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Ia de férias com Vladimir Putin, praticava desportos com ele e até o escolheu como padrinho de uma das suas filhas. Dono de uma fortuna estimada em 620 milhões de dólares (aproximadamente 572 milhões de euros), Viktor Medvedchuk gostava aliás sempre de recordar o episódio em que o Presidente russo o foi visitar à sua casa na Crimeia, tendo oferecido à sua filha um bouquet de flores e um urso de peluche.
A amizade entre Medvedchuk e Putin foi-se solidificando ao longo dos anos, mas intensificou-se em 2014, após o Euromaidan — a Primavera ucraniana, uma onda de manifestações e agitação civil, em que os ucranianos exigiram maior integração europeia e medidas contra a corrupção no governo — e a anexação da Crimeia. Com a saída do ex-Presidente pró-russo Viktor Yanukovych e com um novo regime na Ucrânia que tencionava cortar todos os laços com a Rússia, o Presidente russo tentou procurar aliados (e também fontes de informação) que pudesse manter no país vizinho.
Viktor Medvedchuk tinha o perfil ideal para ser um intermediário do Kremlin na Ucrânia, uma vez que tinha desempenhado vários cargos públicos em diversos governos ucranianos e tinha sido membro do parlamento. Em 2019, quando Volodymyr Zelensky estava prestes a vencer as eleições e a tornar-se Presidente, o magnata foi um dos principais mensageiros do que é que a Rússia esperava do seu mandato: “[O Kremlin] não tem qualquer expectativa. Querem ver o que acontece depois, com quem é que ele interagirá e como é que ele o fará”.
Três anos depois, e 48 dias após o início da invasão russa, Viktor Medvedchuk acabou detido esta terça-feira, uma informação que foi partilhada pelo próprio Volodymyr Zelensky nas suas redes sociais. Já tinha sido condenado a prisão domiciliária, mas após o início guerra tinha conseguido fugir, tendo estado em paradeiro desconhecido. Mediante uma “operação especial” dos serviços de informação, o magnata está agora sob tutela do exército ucraniano, cuja farda usou para se camuflar. Ao final da noite, depois de o Kremlin ter falado em ‘fake news’, Zelensky admitiu trocá-lo por prisioneiros ucranianos.
Abertamente contra a NATO e contra a política de alinhamento com o Ocidente que a Ucrânia seguiu nos últimos anos, Viktor Medvedchuk foi criticando de forma cada vez mais dura a atuação do Presidente ucraniano. Na sua conta pessoal no Twitter, o magnata acusava o governo de ouvir tudo o que Ocidente dizia, “estando sob controlo externo” e a ser alvo de uma “política de colonização”. Daí que, em parte, tenha ganhado o estatuto de inimigo n.º 1 do regime ucraniano — e, claro, de Volodymyr Zelensky.
https://twitter.com/MedvedchukVV/status/1496069060005699588
A ligação ao KGB, os cargos na Justiça e a fuga para a Suíça
Nascido em 1954 na Sibéria, que na altura fazia parte da União Soviética tal como a Ucrânia, Viktor Medvedchuk esteve desde jovem envolvido na atividade política do regime. Esteve inscrito na Komsomol, organização juvenil soviética, através da qual entrou para o KGB, a polícia secreta da URSS. Licenciou-se em Direito, trabalhou como advogado e chegou a altos cargos jurídicos — foi, por exemplo, membro do Supremo Tribunal de Justiça ucraniano.
O seu percurso na política começou apenas nos anos 90, após a independência da Ucrânia, devido às boas relações que mantinha com o primeiro Presidente ucraniano, Leonid Kravchuk — os dois fundaram o Partido Social Democrata da Ucrânia. O cargo de maior destaque ocupou-o em 2002, quando se tornou um dos principais braços direitos de Leonid Kuchma, Presidente pró-Rússia, que levou a que Viktor Medvedchuk privasse e criasse amizade com Vladimir Putin.
Mesmo após algumas viragens políticas que o levaram a desaparecer da cena pública, o magnata continuou, sempre, a apoiar a presença russa na Ucrânia. Em 2012, criou a plataforma Ukrainian Choice, que se opunha frontalmente à adesão do país quer à União Europeia, quer à NATO. Dois anos mais tarde, com a revolta popular a tomar conta das ruas e com a deposição do ex-Presidente Viktor Yanukovych, fugiu para a Suíça.
O regresso à Ucrânia e o substituto ideal de Zelensky para Putin?
Em 2015 regressou a Ucrânia como mediador de paz, para tentar resolver os diferendos entre a Rússia e a Ucrânia na região de Donbass. A partir daí, foi voltando a ganhar preponderância na vida política, defendendo um estatuto especial para as regiões de Donetsk e Lugansk, uma das justificações que o Kremlin usou agora para invadir o país.
Juntou-se, em 2018, à Plataforma de Oposição, partido que defendia os interesses das minorias russas na Ucrânia. Nas eleições presidenciais de 2019, Viktor Medvedchuk apoiou Yuri Boyko, tendo usado a sua ligação ao Kremlin para organizar um encontro entre o candidato e o então primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev. Contudo, o apoio não surtiu efeito: Yuri Boyko não foi além de um quarto lugar na primeira volta da votação, não se conseguindo apurar para a segunda.
Todo este passado político indiciava que Viktor Medvedchuk seria o escolhido por Vladimir Putin para substituir Volodymyr Zelensky — que o Presidente russo terá tentado já por várias vezes (e sempre sem sucesso) assassinar. O Kremlin desejaria que desempenhasse o papel de “Presidente fantoche”, o que fortaleceria os laços com a Rússia e virava costas à aproximação ao Ocidente que a Ucrânia tem encetado, copiando o que acontece na Bielorrúsia.
A acusação de “traição ao mais alto nível” à Ucrânia
Pelo meio da sua recente atividade política, Viktor Medvedchuk foi acusado, em 2021, pelo Ministério Público da Ucrânia de “traição ao mais alto nível”. Em causa, o incentivo à independência do Donbass e um esquema que financiava os líderes das regiões separatistas através dos lucros obtidos pela exploração de recursos naturais na Crimeia.
“Vingança e represálias”, reagiu na altura Viktor Medvedchuk, que ficou em prisão domiciliária com pulseira eletrónica até o início da invasão, que possibilitou a sua fuga. Na altura da sua detenção, os serviços de informação ucranianos sinalizaram que os crimes perpetrados pelos “traidores pró-russos” e pelos “agentes dos serviços secretos russos” não têm validade — e que a “justiça acabará sempre por chegar”.
Entretanto, o partido em o magnata que o estava filiado — a Plataforma de Oposição — também acabou por ser extinto por Volodymyr Zelensky.
As suspeitas de corrupção e os negócios suspeitos
O esquema que permitia o financiamento dos líderes separatistas não era o único escândalo em que estava envolvido Viktor Medvedchuk. O portal de investigação OCCRP dá conta de que o magnata e Taras Kozak, outro político ucraniano, conseguiram adquirir 42% da empresa petrolífera Yug Energo, de que o bilionário russo Sergey Kislov era sócio maioritário, por apenas 40 mil dólares (aproximadamente 36 mil euros).
O valor era irrisório em comparação com o tamanho da empresa: a Yug Energo explorava a região petrolífera de Novoshakhtinsky, no sul da Rússia, que obtinha milhões de euros de lucro por ano. Por detrás deste negócio estará o financiamento encapotado do partido Plataforma da Oposição: no ano em que Viktor Medvedchuk se filiou no partido, os dois sócios adquiriram 93% da empresa.
Um caso idêntico ocorreu em 2016, quando o magnata pagou apenas mil dólares (cerca de 924 euros) pela participação numa empresa que detém os direitos de uma exploração petrolífera russa que produz quase mil milhões de barris de petróleo por ano.
A casa abandonada: o seu vagão-restaurante (oferecido pela mulher)
A fortuna de Viktor Medvedchuk permitia que a gastasse nas mais diversas excentricidades. No ramo imobiliário, o magnata possuía várias casas na Ucrânia, que entretanto foram apropriadas pelo governo (tal como um jato que estava em solo ucraniano).
Uma equipa de jornalistas do órgão de comunicação social Slidstvo decidiu visitar uma das casas do magnata, em Pushcha-Vodytsya, no norte de Kiev, que estava em obras. Com uma fachada imponente, o interior da moradia tinha andaimes, estando despojada de qualquer decoração. No entanto, em certas divisões, os jornalistas encontraram caixas com objetos valiosos — desde obras de arte a peças de roupa.
A descoberta mais surpreendente estava escondida por uma grande cobertura verde. No jardim da aparatosa moradia, Viktor Medvedchuk tinha um vagão-restaurante, uma espécie de recriação de um comboio luxuoso, com capacidade para 40 pessoas. O interior da carruagem também era faustoso, com a decoração em tons de dourado a contrastar com o veludo vermelho das cadeiras e verde dos sofás.
Dentro do vagão, havia uma cozinha, um compartimento VIP, uma casa de banho e um bar — que curiosamente tinha copos com o brasão de armas da Rússia. Ao que apurou o Slidstvo junto a um dos construtores do vagão-restaurante, este foi uma prenda de aniversário por parte da mulher, a apresentadora de televisão Oksana Marchenko.
У Медведчука знайшли "золотий" вагон https://t.co/bsyFvJZHHT pic.twitter.com/S9oeJl1mfS
— Українська правда ✌️ (@ukrpravda_news) March 13, 2022
A construção deste vagão envolveu mais de uma centena de trabalhadores, tendo durado aproximadamente um ano. A cobertura verde levava a crer que Viktor Medvedchuk queria escondê-lo de um possível ataque aéreo. Agora já não deverá poder desfrutar dele.