O nome com que Shergili Farjiani se apresentou à polícia de Pádua não podia estar certo — não havia quaisquer dados que ligassem aquele nome àquele rosto. Já na esquadra, depois de ter sido detido sem documentos de identificação junto a uma estação de comboios da cidade, os agentes recolheram as impressões digitais e chegaram à identidade verdadeira do homem que tinham à sua frente. O resultado fez soar os primeiros alarmes. “O georgiano forneceu dados pessoais falsos e com a confirmação das suas impressões digitais descobrimos que ele tinha uma condenação definitiva em Itália”, conta ao Observador Marco Odorisio, chefe da Polícia de Pádua.
Nesse momento os agentes ainda estavam longe de imaginar que, numa operação de rotina nas ruas da cidade, tinham acabado de apanhar um criminoso que não tinha apenas cadastro em Itália — pendia sobre si um mandado de detenção internacional emitido pelas autoridades gregas; e em Portugal procuravam-no por uma fuga, três meses antes, de uma prisão de alta segurança juntamente com outros quatros reclusos. Na verdade, foi o próprio fugitivo a dar as primeiras pistas que permitiram à polícia de Pádua completar o puzzle.
“Enquanto esteve nas nossas instalações, ao saber que também tinha estado em Portugal, [a equipa de agentes] fez algumas pesquisas em fontes abertas na internet, descobrindo que, com outros detalhes, tinha fugido”, descreve Marco Odorisio ao Observador, recordando o desenrolar dos acontecimentos a partir de 5 de dezembro, dia em que Farjiani foi abordado ao volante de um Citroën de matrícula francesa depois de demonstrar uma condução “errática” que despertou a atenção da patrulha. Mais tarde, a patrulha descobriria “uma chave de fendas escondida no interior do carro”.
Na esquadra, já com a informação sobre o nome verdadeiro do georgiano, ouviu-o contar que tinha passado por Portugal algum tempo antes. Foi então que os agentes da polícia de Pádua fizeram uma busca pelas tais “fontes abertas”.
Ora, três dias depois da fuga de Vale de Judeus, a Polícia Judiciária tinha emitido os mandados de detenção internacional dos cinco fugitivos. E no dia anterior já tinham sido emitidos os mandados europeus em nome de Shergili Farjiani, mas também do argentino Rodolf José Lohrmann, do britânico Mark Cameron Roscaleer e dos dois portugueses, Fernando Ribeiro Ferreira e Fábio Fernandes Santos Loureiro.
Naquele dia de início de dezembro, nenhum desses documentos oficiais disparou nos sistemas internos da Polícia de Pádua. Odorisio conta que a equipa só percebeu quem tinha acabado de deter porque juntou o nome de Farjiani a referências sobre Portugal. Uma busca online, uma simples pesquisa no Google. Foi assim que chegaram às notícias sobre a fuga de 7 de setembro que tinha deixado o país em alerta.
“Feitas as verificações com estes outros dados, descobriu-se que ele também era procurado pela Grécia e por Portugal e, por isso, contactámos o Serviço de Cooperação Policial Internacional e procedemos em conjunto” para notificar as autoridades dos dois países de que tinham acabado de descobrir o paradeiro do homem procurado por Lisboa há três meses e por Atenas desde dezembro de 2021. Acabara de ser detido na região norte de Itália, “numa zona de grande concentração de cidadãos magrebinos e do leste [da Europa] que se dedicam a furtos e roubos”, descreveu fonte da PJ ao Observador já esta semana.
Georgiano conduzido para prisão nos arredores de Pádua
Neste momento, mais de uma semana após a detenção de Farjiani, a polícia italiana ainda não conseguiu apurar há quanto tempo o georgiano estava no país. “Estamos a analisar com mais detalhe a sua posição, para apurar há quanto tempo ele chegou à Itália e quais os movimentos que fez” no país, refere o responsável da Polícia de Pádua ao Observador.
Mas o país do sul da Europa seria um dos pontos sinalizados pelas autoridades nacionais, garantiu a Polícia Judiciária no dia seguinte a ter sido divulgada a informação de que o fugitivo de Vale de Judeus tinha sido recapturado — o comunicado titulava “Operação Retorno III”, numa referência aos três evadidos já apanhados em Marrocos, norte de Portugal e, agora, Itália.
Vale de Judeus. Os momentos-chave da fuga da prisão vistos de cima
“Tínhamos a perceção de que seria no Sul da Europa — Espanha, França, Itália — que esta personagem poderia vir a ser localizada, no seio de grupos criminosos que se dedicam a crimes contra a propriedade e foi isso que aconteceu”, disse o diretor nacional da PJ no dia seguinte à notícia da recaptura. Ao lado da ministra da Justiça, Luís Neves enfatizou o “trabalho essencial” realizado pelos “colegas italianos” e que permitiu a deteção do fugitivo georgiano. Em declarações à RTP, ainda elogiou a “utilização dos instrumentos de cooperação internacional”, que começaram a funcionar logo após o momento da fuga da prisão de Alcoentre.
Depois de ter apurado a identidade de Shergili Farjiani, a polícia de Pádua conduziu o georgiano até à prisão de Due Palazzi, a sete quilómetros do centro da cidade. O estabelecimento prisional, construído no início da década de 1960 — e entretanto alvo de uma remodelação — alberga atualmente 235 reclusos, segundo a informação oficial, e dispõe de dois campos de jogos, cinco ginásios, duas bibliotecas e seis salas de aulas.
Depois de ser transferido para aquele local, a polícia de Pádua começou o processo de contacto com as autoridades portuguesas e gregas. “Envolvemos o Serviço de Cooperação Policial Internacional para que os mandados de detenção nos fossem enviados, para concretizarmos a sua execução”, refere Marco Odorisio.
No sábado seguinte, 7 de dezembro, chegou a Pádua “o mandado de detenção” das auroridades gregas que refere que Farjiani “tem de cumprir cinco anos de prisão pelos crimes de roubo agravado cometidos em 2013”. Só três dias mais tarde chegaram as informações de Portugal que davam conta de que “o georgiano de 42 anos era procurado pela sensacional e espetacular fuga a 7 de setembro, da prisão de Vale de Judeus, a cerca de 70 quilómetros de Lisboa”. Uma fuga, acrescentava o comunicado da polícia italiana divulgado a 11 de setembro, que “levou à demissão de altos responsáveis” nos serviços prisionais.