É preciso descer dois andares de escadas e passar por outros tantos corredores para chegar à entrada do que mais parece o acesso ao cofre de um banco. A porta, com duas fechaduras — uma em cima e outra a meio —, só é aberta também com a introdução de um código que poucos — muito poucos — conhecem. O processo de a abrir é demorado por todas as razões de segurança que o espaço exige. Ou melhor, aquilo que o espaço guarda. Ali está toda a reserva de desinfetante produzido pelo Laboratório Militar e os medicamentos que ajudam no tratamento da Covid-19.
É a Reserva Nacional Estratégica, o local de onde têm saído os materiais necessários para lidar com a pandemia do novo coronavírus em Portugal. À guarda do Exército, o espaço já juntava todas as reservas de material hospitalar do Serviço Nacional de Saúde. Nas últimas semanas, foi-se enchendo com o que está a ser comprado especificamente para tratar os infetados ou suspeitos: máscaras, luvas, fatos individuais, óculos, proteção para cabeça e pés, kits de testes e todos os medicamentos utilizados pelos hospitais para a a Covid-19.
Medicamentos e desinfetante já ocupam 90% do espaço
A tal sala fechada com temperatura e níveis de humidade controlados ao pormenor, onde o Observador entrou em exclusivo, guarda estes últimos. De paracetamol a antirretrovirais — usados para tratar os retrovírus, como o HIV, e que parecem ter alguns resultados no tratamento da Covid —, esses medicamentos específicos passaram a ocupar 90% do espaço.
Na prática, é um armazém com estantes de três andares completamente cheias de caixas que têm folhas A4 coladas com a informação: “Covid-19. Não mexer. Reserva”. Aos fármacos junta-se o material desinfetante. O Exército dedicou-se nas últimas semanas, a pedido da Direção-Geral de Saúde e devido às necessidades nacionais, a duplicar a quantidade de desinfetante que, anteriormente, só era produzido para o próprio Exército e para alguns hospitais. Esse objetivo já foi alcançado e os militares estão já perto de o triplicar.
Para isso foi preciso suspender a produção de metadona a nível nacional — que também está a cargo do Exército. A distribuição deste substituto de drogas, usado de forma terapêutica em toxicodependentes, não ficou, ainda assim, em causa, por haver uma quantidade considerável de reserva.
“Agora a prioridade é a produção do desinfetante para dar conta daquilo que o SNS nos pediu — e a produção já está quase no triplo daquilo que produzimos até fevereiro”, explica ao Observador a porta-voz do Exército.
Noutro local, já ao nível do solo, estão, sobretudo, os equipamentos de proteção usados pelos profissionais de saúde do SNS. Também ali repetem-se as fortes medidas de segurança — apesar de, na verdade, serem armazéns absolutamente banais, que, em tempos, serviram para guardar material diverso afeto ao Exército, nas traseiras do Laboratório Militar, em Lisboa.
Os cuidados percebem-se na seleção de quem pode circular por ali e num pedido feito ao Observador: só quem tem autorização pode aproximar-se dos armazéns, poucos têm acesso ao seu interior e ainda menos os podem abrir, por isso, as imagens tiveram de ser recolhidas com o maior cuidado possível para não pôr em causa a segurança do que lá está guardado.
Quantidade de material obrigou a procurar outros armazéns
O armazém principal, com dois portões de garagem, é cada vez mais pequeno para as milhares de caixas de equipamento que já vão até ao teto. Por haver tanto material a chegar a Portugal no últimos dias, o Exército viu-se obrigado a arranjar soluções de armazenamento também noutras unidades militares e corredores do edifício principal, com acesso restrito: “Já arranjámos outras alternativas noutros locais, noutras unidades do Exército”, explica a porta-voz.
Uma das remessas mais recentes chegou na manhã do último domingo, 12 de abril. Foram 160 metros cúbicos de caixas, o que equivale a 15 toneladas de material de equipamento de proteção individual. Não ficaram ali muito tempo: uma parte já começou a ser distribuída na segunda-feira. Na operação de transporte — desde o aeroporto até àquele local — estiveram envolvidos 25 militares e cinco viaturas pesadas do Regime e Transportes do Exército.
As inúmeras caixas, vindas, na maioria, da China, têm etiquetas que não deixam dúvidas sobre o destinatário: “Direção-Geral de Saúde” ou “Ministério da Saúde”. Todo este material, comprado pelo Estado ou doado por particulares, chega de avião ao Portugal. Na zona de cargas e descargas do aeroporto de Lisboa é colocado em camiões TIR, que depois são descarregados nestes edifícios do Exército. Durante todo o transporte, os camiões são acompanhados por um forte dispositivo policial.
É a partir dos armazéns que o material é distribuído por toda a rede do Serviço Nacional de Saúde. No caso de os destinatários serem hospitais na zona de Lisboa, podem ser as próprias unidades hospitalares a levantar o que lhes foi atribuído. Para isso, precisam apenas de uma espécie de receita médica: uma lista do material que podem levantar, indicado pelo Infarmed. Nessas listas são indicados o tipo de material e as quantidades.
No caso dos hospitais fora de Lisboa, é o Exército que assegura essa distribuição de norte a sul do país. “O Exército, através do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, armazena, gere e distribui a Reserva Estratégica do Medicamento, em coordenação com o Infarmed, que, em função das necessidades, dá indicação dos locais e das quantidades a abastecer”, explica ao Observador a Coronel Margarida Figueiredo, diretora do laboratório.
No Porto já está a ser usado também um armazém do Exército, de menor dimensão, destinado a armazenar todo o material que chega ao aeroporto do Porto e, a partir de lá, ser distribuído por toda a zona norte do país. Todo o material que ali chega também já tem um destino bem definido. Os dois polos têm o mesmo objetivo: assegurar que, em caso de necessidade e dentro do que a reserva permitir, não falta material médico nos hospitais.