Vai crescendo no PS a pressão sobre o Governo para agir sobre os lucros inesperados das empresas que estão a tirar proveito da crise. Na Academia Socialista, que decorre na Batalha, o presidente do partido já o tinha defendido e este sábado o eurodeputado Pedro Marques fez uma intervenção no mesmo sentido, exatamente à mesma hora que o ministro das Finanças, em Praga, colocava um travão a uma medida dessa natureza.

Mas enquanto Fernando Medina vai deixando clara a sua oposição à windfall tax (imposto sobre lucros caídos do céu), há socialistas que não deixam de a pedir. Foi o caso do eurodeputado Pedro Marques que, esta manhã na iniciativa de rentrée do partido, foi claro na defesa da criação do imposto, mesmo que não seja aplicado.

Na Europa, as previsões de lucros extraordinários das empresas (sobretudo energéticas e petrolíferas que beneficiam com o aumento dos preços impulsionados pela inflação) em todo o continente apontam para 200 mil milhões de euros.

“No caso da Península Ibérica já tinha sido dada a primeira machada nesses lucros”, detalhou Pedro Marques referindo-se à criação do mecanismo ibérico que veio intervir sobre as regras da formação de preço do mercado grossista da eletricidade, desligando o preço da energia elétrica do valor do gás natural, bem como à criação de um mercado regulado de gás que o ex-ministro admite que “comprime de forma significativa esses lucros extraordinários”.

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Ainda assim, o socialista defende que “há ainda margem para ir mais longe e defender uma contribuição extraordinária desta natureza”. “Se o lucro excessivo não estiver lá, aprova-se a contribuição e não há nada a cobrar. Se estiver deve ser carreado para o financiamento de medidas de apoio às famílias”, argumentou sobre um tema que, à mesma hora, Medina descartava em Praga, onde está para uma reunião informal dos ministros das Finanças da União Europeia.

Medina: Escalada de preços energéticos “não se resolve com taxas”

Também na Batalha, ainda esta semana, Carlos César tinha insistido no mesmo tema que já tinha defendido através de publicações no facebook semanas antes. Numa sala em que tinha como público essencialmente elementos da Juventude Socialista, o presidente do partido tinha convocado o Governo “pela forma que melhor entender — e na prática estou convencido de que estará identificado — a responsabilidade social da contribuição das empresas mais beneficiadas com este processo inflacionário. É não só justo como necessário”, rematou sobre o assunto.

Antes das férias, o primeiro-ministro tinha admitido estudar a hipótese, quando questionado sobre a intervenção do presidente do seu partido. O ministro das Finanças parece estar a resistir a um avanço nesse sentido.

Governo está a estudar novo imposto sobre lucros excecionais das empresas

Na manhã da Academia Socialista, o painel onde participou Pedro Marques dedicou-se ao debate da “crise Inflacionista: causas e consequências”. A outra oradora foi a economista Cristina Casalinho, que até julho foi presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) que avisou para a “dor” que vai provocar o controlo da inflação.

“Os níveis de baixo desemprego estão a atingir valores recorde e o crescimento dos salários nominais está a acontecer e isso propicia a criação de uma espiral inflacionista”, explicou a economista que alertou para o risco de os bancos centrais atuarem tarde, apenas “quando as expectativas de inflação são as mais elevadas” argumentando que isso vai “levar a custos mais altos ao nível da economia”:

“De uma forma ou outra, para controlar a inflação vamos ter sempre custos ao nível do Produto [Interno Bruto], portanto vamos ter sempre alguma dor”, acredita Casalinho.

A economista diz que é essencial que se tomem medidas para “evitar que a inflação se enraize”, ou seja, que se evitem “espirais preço/salários”. “A pessoas começam a ter um comportamento que reforça a ideia de indexação [de preços a salários] que devemos evitar”, anota apontando para o atual momento de “um ponto de inflexão, em risco de uma mudança de paradigma”.

Lembra também que o FMI definiu que a prioridade dos decisores políticos neste momento deve ser “conter a inflação e evitar a desancoragem da inflação” e que isso “deve ser feito com políticas com impactos sobre os mais vulneráveis”.

As medidas tomadas pelo Governo no mais recente pacote anti-inflação, apresentado na passada segunda-feira, alargaram a base de população apoiada. O próprio ex-ministro Pedro Marques anotou isso no início da sua intervenção ao dizer que se as transferências iniciais foram para grupos em situação de pobreza extrema, “agora o Governo decidiu uma transferência de uma vez e maior para uma muito maior parte da população. Abrange pessoas até ao dobro do rendimento médio do país”, detalhou.