Apenas 28% dos investigadores são mulheres, escreve a L’Oréal em comunicado de imprensa. É exatamente para dar mais destaque às mulheres na ciência, que a empresa criou o prémio que distingue anualmente várias mulheres em todo o mundo.
No ano em que o prémio completa 20 anos, são distinguidas quatro jovens investigadoras portuguesas que trabalham na área da saúde e ambiente, entre as 70 candidatas deste ano. Só em Portugal, e desde 2004, a L’Oréal — em parceria com a Comissão Nacional da UNESCO e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia — já distingiu 25 investigadoras. Além da Medalha de Honra, as laureadas vão receber um prémio de 15 mil euros.
“As Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência são atualmente consideradas uma das mais prestigiantes distinções no nosso país”, refere Cátia Martins, representante da L’Oréal em Portugal. “Estes prémios não visam apenas reconhecer o trabalho fantástico realizado por jovens cientistas, mas pretendem também inspirar outras mulheres a seguirem uma carreira na área científica, desafiar mentalidades, transformar sistemas e promover um mundo inclusivo sustentado por uma política de igualdade de oportunidades baseada no mérito.”
Os prémios serão entregues esta quarta-feira, às 10h30, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa.
Antibióticos servidos em nanodoses à porta das bactérias
E se fosse possível entregar o antibiótico mesmo à porta da bactéria? Isso poderia significar uma menor quantidade de antibiótico para matar o mesmo número de bactérias. Pelo menos é isso que espera Carina Crucho, investigadora no Centro de Química-Física do Instituto Superior Técnico.
A investigadora tem trabalhado na área da nanotecnologia desenvolvendo materiais que possam servir de veículo a fármacos, mas o trabalho agora distinguido é uma área de trabalho totalmente nova para Carina Crucho. “Este projecto foi escrito a pensar no prémio da L´Oreal”, conta ao Observador. “O mundo das nanocápsulas é totalmente novo para mim. É um novo desafio.”
As nanocápsulas de sílica a utilizar neste projeto são muito, muito pequenas — terão entre 30 e 100 nanometros (sendo que cada nanometro é um milionésimo de milímetro). São tão pequenas que o organismo se consegue livrar delas quando já não são necessárias. As mais pequenas são eliminadas pelo próprio sistema de limpeza do corpo, como os rins, as maiores são apanhadas e eliminadas pelo sistema imunitário.
Mas antes disso, a nanocápsula carregada de antibiótico vai cumprir a sua função: chegar até às bactérias e libertar o antibiótico. O açúcar que vai decorar a nanocápsula permite que esta se dirija a um alvo específico para aí poder atuar. E só então libertar o antibiótico. “Estas nanopartículas vão ter uma particularidade extra, vão ser sensíveis ao microambiente bacteriano, ou seja, as partículas só vão libertar o antibiótico na presença das bactérias.”
Desta forma a investigadora espera que se melhore o efeito terapeutico do antibiótico, porque há uma maior concentração local de antibiótico onde ele realmente é necessário. Evitando o uso de doses mais altas, Carina Crucho espera também que o uso destas nanocápsulas possa contribuir para evitar o desenvolvimento de bactérias resistentes.
O valor do prémio, conta a química, vai ser aplicado em reagentes e consumíveis, análises (incluindo testes biológicos) e na disseminação do projecto.
Baralhar os ponteiros do relógio biológico do parasita da malária
Muitos organismos vivos têm um ciclo circadiano de 24 horas que regula as suas funções internas. Conhecer melhor o relógio biológico do parasita que provoca malária pode ajudar a combater a doença. Assim espera Inês Bento, que trabalha no laboratório de Maria Mota no Instituto de Medicina Molecular. E o prémio Nobel da Medicina 2017, com o destaque que deu a esta área de investigação, pode dar um pequeno empurrão.
“Sendo este relógio biológico responsável pelo controlo do tempo, pela antecipação das alterações previsíveis do meio ambiente e pela adaptação às mesmas em diversos organismos, acreditamos que será igualmente importante para o parasita da malária e existirá independentemente da fase do seu ciclo de vida ou do hospedeiro em que se encontra”, diz ao Observador.
Há ciclos moleculares diários — com acumulação e diminuição de certas moléculas ao longo de um período de 24 horas — que já são conhecidos e que “existem nas várias fases da vida do parasita, independentemente do hospedeiro em que se encontram e da divisão celular do parasita”. Descobrir que moléculas são essas e quais as suas funções, estão entre os objetivos de trabalho da investigadora.
Uma vez conhecidas as moléculas mais importantes no processo, há que pensar em modificá-las e ver qual o efeito que têm no parasita. “A nossa hipótese é a de que o parasita da malária sem o seu relógio biológico estará menos preparado para as alterações previsíveis do seu meio ambiente, a célula”, explica Inês Bento. “Assim, terá menor capacidade de se desenvolver com sucesso dentro do hospedeiro, o que levará à atenuação ou mesmo bloqueio do desenvolvimento da infeção.”
O projeto vai focar-se no parasita humano — Plasmodium falciparum —, mas para a investigadora seria interessante perceber como funciona o relógio biológico nas outras espécies de Plasmodium. “Encontrar um estudante motivado, que queira fazer parte da nossa equipa de investigação e nos ajude a atingir as metas com maior rapidez e sucesso será uma possível e ótima aplicação do valor do prémio.”
Clima: estudar o passado para conhecer o futuro
A melhor forma de prever e precaver o futuro é estudando o passado, pelo menos no que às alterações climáticas diz respeito. Estudar uma altura da história em que a ação do homem tinha pouco impacto no planeta, permite perceber de que forma as condições naturais afetam as alterações climáticas. E este é o objetivo de Dulce Oliveira, investigadora no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
“Só se pode confiar plenamente nos cenários de alterações climáticas futuras produzidos por modelos do clima muito complexos após demonstrar que é possível modelar os episódios importantes de alterações climáticas, por causas naturais, que ocorreram no passado”, diz Dulce Oliveira ao Observador.
O que os cenários futuros nos dizem é que um aumento global da temperatura será acompanhado por eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, com os expectáveis prejuízos humanos, ambientais e económicos.
Estudar simultaneamente a costa atlântica de Portugal e dos Estados Unidos vai permitir não só perceber que fenómenos atingiram estes locais no passado como avaliar o impacto que podem ter fenómenos equivalentes — como secas, inundações, tempestades ou incêndios — nos ecossistemas mais vulneráveis dos dois países.
Com o prémio agora atribuído, a investigadora vai conseguir financiar várias análises laboratoriais e formações específicas na área de Paleoclimatologia. A possibilidade de poder participar em congressos e workshops internacionais para divulgar os resultados do projeto também são importantes para a investigadora.
Estimular a regeneração do tecido ósseo em laboratório
Os ossos precisam de estímulos mecânicos para se regenerar, o que se torna mais difícil de conseguir em doentes que estão imobilizados. Estimular remotamente o tecido e permitir que o osso recupere a função original é o objetivo de Margarida Fernandes, investigadora Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho.
O primeiro passo é criar uma matriz tridimensional porosa — em formato de esferas ou cubos — que as células ósseas possam usar como suporte para se replicarem. Depois é preciso fornecer estímulos para que esta replicação aconteça.
Os estímulos naturais acontecem quando uma pessoa anda ou salta. Mas nestes materiais aplica-se um campo magnético que faz com que as partículas mudem de forma. Esta forma alternativa de dar um estímulo mecânico às células é igualmente eficaz na geração de cargas elétricas essenciais ao desenvolvimento do osso.
Por enquanto, a investigadora vai focar-se no desenvolvimento destas células ósseas em laboratório e os estímulos serão dados num bio-reator (uma solução que permite o desenvolvimento de estruturas tridimensionais). Uma vez formado o tecido pode ser destacado da matriz e implantado no doente. Outra abordagem é implantar a matriz com as células ósseas no doente e fornecer remotamente os estímulos magnéticos para que o tecido ósseo se desenvolva.
“O apoio financeiro permitirá fazer ensaios mais específicos e disseminação de resultados de uma forma que não estariam inicialmente planeados no orçamento do projeto, o que se traduz na valorização da atividade científica que estou a desenvolver”, conta a investigadora ao Observador.