O fecho da época política, em agosto, já antecipava uma discussão para a rentrée socialista com o presidente do PS a colocar na agenda do partido a criação de um imposto para empresas com lucros extraordinários. O líder António Costa mostrou uma abertura menos urgente que a expressa por Carlos César, mas no partido não se encontra quem não defenda “o princípio” nesta altura e são muitos os que não têm dúvidas sobre a necessidade de avançar com a medida já no próximo Orçamento do Estado.

O assunto tem sido tratado com pinças no Governo, onde as declarações públicas sobre a criação de uma contribuição sobre empresas que têm lucrado acima do previsto por causa da atual crise, nomeadamente energéticas e petrolíferas, têm sido cautelosas. O primeiro-ministro já terá estado mais longe da ideia (em concreto sobre petrolíferas, que foi a única que chegou a considerar durante o verão) que já foi discutida no seu núcleo político, mas não deu sinais claros sobre o que pretende fazer, pelo que a entourage aguarda. Enquanto Carlos César, confia.

Quando falou publicamente sobre o assunto, António Costa nunca descartou a ideia que César coloca como um importante sinal político nesta fase. Mas também explicou que não queria duplicar taxas para as empresas, fazendo uma distinção entre o que já existia para as energéticas — pela aplicação do mecanismo ibérico que desagrega a formação do preço da eletricidade do preço do gás — e dizendo que no caso das grandes distribuidoras era preciso perceber a origem do aumento do lucro. Neste momento, garantiu na CNN Portugal não tem uma decisão final fechada: “Nem excluímos, nem decidimos.”

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Foi nas petrolíferas, que estão a ter proveitos significativos devido ao aumento dos preços dos combustíveis, que o primeiro-ministro deixou sempre a porta mais aberta.

No PS, durante estes sete dias de rentrée desfilaram várias opiniões e Carlos César está longe de estar isolado. “Deve ser feita alguma coisa sobre lucros chocantes”, diz o deputado e líder da JS Miguel Costa Matos ao Observador. “O Governo tem de encontrar forma de taxar  as petrolíferas”, defende a eurodeputada Margarida Marques. “Revejo-me completamente na posição do presidente do partido”, atira o deputado Luís Graça. “O que a mão invisível do mercado não resolve, a mão visível do Estado deve tratar”, escreveu o deputado Carlos Pereira na sua página no Facebook ainda esta semana e disse depois na rádio Observador.

Nomes que se juntam não só a Carlos César, como também ao eurodeputado Pedro Marques que esteve na Academia Socialista este fim-de-semana a defender o mesmo que o presidente do partido. E também se juntam à deputada e ex-ministra Alexandra Leitão, que esta semana, no programa Princípio da Incerteza, da CNN Portugal, disse que é “a favor que se estude para implementar o modelo de um imposto extraordinário, porque da mesma maneira que há quem esteja a perder muito, há quem esteja a ganhar muito e, portanto, faz parte do um equilíbrio social essa intervenção do Governo.”

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O líder da JS comenta que há lucros que estão a ser registados “que são excessivos e tem de se arranjar maneira de assegurar que não se concentram na mão de alguns e que são distribuídos de maneira socialmente justa”. Costa Matos considera que “num momento em que as pessoas estão a sofrer” e o contexto é favorável a algumas empresas, “tem de haver esta noção de compensação e de equilíbrio” social.

Margarida Marques afirma que é “a favor da taxa de lucros excessivos, temporária e com receita orientada para o apoio às pessoas e às empresas”. Também refere que ainda não existem dados sobre a eficácia da aplicação das medidas que acabam por ter efeito nos lucros das empresas, nomeadamente as de energia, mas que as petrolíferas não são abrangidas, por exemplo.

E mesmo quem não apresenta especial pressa, não rejeita o princípio. Caso de Luís Capoulas Santos que diz ser “favorável ao princípio, embora agir implique uma ponderação sobre os termos”. “É preciso ver a trajetória da inflação”, diz acrescentando que “talvez seja precipitado neste momento, mas talvez se deva estar atento à situação” da “apropriação excessiva” de lucros gerados em tempo de crise.

Carlos Zorrinho, eurodeputado do partido, diz que já existem medidas para as energéticas e que deve ser “avaliada a aplicação” dessas medidas já tomadas e “em função disso, se ainda houver espaço, deve-se estudar e aplicar uma taxa”.

Jamila Madeira, deputada, não é favorável à aplicação de taxas a setores específicos, como se fossem os “pecadores”. E aponta que em cada crise, os setores beneficiados podem ser distintos, dando como exemplo, em conversa com o Observador, o que aconteceu na pandemia em que os laboratórios também tiveram uma atividade extraordinária. O que a deputada socialista defende é que se consiga tomar uma medida mais transversal e que permita que “as empresas tenham uma maior contribuição para o bem estar comum”.

Já no Governo, o ministro da Economia já tinha dado esse passo, em abril passado, quando numa resposta no Parlamento a Mariana Mortágua, do BE, disse que o Executivo ia “provavelmente considerar um imposto, um windfall tax, para os lucros aleatórios e inesperados que elas estão a ter“.

A pergunta que lhe tinha sido feita na altura relacionava-se com a distribuição de dividendos aos acionistas feita pela EDP e pela Galp Energia. António Costa e Silva teve de vir corrigir o tiro dias depois, dizendo que essa seria sempre uma “solução última”.

Cinco meses depois, o contexto mostra-se, no entanto, próximo daquele que descreveu na altura como fim de linha para aplicação de uma medida do género: “Se, conjunturalmente, uma empresa que esteja com lucros de 20% e de repente passa para 80%, poderemos falar com essas empresas para participarem no esforço de ajuda a economia numa situação difícil”. “Não tem nada de drama, nada de novo”, rematou o ministro.

O princípio paira sobre o Governo, onde o ministro das Finanças se tem mostrado publicamente pouco aberto à solução, ainda que as suas declarações digam respeito a um setor apenas.

“A questão dos preços da energia não é resolvida com taxas”, disse Fernando Medina alinhando com a posição de Costa — que já tinha abordado isto mesmo em agosto — e com o ministro do Ambiente, que esta semana, quando foi confrontado sobre a necessidade de um novo imposto sobre ganhos excessivos, apontou as medidas da sua área que já penalizam as empresas do setor: o mecanismo ibérico e a criação do mercado regulado. Mas não esclareceu se as considera suficientes.

Quanto às petrolíferas, Eurico Brilhante Dias refugia-se no peso das diferentes componentes, em particular o mercado internacional, na formação dos preços dos combustíveis. Isto numa altura em que o líder parlamentar apareceu para travar os mais apressados, fazendo depender qualquer futura medida desta natureza da concertação europeia.

Ora, a Comissão Europeia já fez saber, através da presidente Ursula Von der Leyen, que vai propor aos Estado membros a adoção de medidas neste sentido, afirmando que “as companhias petrolíferas e de gás também estão a arrecadar lucros maciços, pelo que vamos propor que paguem uma contribuição solidária para ajudar a enfrentar esta crise.”

A eurodeputada Margarida Marques diz que “é prudente a concertação” de posições na Europa, mas que “Portugal pode decidir isoladamente”. Isto ao mesmo tempo que também avisa que uma “concertação de líderes europeus é mais favorável no mercado internacional”.

A Comissão avançará com a proposta ao Conselho Europeu e resta saber se esse processo é rápido, criando uma pressão adicional sobre a inclusão da medida já no Orçamento do Estado que Fernando Medina está a ultimar.