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Aos 42 anos, Tiago Guedes continua a assumir o leme do Teatro Municipal do Porto e, para já, não se imagina noutro papel
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Aos 42 anos, Tiago Guedes continua a assumir o leme do Teatro Municipal do Porto e, para já, não se imagina noutro papel

Rui Oliveira/Observador

Aos 42 anos, Tiago Guedes continua a assumir o leme do Teatro Municipal do Porto e, para já, não se imagina noutro papel

Rui Oliveira/Observador

Diretor artístico do Teatro Municipal do Porto: “Não posso dizer se a minha imagem sai ou não fragilizada, o público julgará isso"

Tiago Guedes é diretor artístico do Teatro Municipal do Porto há seis anos. Em entrevista, fala da nova programação, dos desafios na cultura em tempos de pandemia e da acusação de censura.

Começou por estudar piano, descobriu o teatro e apaixonou-se pela dança. Ainda considerou formar-se em jornalismo, mas o gosto por coreografar falou mais alto. Com 24 anos, Tiago Guedes apresentou o seu primeiro solo, o mesmo que o levou pelo mundo com uma mochila às costas. Parou em França, onde foi artista associado num teatro e experimentou a programação, fazendo dela um ato criativo. “É como se fosse uma grande peça, mas partilhada com muito mais gente e onde as coisas não dependem só de ti. É um processo de criação coletiva e colaborativa.”

Não queria ser mais um bailarino estrangeiro além-fronteiras e decidiu regressar. “Preferi vir para Portugal e imaginar um projeto de programação que pudesse marcar a diferença e tocar as pessoas.” Parece tê-lo conseguido ao criar o Festival Materiais Diversos, levando a cultura à vila onde nasceu, Minde. Depois de dirigir o Teatro Municipal de Alcanena, ganha o leme do Teatro Municipal do Porto, um desafio maior onde diz ter partido do zero, “ou do menos um”. Havia tudo para fazer, a cidade passava por uma transformação política, onde a cultura era uma bandeira, e o histórico Rivoli estava colado ao teatro musical.

A dança tornou-se o pilar da sua programação e, apesar das críticas, garante que o público tem correspondido à agenda. Em fevereiro, alguns artistas acusaram a instituição de censura e abuso de poder, um episódio polémico que mereceu um manifesto entregue à Assembleia da República, declarações políticas e uma reflexão interna. Tiago Guedes dispensa alimentar o assunto, assegura ter sido discutido “no tempo certo e no lugar próprio” e não teme consequências ou represálias.

O Teatro Municipal do Porto tem uma nova temporada, de Marlene Monteiro Freitas ao digital

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Inquieto e insatisfeito, aos 42 anos diz gostar das coisas difíceis e recusa acomodar-se. Ainda que mantenha o otimismo, reconhece que a pandemia pôs a nu as fragilidades e a precariedade do setor artístico, onde considera serem prioritárias a elaboração do estatuto do trabalhador intermitente e a descentralização da cultura.

Seis meses depois, o Rivoli e o Campo Alegre voltam a abrir portas no próximo dia 17 de setembro, com Jonathan Uliel Saldanha como artista associado, um foco dedicado à coreógrafa Marlene Monteiro Freitas e uma aposta clara em conteúdos online.

"A intenção é fazer uma programação rica, cosmopolita, interessante, com afirmações, mas também com descobertas, onde as pessoas possam aos poucos confiar na nossa agenda, sabendo da sua diversidade."

Rui Oliveira/Observador

Fale-me das suas origens.
Nasci em Leiria, mas sou de uma pequena vila no concelho de Alcanena, distrito do Ribatejo, chamada Minde, onde vivi até aos 18 anos. Foi precisamente nessa vila, muito ativa culturalmente com todo um lado ligado ao associativo, onde comecei a estudar música no conservatório. Até aos 18 anos estudei piano e paralelamente comecei também a estudar teatro a dança, tendo no 10º ano o meu primeiro contacto com essas artes. Foi a partir daí que comecei a derivar o meus interesses da música para a dança e o teatro.

Tinha alguma influência familiar no universo das artes?
Sim, tinha primos que tocavam de uma forma amadora na banda local, a orquestra filarmónica, e uma prima em segundo grau muito próxima que era professora de música no conservatório e foi com ela que comecei a aprender. Quando já estava numa fase avançada, tinha que decidir seguir música, com toda a dedicação, mas essa altura coincidiu com o facto de eu estar a descobrir outras coisas. Então terminei o 12º em artes e tinha uma panóplia de possibilidades, entrei em jornalismo e na escola superior de dança. Inicialmente achei que poderia fazer as duas coisas, mas muito rapidamente percebi que o curso de dança tinha uma exigência enorme, tanto física como psicológica. Aí tomei a decisão de me dedicar inteiramente à dança.

O que o fascinava na dança?
Sempre mais interesse na coreografia do que na interpretação. Rapidamente percebi que a escola não me dava a oferta formativa que eu achava necessária para ser mais plural possível e decidi fazer alguns workshops em Lisboa. Foi ai que conheci todos os coreógrafos da geração da Vera Mantero, João Fiadeiro, Francisco Camacho, Miguel Pereira, com quem vim a trabalhar mais tarde.

Quando surge a experiência internacional?
Quando saí da escola superior de dança ainda fiz alguns trabalhos como intérprete com alguns coreógrafos, mas achei que era o lado da criação que me interessava mais e comecei a fazer os meus próprios espetáculos. No antigo Danças na Cidade, que hoje é o Festival Alkântara, eles tinham um concurso ao qual eu concorri, escolhendo um espaço improvável para apresentar uma proposta. O meu projeto selecionado e escolhi uma sala na Galeria Zé dos Bois. Fiz o meu primeiro solo nesse contexto com 24 anos, estava relacionado com os meus interesses na época. A ideia era fazer uma peça a partir do espaço privado, sobre o que fazemos quando estamos sozinho em casa, como  construímos e desenvolvemos a nossa intimidade, ao mesmo tempo, ia transformando aquele lugar. Estavam lá muitos programadores internacionais que assistiram a esse espetáculo, além de ter conseguido ir apresentar esse trabalho a um festival parceiro no Rio de Janeiro, fui também convidado a fazer esse solo em muitos outro sítios, esteve em circulação durante 8 anos. Viajava com uma mochila e tinha as minhas coisinhas lá dentro, acho que fiz essa peça umas 300 vezes em todo o mundo. Foi o início do meu trabalho, um início um pouco atípico. Foi tudo muito rápido, de repente, tinha convites de todo o mundo.

Como descobre a programação?
Posso dizer que tive uma década dedicada à criação e estou a ter uma década dedicada à programação. O meu trabalho começou a ser muito apresentado em Franca, onde toda a terrinha tem um teatro. Fui convidado para ser artista associado no Théâtre Le Vivat, perto de Lille, durante três anos, entre 2006 e 2008 o meu trabalho foi muito intenso por lá. Cheguei a uma altura em que equacionei a possibilidade de estabelecer-me em França, criar a minha companhia e passar a ser mais um artista não francês em França, até que a diretora do teatro convidou-me para ser curador de um foco de programação de artistas portugueses. Nunca tinha feito nada do género, então decidi apresentar os trabalhos que gosto, de colegas que conheço. Assim foi a minha primeira experiência de programação e gostei muito.

"A pandemia deixou a nu um setor com bastantes fragilidades, que a meu ver não se prende com os dirigentes atuais. Há problemas endémicos, que vêm de há muitos anos e há grandes desafios que têm que ser resolvidos e agora não há escapatória."

Programar também pode ser criar?
Para mim a programação é mesmo um ato criativo, não é à toa que chamamos diretor artístico a uma pessoa que dirige a programação de um sítio. Primeiro, porque é preciso ser muito inventivo, imaginar focos, decidir com os artistas contextos de programação, imaginar com as equipas do teatro como comunicar e como fazer a mediação de públicos. É como se fosse uma grande peça, mas partilhada com muito mais gente e onde as coisas não dependem só de uma pessoa. É um processo de criação coletiva e colaborativa. Sempre assumi a programação dessa forma também devido à minha formação, não venho dos estudos culturais nem de gestão cultural, venho da parte artística, sou coreógrafo e fui bailarino de formação. Essa primeira experiência foi determinante para ter decidido não ficar em França. Preferi vir para Portugal e imaginar um projeto de programação que pudesse marcar a diferença e tocar as pessoas. É aí que nasce o festival Materiais Diversos, que dirigi durante sete anos, em Alcanena, antes de vir para o Porto.

Como chega ao Porto?
Quando vi a abertura do concurso público para a direção do Teatro Municipal do Porto (TMP), achei que me devia colocar à prova. Vinha de escalas pequenas e queria perceber como é que com esse meu know how acumulado poderia imaginar um projeto cultural e artístico para um lugar como este. Tinha um lado simbólico muito grande, havia tudo para fazer, não era continuar um projeto que estava a correr bem, era a partir do zero ou menos um. O palco estava danificado porque tinha montes de mecanismos preparados para o teatro musical que foi feito aqui durante cinco anos, então tive mesmo que limpar. O Teatro Campo Alegre não, mas foi necessário colocar o Rivoli um bocadinho mais perto do seu projeto original, quando ele foi recuperado. Fui muito motivado pelo desafio e pelo contexto, em 2013 tinha acabado de haver uma mudança política, a cidade estava a ser dirigida por um projeto bastante interessante, independente e que agregava várias pessoas.

Que pilares construiu na programação?
É engraçado porque as prioridades não mudaram muito. Existiam linhas muito precisas nesse concurso, nomeadamente a complementaridade programática que era preciso fazer relativamente a outras instituições da cidade. Perceber o que se pode potenciar, o que se pode fazer e o que falta, olhando para o Teatro Nacional São João, Serralves e Casa da Música. Foi necessário pensar num projeto que tivesse um serviço educativo muito forte e que resgatasse um pouco o que este sítio tinha sido, muito ligado à dança e a dança estava muito ausente da cidade. Não existia uma temporada de dança substantiva, aliás, as pessoas que a procuravam iam vê-la a Braga ou a Guimarães. Um dos grandes pilares continua a ser o apoio e a coprodução aos artistas e companhias da cidade, que até então tinham uma relação muito distante com a autarquia, e depois desenvolver uma temporada internacional consequente. A intenção é fazer uma programação rica, cosmopolita, interessante, com afirmações, mas também com descobertas, onde as pessoas possam aos poucos confiar na nossa agenda, sabendo da sua diversidade estética, tendo sempre uma base e abordagem contemporâneas.

Seis anos depois, ainda há muita coisa para fazer?
Um projeto destes nunca se deve acomodar, estamos a falar de um desafio que foi construído do zero, foram anos de arranque, foi preciso trabalhar muito e o público rapidamente aderiu. Aliás, lembro-me de nos primeiros meses pensar: “bem, será que as pessoas vêm?” e depois questionar “bem, de onde vêm estas pessoas todas?”. Gosto quando as coisas são difíceis, quando dão luta, é, para mim, um fator de motivação.

"Um teatro municipal de serviço público, é como uma piscina ou uma biblioteca, quer-se segurança, qualidade, descoberta e que as pessoas saiam enriquecidas."

Rui Oliveira/Observador

Havendo uma aposta de programação tão evidente na dança, não se corre risco de o TMP se tornar um projeto muito afunilado e segmentado? Álvaro Covões, da Everything is New, disse há uns meses na televisão que o Rivoli não recebe concertos de música, por exemplo.
Sinceramente, penso que não. A ideia de programação poderia ser outra, mas de facto esta ideia de complementaridade é importante e acho que também fui escolhido pela minha formação ser de dança. O foco da dança já estava escolhido antes de eu chegar, por isso escolher um diretor com o meu perfil. Se pensarmos nas duas instituições que apresentam artes performativas na cidade, o Teatro Nacional São João e o Teatro Municipal do Porto. O São João tem três salas e apresenta quase em exclusivo teatro, nós temos dois teatros e não apresentamos em exclusivo dança. Aparentemente parece que sim, mas quando se folheia a nossa programação percebe-se que não, mas como somos a única instituição que apresenta essa oferta dá, de facto, essa imagem. Existe uma aposta clara na dança, mas não apresentamos só isso. É uma aposta importante, porque há muito público, quando apresentamos dança é de longe os espetáculos que têm mais procura.

Independentemente dessa adesão, há ainda quem associe a arte a uma elite, a uma coisa cara. Que papel tem o TMP na democratização da arte?
Isso foi algo que trouxe do meu percurso, quando decido fazer um festival de artes performativas num sitio onde anda ninguém tinha visto nada, parti do principio que a arte deve ter um peso simbólico comunicativo muito forte que deve chegar a toda a gente, quer tenham todo o conhecimento teórico ou não, tem que funcionar das duas maneiras. Um teatro municipal de serviço público, é como uma piscina ou uma biblioteca, quer-se segurança, qualidade, descoberta e que as pessoas saiam enriquecidas. Essa democratização nem é uma decisão de um diretor, deve ser uma premissa base do serviço público de qualquer autarquia e decide-se a vários níveis. Desde logo o preço, temos que tabelar sempre por baixo para que alguém que tenha poucos recursos financeiros e queira vir uma vez por mês ver um espetáculo, isso não seja um grande rombo no seu orçamento. Por isso é que os nossos preços são bastante acessíveis.

Mas em eventos gratuitos consegue-se perceber a diferença, há uma maior adesão?
Temos muito poucas coisas gratuitas, até porque não defendo a gratuitidade da arte e programamos as coisas em sala. Acho que deve haver uma valorização e o público deve perceber que a arte tem um preço, um custo, que os artistas têm que ser pagos, que é a vida e o trabalho deles. Mesmo sendo um valor simbólico, ele deve sempre existir. A democratização é importante e é uma bússola para nós. Por exemplo, o nosso programa paralelo, pensado para crianças e jovens, vai muito alem disso, é um projeto de mediação de públicos, com workshops, conferencias, conversas pós espetáculos, e essas janelas que abrimos de acesso ajuda muito a essa democratização, ajuda a dar chaves de compreensão a descortinar varias coisas. Não nos podemos esquecer que existem coisas que apresentamos aqui que não são evidentes, são formas novas de fazer, de atuar e imaginar, peças de teatro onde as vezes não há palavra, peças de dança onde pode não haver movimento. O segredo das instituições culturais é um triângulo: a programação, a comunicação e a mediação de públicos. Sem este link as coisas não funcionam. Uma das forças deste projeto é a forma como ele dessacraliza o acesso e a comunicação, não deixando de ter o seu lado institucional.

"O São João tem três salas e apresenta quase em exclusivo teatro, nós temos dois teatros e não apresentamos em exclusivo dança. Aparentemente parece que sim, mas quando se folheia a nossa programação percebe-se que não, mas como somos a única instituição que apresenta essa oferta dá, de facto, essa imagem. Existe uma aposta clara na dança, mas não apresentamos só isso."

Em fevereiro, o TMP foi acusado por vários artistas de alegada censura e abuso de poder. A esta distância, como olha para este episódio?
Esse episódio foi discutido, fui chamado à responsabilidade da minha função e discuti no lugar certo, com quem de direito e no tempo certo. Não vou voltar a isso, não vou alimentar polémicas em relação a esse assunto. Acho mesmo completamente anacrónico voltar a ele, não volto mesmo a esse assunto.

Em algum momento ponderou colocar o seu lugar à disposição?
Não vou falar nisso. Como já disse, tenho responsabilidades enquanto diretor do teatro da cidade e como é óbvio esse assunto foi falado com os meus superiores hierárquicos, que é o presidente de Câmara, que tem o pelouro da Cultura. Esse assunto foi falado e discutido, expliquei o que tinha a explicar. Foi no tempo certo e foi no lugar certo, não alimento polémicas na comunicação social, não o fiz naquela altura. Achei que devia dizer o que disse nas minhas redes sociais  e para mim esse assunto ficou completamente resolvido, não perdi mais tempo. Até porque o desafio é gigante de gerir e dirigir uma instituição como esta e, portanto, foquei-me no meu trabalho, na minha equipa, andámos para a frente e também fizemos também as nossas reflexões internas.

Não tem receio das consequências que isso possa vir a trazer?
Não vou alimentar esta conversa. Acho de facto que a programação do TMP fala por si, pela sua diversidade, pelos artistas que convoca, pelas coproduções que faz, pela quantidade de artistas locais que apresenta e o nosso cartão de visita é a nossa programação e a resposta do público, é isso que vale. Nós vamos passando por essas funções e temos que ir dotando as instituições nas quais trabalhamos através da sua programação e é nisso que temos de estar concentrados.

A imagem do teatro e a sua, enquanto diretor, não saem fragilizadas?
Não posso dizer se a minha imagem sai ou não fragilizada, é o publico que tem que julgar isso e o público julgará isso. Não vou tecer mais comentários sobre esta questão.

"Uma coisa é as pessoas irem safando, outra coisa é quando há um shut down, vem tudo à tona, espero que não se continue a empatar, que se seja muito ativo na resolução dos problemas"

Rui Oliveira/Observador

O que é que a pandemia mudou no TMP?
O mundo é outro, mudou radicalmente a todos os níveis e culturalmente também. A pandemia apanhou-nos numa altura em que estávamos a terminar o desenho de programação para a temporada 2020/2021. Quando percebemos que o teatro não ia abrir, só em setembro, começámos a ver que pelo menos 50 projetos iam ser suspensos, até porque apanhava festivais como o FITEI – Festival Internacional De Teatro De Expressão Ibérica e o DDD – Festival Dias da Dança. Ao todo, foram quase 100 coisas, entre debates, conferências e workshops, que não aconteceram. A prioridade total foi dada aos reagendamentos, até porque já basta aos artistas o enorme prejuízo que tiveram, e esse foi logo o nosso ponto de partida. Deitamos quase abaixo a programação que tínhamos pensado e recuperamos grande parte dos projetos de março a julho e depois foi fazer uma espécie de um puzzle, desenhar uma programação coerente, que não fosse só uma manta de retalhos entre o que já estava divulgado e não aconteceu e entre o que já estava divulgado, mas não estava programado. Como é óbvio, isto precipitou algumas coisas. Estes reagendamentos não foram fáceis, tudo mexe com tudo, foram muitas horas de conversação e foi tudo muito trabalhoso, mas penso que também foi importante os artistas sentirem-se próximos dos teatros e dos programadores. Estávamos todos do mesmo lado da barricada, claro que quando acontece uma coisa como esta numa área que já é tão precária, deixa tudo a nu, estamos no osso da precariedade, com os muitos problemas estruturais que a área da cultura tem.

Como antevê o regresso da atividade? Espera a adesão dos 50% permitidos?
Não sei dizer, mas a mesma procura que existia se calhar não vai haver, mas também não irão aparecer menos de 50%, porque as pessoas que têm hábitos culturais querem voltar a tê-los, tendo a garantia de que os sítios estão preparados para receber em segurança. Se pensarmos que o TMP receberá menos 50% do seu público, temos que pensar em alternativas que passam por em alguns espetáculos acrescentarmos mais récitas, mas também fazer uma proposta de programação online, que pode derivar ou não dos espetáculos. Temos alguns projetos pensados apenas para o online, foi interessante descobrir que o virtual pode não ser apenas uma ferramenta de streaming de coisas que estão a acontecer na sala, como acontece em projetos como o “Pares”, onde convidámos cinco pessoas ligadas ao cinema ao vídeo e cinco artistas performativos, da dança, teatro, novo circo ou literatura e formamos pares. Nesta espécie de blinde date, até porque muitos deles não se conheciam, propomos que pensem em projetos artísticos exclusivos para o online, com uma duração até 15 minutos. É importante vermos que temos na nossa programação artistas que não estariam cá de outra forma.

Que outros destaques pode adiantar da nova programação que arranca dia 17?
Vamos começar com um grande projeto de parecerias, com duas instituições do Porto e duas de Lisboa, os dois teatros municipais e os dois teatros nacionais, com “A Vida Vai Engolir-vos”, com Tónan Quito que se lançou à aventura de remontar de quatro espetáculos de Tchekhov, questionando como será a humanidade no futuro. Outro dos pontos altos é o foco à volta do trabalho de Marlene Monteiro Freitas, uma das grande coreógrafas mundiais da atualidade, com três peças, entre as quais uma nova e o seu primeiro solo. Vamos também abrir uma nova linha de programação completamente interdisciplinar, chama-se “Double Trouble”, haverá duas edições e juntará artistas nacionais, que trabalham a partir do Porto, e internacionais. É muito importante criar contextos de apresentação específicos nas instituições, porque é completamente um diferente um espetáculo num grande auditório, que atrai um determinado tipo de público, ou um jovem artista, mais ligado à performance, que por vezes cai de paraquedas na programação e isso não é bom nem para o público nem para o artista.

Gostava também de mencionar algo que foi surgindo ao longo do nosso redesenho de programação em que percebemos que muitas das estreias que iriam acontecer nesta temporada não vão existir, porque os artistas não tiveram um espaço para ensaiar. Pensamos então em fazer um projeto que se foque completamente na história da dança e na remontagem de peças do último século, onde vamos revisitar dos anos 30 até 2010, em parceria com outras instituições.

"Os artistas não podem nem devem ser acompanhados todos da mesma maneira e isso é algo que refletimos muito, como é que um teatro como o nosso pode acompanhar os artistas sem ser: 'toma lá dinheiro e anda cá fazer um espetáculo'."

Já disse que pandemia deixou a nu alguns problemas crónicos culturais, “foi ao osso da precariedade”. Preocupa-o o momento em que vivemos?
A pandemia deixou a nu um setor com bastantes fragilidades, que a meu ver não se prende com os dirigentes atuais. Há problemas endémicos, que vêm de há muitos anos e há grandes desafios que têm que ser resolvidos e agora não há escapatória. O estatuto de intermitência, por exemplo, é prioritário há muitos anos e ainda bem que foi criado um grupo de trabalho, é mesmo importante criar um estatuto que não tem que ser decantado de um modelo francês ou de um modelo belga, antes pelo contrário, tem que ser adaptado. É algo muito complexo, que engloba não só o Ministério da Cultura, mas também do trabalho e da segurança social, acredito que possa estar concluído até ao final do ano como se diz. É também fundamental que aconteça uma descentralização cultural e há um projeto já anunciado que é a rede nacional de teatros e cineteatros. É importantíssimo que se avance com isto, vai permitir uma maior circulação de artistas portugueses e pode ser um fator de atratibilidade para companhias e artistas. Claro que este é um tempo muito difícil, não gostava de estar na pele de nenhum governante, as fragilidades que vieram ao de cima todos nós já as conhecíamos. Uma coisa é as pessoas irem safando, outra coisa é quando há um shut down, vem tudo à tona, espero que não se continue a empatar, que se seja muito ativo na resolução dos problemas e que se tirem conclusões rápidas relativamente a estas questões.

O tecido cultural do Porto continua a ser um terreno fértil?
A cidade cresceu muito a nível cultural, nomeadamente a qualidade dos artistas que trabalham na cidade, não só os que já eram de cá, mas o que decidiram vir. Isso deve-se a várias escolas, profissionais e universitárias, e depois há uma vida muito rica na cidade em todas as áreas. Conheço muitas cidades da escala do Porto, de média dimensão, e não vejo muitas com a dinâmica cultural que o Porto tem. Deve-se também muito à resiliência de algumas companhias que decidiram fazer projetos de formação, como a Mala Voadora, por exemplo. A aprendizagem com outros artistas é muito rica e muito bonita na cidade, o que faz com que surjam novos talentos e criadores. Seria muito mais difícil programar o TMP se não houvesse um tecido tão rico dos artistas locais. Temos a missão de os acompanhar e apoiar e isso pode passar por diversas formas, apresentando os seus trabalhos, dando-lhes espaços para ensaios ou espaços para residências. Os artistas não podem nem devem ser acompanhados todos da mesma maneira e refletimos muito sobre isso, como é que um teatro como o nosso pode acompanhar os artistas sem ser: “toma lá dinheiro e anda cá fazer um espetáculo”.

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