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Este cenário, tradicional da noite de 12 de maio em Fátima, não se poderá repetir este ano
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Este cenário, tradicional da noite de 12 de maio em Fátima, não se poderá repetir este ano

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Este cenário, tradicional da noite de 12 de maio em Fátima, não se poderá repetir este ano

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Do cancelamento à polémica com a ministra da Saúde. Como a Igreja planeou o 13 de maio sem peregrinos

Fátima teve de cancelar a peregrinação de 13 de maio há um mês, sabendo que não haveria condições. Os detalhes das discussões com o Governo sobre a alternativa e a polémica com a ministra da Saúde.

Ainda não se vislumbrava o fim do estado de emergência quando, no início de abril, o cardeal D. António Marto anunciou, de lágrimas nos olhos, uma decisão inédita em mais de um século de história: pela primeira vez, no dia 13 de maio, o Santuário de Fátima não vai receber as multidões de peregrinos que enchem a Cova da Iria todos os anos desde 1917. Devido à pandemia, a presença de centenas de milhares de pessoas no recinto do santuário representaria uma situação de elevadíssimo risco.

“Suspender esta peregrinação de maio nos moldes habituais é um ato de responsabilidade pastoral e também um profundo ato de fé, que comunico com o coração em lágrimas, porque sei da importância deste momento em particular para tantos milhares de peregrinos que aqui vêm em busca de alimento, de um conforto espiritual, de paz para o ano inteiro”, explicava o cardeal de Fátima, numa mensagem em vídeo difundida pelo santuário através da internet.

Nessa altura, ainda não havia uma decisão formal sobre quando deveriam ser retomadas as cerimónias religiosas, suspensas no início da epidemia por iniciativa da própria Igreja Católica. Essa decisão, a nível nacional, só viria a ser conhecida mais recentemente, quando o Governo anunciou o seu plano de desconfinamento em três fases — que arranca já nesta segunda-feira e que remete o regresso das cerimónias religiosas para a terceira fase, a partir do dia 30 de maio.

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Segundo várias fontes religiosas e governamentais, durante todo este período, Igreja Católica e Governo estiveram sempre em contacto. Às vezes de modo visível, como aconteceu na reunião entre o cardeal-patriarca de Lisboa e o primeiro-ministro com vista a apontar um caminho para o regresso das missas; outras vezes através de reuniões de trabalho sobre os detalhes concretos, entre o bispo auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar, em representação da Igreja Católica, e o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, em representação do Governo.

Perguntas de peregrinos de todo o mundo levaram santuário a antecipar decisão

Mas as características muito específicas do Santuário de Fátima não permitiam aos responsáveis daquele lugar (o cardeal D. António Marto e a reitoria do santuário) esperar pela decisão do Governo. Como explicaram ao Observador fontes da Igreja Católica, de todo o mundo choviam já pedidos de informação de grupos de peregrinos que pretendiam saber o que fazer às viagens que já tinham marcadas ou planeavam marcar até ao santuário — que todos os anos recebe cerca de 6 milhões de turistas religiosos vindos de todos os continentes, muitos dos quais se concentram nos dias 12 e 13 de maio.

O Santuário de Fátima recebe cerca de 6 milhões de turistas religiosos todos os anos

PAULO CUNHA/LUSA

Do Governo, ainda não chegava a Fátima uma decisão sobre quando terminaria o estado de emergência decretado em meados de março pelo Presidente da República. Mas chegava uma certeza: independentemente do estado que estivesse em vigor no país, nos dias 12 e 13 de maio não estariam ainda reunidas as condições para acolher em Fátima a multidão habitual, frequentemente a rondar os 300 mil peregrinos, que ali se reúne todos os anos.

Com esta garantia em cima da mesa e com a pressão de dar resposta aos milhares de peregrinos que ainda não sabiam o que poderiam fazer em maio, o Santuário de Fátima antecipou-se ao Governo e ao resto da Igreja Católica. Independentemente da decisão que viesse a ser tomada a nível nacional sobre a retoma das missas, a celebração de maio deste ano não teria peregrinos. Habituados a organizar grandes celebrações num recinto com capacidade para quase meio milhão de pessoas, os responsáveis do santuário perceberam rapidamente que não conseguiriam garantir que a multidão esperada respeitaria as distâncias exigidas pelas autoridades de saúde — que é possível assegurar dentro das igrejas com lugares sentados, mas não ali.

De imediato, os responsáveis do Santuário de Fátima começaram a delinear um modelo alternativo para a celebração do 13 de maio, que será transmitida pela televisão e pela internet. A primeira grande alteração foi a decisão de passar a celebração da enorme esplanada do santuário para o interior de uma das duas basílicas de Fátima. Dentro de uma igreja, com lugares sentados, seria possível distribuir os participantes necessários pelas várias filas, mantendo as distâncias mínimas de segurança.

Celebração com algumas dezenas de pessoas, mas sob controlo

O santuário começou, então, a preparar a celebração propriamente dita. Não teria uma multidão impossível de controlar, mas também não poderia ser feita apenas com o reduzido conjunto dos sacerdotes necessários para a celebração. Desde o início, o Santuário de Fátima fez saber às autoridades que não conseguiria fazer uma celebração mínima e que o 13 de maio seria assinalado com a devida dignidade, segundo explicaram ao Observador duas pessoas familiarizadas com a preparação das celebrações.

Primeiro, os celebrantes propriamente ditos: seria de esperar a presença de vários sacerdotes (logo a começar pelos vários capelães do santuário e vários outros padres da diocese e ligados às congregações religiosas de Fátima); além deles, vários bispos devem marcar presença na celebração. Além do cardeal de Fátima e dos bispos residentes em Fátima, é expectável que o episcopado português esteja representado na celebração: seja através dos arcebispos metropolitas (arcebispo de Braga e patriarca de Lisboa), seja através de um grupo mais alargado de bispos.

Covid-19. Cardeal-patriarca alerta para perigo de contágio não ter terminado

Depois, as pessoas necessárias a uma celebração solene em Fátima: os acólitos, os leitores (incluindo os leitores das várias línguas oficiais das missas internacionais do santuário), os seguranças e vigilantes e uma versão reduzida dos músicos e do coro de Fátima. Além deles, vários funcionários do Santuário de Fátima são necessários para assegurar as celebrações, incluindo técnicos e outros funcionários de vários departamentos do santuário.

Por fim, o Santuário de Fátima não quis que a celebração do 13 de maio fosse desligada da atual situação pandémica que assola o país e pretendeu que, de alguma forma, pudesse ser feita uma homenagem àqueles que têm combatido a Covid-19 no país. Por isso, os responsáveis do santuário pretendem que nas celebrações estejam presentes algumas pessoas em representação da sociedade civil e das profissões que têm estado na linha da frente do combate ao coronavírus, incluindo profissionais de saúde, bombeiros, polícias e outros.

O santuário pretende que nas celebrações estejam presentes algumas pessoas em representação da sociedade civil e das profissões que têm estado na linha da frente do combate ao coronavírus, incluindo profissionais de saúde, bombeiros e polícias.

Feitas as contas, é de esperar que a celebração do 13 de maio em Fátima conte com algumas dezenas de pessoas, como percebeu o Observador junto de fontes eclesiásticas. A lista de presenças será controlada de forma apertada e todos os participantes estarão dentro da basílica, dispostos de modo a respeitar as distâncias mínimas. E, de acordo com as mesmas fontes, o modelo pensado pelo Santuário de Fátima, que neste fim de semana ainda estava a ser ultimado, nunca incluiu a possibilidade de acolher peregrinos — que, entretanto, a Proteção Civil distrital de Santarém já tinha desaconselhado que se deslocassem até Fátima.

Manifestação da CGTP levantou questões dentro da Igreja

O processo de preparação deste 13 de maio alternativo foi relativamente pacífico até à semana passada, quando a manifestação do 1º de Maio organizada pela CGTP na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, fez várias vozes dentro da Igreja Católica insurgirem-se contra a decisão e questionarem-se sobre o motivo pelo qual aquela manifestação era permitida e a peregrinação a Fátima não.

Até aqui, o exemplo da Igreja Católica tinha sido elogiado por todos, até pelo Governo. Os bispos tinham-se antecipado a qualquer decisão governativa e suspendido as missas por entenderem que as celebrações de domingo (que atraem cerca de 3 milhões de fiéis às igrejas portuguesas todas as semanas) eram um contexto de fácil disseminação do vírus. Durante a evolução da pandemia, padres e bispos reinventaram modos de celebrar e começaram a transmitir missas pelas redes sociais. Só algumas vozes, associadas à ala mais conservadora da Igreja Católica, discordavam — e consideravam inaceitável que os fiéis fossem privados da missa dominical.

A manifestação do 1º de Maio na Alameda, em Lisboa, provocou indignação na Igreja Católica. Poderia o 13 de maio seguir um modelo semelhante?

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Agora, no processo de desconfinamento, o desconforto instalou-se dentro da Igreja — e já não só os conservadores que discordam da forma como a liderança católica está a conduzir esta fase. Muitos católicos questionam-se sobre porque é que o regresso das missas presenciais foi adiado para a terceira fase do desconfinamento quando a maioria dos serviços vai reabrir antes disso. Este sábado, multiplicaram-se nas redes sociais e nas missas as críticas de padres e bispos a este processo, intensificadas pela manifestação da CGTP em Lisboa.

O Observador sabe que o Governo consultou a Igreja Católica antes de finalizar o plano de desconfinamento e que os representantes católicos concordaram com a data de 30 de maio para o regresso das missas. Mas esta posição não é consensual entre os próprios bispos — e alguns sinais desse desconforto já começaram a transpirar para fora das reuniões da Conferência Episcopal. O bispo do Porto, D. Manuel Linda, já publicou um conjunto de normas específicas para a sua diocese, segundo as quais as igrejas podem abrir já a 4 de maio. No Funchal, o bispo já anunciou que pretende seguir as normas do Governo Regional e permitir as missas comunitárias já a partir do dia 8 de maio.

A polémica adensou-se na noite de sábado, durante uma entrevista da ministra Marta Temido à SIC. Questionada sobre se, tendo em conta que o Governo permitiu a realização da manifestação da CGTP em Lisboa, também poderia permitir a realização de uma peregrinação a Fátima em que os peregrinos se dispusessem no recinto do santuário de um modo semelhante e respeitassem a distância de segurança, a ministra admitiu que sim: “Desde que sejam respeitadas as regras sanitárias, isso é uma possibilidade”.

"Desde que sejam respeitadas as regras sanitárias, isso é uma possibilidade"
Marta Temido, ministra da Saúde, sobre possibilidade de 13 de maio nos mesmos moldes do 1º de Maio

A Igreja Católica foi apanhada de surpresa pelas declarações. A ministra não só tinha contradito o próprio Governo — que apontava o regresso das celebrações religiosas comunitárias para o dia 30 de maio — como ia contra a própria decisão que o cardeal D. António Marto já tinha anunciado.

Marcelo e Governo falaram com Igreja sobre modelo da celebração

O Santuário de Fátima, que se encontrava a ultimar o modelo da celebração reservada com algumas dezenas de pessoas dentro da basílica, ficou particularmente surpreendido e procurou esclarecer junto do Governo o que é que as palavras de Marta Temido significavam. Poderia, afinal, haver uma peregrinação a Fátima no dia 13 de maio? Durante a manhã deste domingo, líderes católicos e membros do Governo multiplicaram-se em contactos para esclarecer a confusão criada pela ministra.

Importante neste processo foi também a intervenção do Presidente da República, que, segundo apurou o Observador, contactou com várias figuras da Igreja Católica ao longo dos últimos dias para lhes vincar a opinião que já tinha deixado bem clara publicamente quando, após uma reunião no Infarmed, afastou por completo a possibilidade de uma peregrinação em maio — um mês de transição “incompatível com fenómenos de massas”.

Na conferência de imprensa diária deste domingo — que começou com cerca de duas horas de atraso —, a ministra Marta Temido procurou desfazer a confusão e deixou um apelo: “Não se confundam celebrantes com peregrinos”. A ministra vincou que o 13 de maio em Fátima não poderia ter a multidão de peregrinos habitual e argumentou que, quando se referiu à possibilidade de uma celebração com mais pessoas, falava das pessoas que participariam na cerimónia, e não nos peregrinos.

O cardeal de Fátima, D. António Marto, determinou que a celebração de 13 de maio deste ano não vai contar com a presença de peregrinos

Ricardo Graça/LUSA

O recurso à palavra “celebrantes” causou uma dose adicional de confusão entre os católicos, uma vez que habitualmente se aplica apenas aos sacerdotes que celebram a missa — e não a todas as pessoas que, de acordo com o modelo que o Santuário de Fátima detalhou esta manhã ao Governo, estariam presentes na celebração.

Segundo fonte governamental, ao contrário do que parecia ter sido admitido pela ministra Marta Temido à SIC, o Governo sempre pôs de parte a possibilidade de uma peregrinação a Fátima. Em contactos com o Santuário de Fátima, o Governo recorreu até às palavras do Papa Francisco, que recentemente pediu aos fiéis de todo o mundo que evitassem as tradicionais peregrinações de maio aos santuários que evocam a Virgem Maria. “Este ano, devido à situação de saúde, vamos espiritualmente a esses locais de fé e devoção”, disse Francisco.

Apesar de pôr de parte uma peregrinação com multidões a Fátima, o Governo nunca se opôs à possibilidade de uma celebração dentro da basílica no santuário. Aos responsáveis de Fátima, o Governo deu até o exemplo das habituais reuniões entre líderes políticos e especialistas no auditório do Infarmed, em que é feito o ponto de situação epidemiológica. Ali, várias pessoas sentam-se na assistência, mas guardam-se as distâncias de segurança exigidas pelas autoridades de saúde.

Santuário de Fátima mantém 13 de Maio sem peregrinos para “não colocar em perigo a saúde pública”

Ao fim do dia, após várias horas de especulação sobre aquilo que seria o 13 de maio este ano, o Santuário de Fátima desfez as dúvidas e reconheceu que seria impossível controlar o “aglomerado imprevisível de pessoas” que se juntariam na Cova da Iria para a peregrinação. Uma solução ao estilo da manifestação da CGTP seria impossível, segundo fontes ligadas à Igreja Católica: mesmo que a Igreja controlasse a lotação do recinto, limitando as entradas e obrigando à manutenção de uma distância de segurança, seria impossível controlar as centenas de milhares de pessoas que acabariam por não entrar e se acumulariam na cidade de Fátima.

“Respeitamos, por isso, numa atitude de colaboração com as diversas autoridades, as orientações de realizar estas celebrações com uma presença simbólica de participantes: intervenientes na celebração e funcionários do Santuário”, explicou o Santuário de Fátima em comunicado, não fornecendo mais detalhes sobre o modelo concreto da celebração. Certo é que, tal como o cardeal D. António Marto já tinha anunciado em abril, não haverá mesmo peregrinação em massa a Fátima: “Tal como estava previsto, em articulação com as autoridades civis, as celebrações dos dias 12 e 13 de maio, este ano, não podem contar com a presença física dos peregrinos e serão transmitidas pelos órgãos de comunicação social e digital.”

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