Uma coisa é certa: se o orçamento regional fosse hoje a votos, Nuno Barata e Carlos Furtado admitem ao Observador que iriam ficar-se pela abstenção. O resultado seria o chumbo do Orçamento e a possível queda de José Manuel Bolieiro, cenário que, sabe o Observador, vai preocupando (e muito) os sociais-democratas nos Açores.

Esta ameaça de desentendimento nos Açores surge num momento em que o país enfrenta uma crise política a nível nacional. Se no Parlamento foi a esquerda que deixou cair o Governo depois de a geringonça ter dado cartas durante seis anos, no arquipélago dos Açores a solução encontrada à direita, praticamente dentro dos mesmos termos, está a dar sinais de ceder ao fim do primeiro ano.

Nos Açores, além dos 26 deputados do PSD, o governo de Bolieiro é suportado por outras três figuras: José Pacheco, do Chega; Carlos Furtado, que deixou o Chega e ficou como deputado independente; e Nuno Barata, da Iniciativa Liberal. Sem os votos a favor destes três deputados, o outro bloco (PS, BE, PAN) está em condições de chumbar o Orçamento.

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IL “mais perto” da abstenção no orçamento dos Açores. Voto não é suficiente para salvar acordo e PAN está inclinado para voto contra

Deputado da IL faz tremer acordo (mas já passou do voto contra para a abstenção)

Inicialmente, Nuno Barata estava disposto a votar contra o diploma. Agora, o deputado da Iniciativa Liberal diz que vai optar pela abstenção depois de Bolieiro ter garantido a“redução de 295 milhões de euros para 170 milhões de euros” no endividamento. Ainda assim, não chega.

Fonte da IL/Açores próxima do processo explica ao Observador que é preciso “ir mais longe”, nomeadamente “no corte de mais 10 a 12 milhões de euros no plano apresentado pelo Governo regional, o que se refletiria nas necessidades do orçamento”. Essa alteração poderia valer um voto a favor no documento, desde que fosse também conhecido o plano de reestruturação da SATA, outro dos pontos fundamentais para o deputado. Resta saber se os sociais-democratas ainda vão a tempo.

É preciso recuar ao passado dia 21 de outubro para perceber o momento em que o acordo começou a tremer. Após ser conhecida a anteproposta de orçamento do Governo regional, a Iniciativa Liberal lançava a bomba: “Se for executado o que está no acordo com atropelos à democracia, tenho muita pena, mas rasgo o acordo parlamentar”. Daí para cá, a posição evoluiu, mas continua longe de haver fumo branco.

Ainda há tempo até ao debate do orçamento que começa no dia 22 de novembro, mas Nuno Barata lamenta ao Observador a falta de disponibilidade de Bolieiro para conversar. “Não estão a haver negociações”, assegura. Aliás, mais do que o orçamento, o representante acusa o PSD de não estar a cumprir o acordo de incidência parlamentar, desde logo porque foi pedido “transparência nos processos” e não considera que tenha existido no caso das Agendas Mobilizadoras — uma verba pertencente ao Plano de Recuperação e Resiliência, que diz respeito a 117 milhões de euros destinados pelo Governo a empresas da região.

Carlos Furtado não está “confortável” e está inclinado para a abstenção

A postura do Governo e o documento agora conhecido também não deixam o deputado independente Carlos Furtado, “confortável”. O representante eleito pelo Chega que deixou o partido devido a quezílias internas explica ao Observador que fez propostas de alteração, garante que foi “moderado” tendo em conta a legitimidade que lhe foi dada pelo eleitorado, mas por enquanto não vai além de uma abstenção — apesar de deixar espaço para voltar à mesa de negociações. 

Carlos Furtado sente a falta de um “plano B”, pretende que haja uma “calendarização” de objetivos a cumprir e uma definição de uma “lista de prioridades” do Governo.

O ex-deputado do Chega exige também que se “ataquem problemas maiores”, como a falta de  “apoio à iniciativa privada” e que haja uma “correção da trajetória” até agora seguida. “Não é centrando o investimento na nova era da digitalização e nas obras públicas que a economia vai ser alavancada”, avisa. 

PAN põe-se fora da solução 

O PAN, que se absteve na votação do único orçamento da região votado até à data, poderia ser um apoio importante para Bolieiro, sobretudo numa altura em que os apoios à direita começam a tremer. No entanto, a resposta é clara e taxativa: o PAN não vai dar a mão ao governo açoriano.

Ao Observador, Pedro Neves, do PAN, explica que o partido “perdeu a confiança no governo devido à polémica das Agendas Mobilizadoras”. Não existem, neste momento, negociações com os sociais-democratas, nem perspetivas de um possível entendimento. A porta está praticamente fechada.

“PAN absteve-se no ano passado como uma forma de dar confiança ao Governo, mas estão a andar para trás em vez de andar para a frente”, critica Pedro Neves, antes de devolver a bola à direita: a “responsabilidade” pertence a quem firmou acordos.

As esperanças do Governo regional e a abertura a “cedências mútuas”

O presidente do Governo regional alertou, esta terça-feira, na Web Summit, para a necessidade de “cada um assumir a sua responsabilidade” no acordo de incidência que foi firmado nos Açores. 

José Manuel Bolieiro assegurou que está a ser feito “tudo para cumprir” a solução governativa, mas lembrou que o executivo é “plural” e “depende da centralidade” do projeto. 

Contudo, assume que vai manter “humildade democrática, paciência democrática e sentido de responsabilidade” nas negociações onde disse serem necessárias “cedências mútuas” para se chegar a “um denominador comum próprio”. 

Apesar de os partidos da coligação não se quererem arriscar em possíveis cenários e soluções, fontes do Governo regional e do PSD Açores não têm dúvidas de que o processo está longe de estar encerrado e apostam tudo nas negociações das próximas semanas, principalmente com os indecisos. 

Ainda assim, fonte do executivo admite que houve alterações, nomeadamente no endividamento, que “passaram pelas circunstâncias políticas” e, nesse sentido, houve sensibilidade e cuidado em ir ao encontro das propostas de parceiros.

Mas também se enaltece que “há acordos que são para ser cumpridos na legislatura” e impossíveis de concretizar já no segundo orçamento e que, por isso, “a posição do Governo é de diálogo e construção. A “expectativa é que acordos sejam cumpridos”, havendo a possibilidade de negociar compromissos para serem fechados na especialidade.

Chega quase complicou a vida ao Governo regional

Esta não é a primeira vez que o Governo regional dos Açores está em dificuldades, já que o Chega — um dos partidos com acordo de incidência parlamentar — teve uma crise interna que ameaçou a estabilidade da solução governativa e o próprio acordo.

Tudo começou com um desentendimento entre Carlos Furtado, na altura líder do Chega/Açores, e José Pacheco, secretário-geral do partido na região, que levou André Ventura aos Açores e a tentar resolver o problema sem que o partido ficasse com uma baixa entre os representantes do arquipélago.

No final de contas, foi retirada a confiança ao até ali líder do Chega/Açores, Carlos Furtado, que, ao contrário do que a direção do partido pretendia, acabou por ficar no Parlamento regional como deputado não-inscrito.

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