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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

De rutura em rutura até ao golpe final. Como Ventura dispensou o antigo braço direito

Eram amigos desde a JSD, estiveram juntos na criação do Chega, eram unha com carne até deixarem de ser. Desconfiança da direção e excesso de protagonismo ditaram saída do chefe de gabinete de Ventura.

Desconfianças, suspeitas, controlo. A relação entre André Ventura e Nuno Afonso, até aqui chefe de gabinete e peça nuclear do universo Chega, foi-se deteriorando nos últimos meses. Na direção do partido, o militante número dois começou a tornar-se progressivamente incómodo — pelas posições públicas que assumia e por sobre ele recaírem suspeitas de estar na origem de várias fugas de informação para a imprensa. O desfecho tornou-se inevitável: Nuno Afonso recebeu guia de marcha direta.

A história deste divórcio foi sendo escrita paulatinamente. O antigo vice do partido foi sendo afastado de cargos e posições de maior poder e a única coisa que o líder do Chega manteve nas mãos de Nuno Afonso foi a chefia do gabinete parlamentar. Não durou muito mais de um mês: acabou exonerado sem que Ventura fosse capaz de explicar publicamente o motivo.

Com o início da legislatura e com a chegada dos novos deputados do Chega ao Parlamento, o ambiente de crispação à volta de Nuno Afonso foi crescendo — com mais gente a disputar o tempo mediático, o papel do militante número dois começou a ser pouco compreendido. O partido tentou impor uma lei da rolha para impedir que os parlamentares falassem com a comunicação social sem passarem pelo crivo da equipa de comunicação, mas as fugas de informação continuaram a suceder-se.

O caso mais gritante foi a notícia, avançada pelo Observador, de que os gabinetes parlamentares do Chega estavam decorados com várias fotografias do líder do partido nas paredes. Os olhares da direção voltaram-se para Nuno Afonso, sem que houvesse indícios sequer nesse sentido. Prova de que a desconfiança e o desconforto eram já generalizados.

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O facto de algumas decisões de André Ventura e da direção estarem a ser contestadas publicamente pela oposição interna do partido também não ajudou a amenizar as relações com Nuno Afonso. Não porque o agora ex-chefe de gabinete estivesse na origem das mesmas, mas porque é percecionado por alguns militantes como possível sucessor de André Ventura — e o excesso de protagonismo tramou-o.

A juntar a isto tudo, Nuno Afonso foi o único elemento da direção que não votou favoravelmente (absteve-se) a proposta que André Ventura levou ao Conselho Nacional para adiar as eleições distritais e para que as concelhias continuassem a ser nomeadas num período que pode ir até um ano.

Acontece que o vereador de Sintra já tinha demonstrado interesse em candidatar-se à distrital de Lisboa, uma das estruturas mais importantes do partido. A direção desmentiu publicamente a intenção de adiar as eleições internas, mas o dano já estava causado.

O caso mais gritante foi a notícia, avançada pelo Observador, de que os gabinetes parlamentares do Chega estavam decorados com vários quadros do líder do partido.Todos os olhares se voltaram para Nuno Afonso, prova de que a desconfiança e o desconforto era já generalizados

A relação de anos que acaba exonerada

Amigo de André Ventura há mais de 20 anos e politicamente próximo do presidente do Chega desde os tempos da JSD e do PSD — em que chegou a ser conselheiro nacional — Nuno Afonso é fundador do Chega e dos principais responsáveis pelo processo de recolha de assinaturas para a criação do partido. Processo envolto em polémica, com suspeitas de falsificação de documentos e que chegou a ser investigado pelo Ministério Público.

Apesar de ter sido um dos pilares da fundação do partido, perdeu força desde o dia em que André Ventura o despromoveu de vice-presidente para vogal da direção. Ali, no III Congresso do Chega, em Coimbra, assistia-se ao início do fim de uma amizade que andava de braços dados com a política.

Nuno Afonso nunca escondeu o desconforto e o descontentamento com a decisão de André Ventura. Em plena reunião magna, e ainda antes de ter certezas sobre a despromoção, deu uma entrevista ao Observador em que assumiu que isso o deixaria “magoado”. No palco disse ainda mais: “Apunhalado.”

O que se passou nas semanas e meses seguintes comprovou a teoria de afastamento entre os dois: Nuno Afonso, que tinha tido o papel de coordenador autárquico nas eleições em que o Chega conseguiu eleger quase 400 autarcas a nível nacional e que tinha sido eleito vereador em Sintra com o melhor resultado do Chega a nível nacional (mais de 11 mil votos), ficou de fora da comissão autárquica nacional escolhida por André Ventura.

O facto de algumas decisões de André Ventura e da direção estarem a ser contestadas publicamente pela oposição interna do partido também não ajudou a amenizar as relações com Nuno Afonso. Não porque o agora ex-chefe de gabinete estivesse na origem das mesmas, mas porque o militante número dois do partido é visto por alguns militantes como possível sucessor de André Ventura -- e o excesso de protagonismo tramou-o

Pouco depois, a (quase) gota de água. Ao contrário de grande parte dos membros da direção e do núcleo duro de Ventura, Nuno Afonso ficou de fora das listas de candidatos a deputados para a Assembleia da República. Na altura, o líder do Chega terá dito que Nuno Afonso iria “fazer falta” no cargo de chefe de gabinete para justificar a decisão.

Longe dos holofotes durante toda a campanha eleitoral (onde só esteve no mesmo sítio do líder do partido no almoço de encerramento), Nuno Afonso foi perdendo visibilidade e só voltou a ser tema pouco antes da tomada de posse dos novos deputados, com André Ventura a dar-lhe mesmo a continuidade no cargo de chefe de gabinete — onde estava desde que o Chega conseguiu eleger um deputado único, em 2019.

Agora, já depois de ter perdido lugar no inner circle de Ventura, o número dois do Chega foi atirado borda fora do Parlamento. Fica a questão: sairá do palco principal do partido sem dar luta ao líder até aqui incontestado?

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