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O pimeiro-ministro António Costa (D) recebe o novo líder do PSD, Luís Montenegro, tendo na agenda a prazo um eventual acordo para a construção do novo aeroporto da região de Lisboa durante um encontro da residência oficial do primeiro-ministro, Lisboa, 22 de julho de 2022. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Do confinamento à regra de ouro para a dívida. O que une e separa Costa e Montenegro na revisão constitucional

Socialistas e sociais-democratas foram a jogo na revisão constitucional, mas hipóteses de acordo em matérias estruturais são diminutas. Convergência no acesso a metadados e confinamentos é possível.

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Dois terços, 154 deputados. Este é o número mínimo de deputados exigido para aprovar qualquer alteração à Constituição, o que obriga PSD e PS a entenderem-se caso queiram avançar com as propostas de alteração que apresentaram no final da semana passada. Os entendimentos podem até vir a ser mais alargados, uma vez que todos os partidos têm projetos de revisão constitucional e há matérias que podem vir a ser aceites, embora isso precise sempre do acordo de sociais-democratas e socialistas.

O Observador analisou em detalhe os projetos de revisão constitucional do PS e PSD e identificou temas onde o caminho para um acordo já vai adiantado, onde ele tem vias para seguir e onde os dois partidos muito dificilmente se encontram.

Os dois estão muito próximos sobre o que deve ser feito para acabar com as dúvidas constitucionais para os isolamento profilático em pandemia ou mesmo sobre a necessidade de uma intervenção, durante o processo, de uma autoridade judicial — o PS só o prevê como recurso “urgente” dos cidadãos, embora não feche a porta a poder chegar a um entendimento diferente com o PSD.

Em contrapartida, serão bem mais difíceis encontros em matéria de sistema político, onde os socialistas não querem mexer — o próprio líder fixou este limite quando balizou esta revisão — e os sociais-democratas insistem com a redução do número de deputados ou o voto aos 16 anos de idade.

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Onde há caminho aberto

Isolamentos em emergência sanitária

As dúvidas constitucionais levantadas durante a pandemia sobre a privação de liberdades com a imposição de isolamentos têm solução proposta e com concordâncias, no essencial. Tanto o PS como o PSD propõem que nas exceções à privação de liberdades possa estar previsto o isolamento que foi aplicado a tanta gente durante a pandemia. E ambos concordam que exista um respaldo judicial, embora em tempos diferentes.

O PS concedeu às autoridades de saúde a faculdade de decretarem a “separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves” .

Já o PSD considera que a decisão só possa ser determinada “por uma autoridade judicial competente“. Os socialistas temem que esta formulação possa tornar menos célere uma decisão que pode ter de ser urgente, mas admitem que possa ser encontrada uma solução a meio caminho, definindo um limite temporal para a decisão ser executada, contornando as questões de morosidade da justiça.

Mesmo sem prever que seja uma autoridade judicial a decretar, os socialistas incluíram neste ponto a garantia de as pessoas sobre quem for decidido o isolamento poderem recorrer de forma urgente à autoridade judicial — o que não estava previsto na proposta que foi enviada ao Governo pela Comissão Técnica que esteve a trabalhar sobre o anteprojeto de uma Lei de Emergência Sanitária.

O PSD ainda propõe, em matéria de resposta a pandemias, que o estado de sítio ou o estado de emergência possam ser declarados em situação de emergência de saúde pública.

O PS, em alternativa, não prevê nenhuma alteração a este artigo da Constituição e não pretende alargar as situações em que pode ser decretados estes estados de exceção. Prefere regular um estado de emergência sanitária através de uma lei autónoma e remete para aí a pretensão do PSD de  ter as autoridades regionais a decidirem sobre os seus próprios territórios, quando em situação de emergência sanitária.

Na noite em que PS e PSD reuniram os seus órgãos máximos entre congressos para discutir a revisão constitucionalc– a Comissão Política Nacional e o Conselho Nacional, respetivamente –, houve protestos de movimentos negacionistas, que juntaram algumas dezenas de pessoas junto aos locais de reunião de ambos os partidos. O que contestavam era, precisamente, esta eventual alteração.

Acesso a metadados pelos serviços de informações

Os dois partidos concordam em fazer depender de uma ordem judicial o acesso a metadados dos cidadãos por parte dos serviços de informação. Este rasto digital que estes dados permitem fazer (possibilitam, por exemplo, que seja identificado o aparelho do qual foi feito uma chamada, ou a sua duração e origem) esteve legislado e foi aplicado, mas entretanto as normas da lei que determinavam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano foram chumbadas pelo Tribunal Constitucional.

Nessa altura, o TC entendeu que guardar os dados de forma generalizada era restringir “de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”. E isto porque eram também atingidos “sujeitos relativamente aos quais não há qualquer suspeita de atividade criminosa”. Os dois partidos pretendem agora consagrar na lei que isso possa acontecer, para serem usados pelos serviços de informação e com autorização judicial.

E ambos também propõem que os cidadãos tenham controlo sobre os seus próprios dados: o PS através da inscrição do “direito ao esquecimento digital” no artigo da Constituição que define a utilização informática de dados digitais ou, no caso do PS, através do “direito ao apagamento dos dados”.

Igualdade na linguagem

Os dois partidos defendem uma alteração de pormenor, que adapta a Constituição a um vocabulários mais igual, substituindo a expressão Direitos do Homem” por “Direitos Humanos“. E voltam a estar juntos para que a expressão “cidadãos portadores de deficiência” seja substituída por “pessoas com deficiência”. As duas alterações têm quórum suficiente para passar sem discussões.

O mesmo é mais difícil de dizer sobre outras matérias que têm dividido esquerda e direita e que o PS quis abordar no seu projeto de revisão constitucional, como quando propõe que no capítulo da igualdade fique escrito que “ninguém pode ser prejudicado ou beneficiado por causa da identidade de género“.

O PS volta a fazê-lo quando propõe alterações nos direitos dos trabalhadores, também proibindo diferenciações com base da mesma “identidade de género” e também com base na “orientação sexual” das pessoas. O PSD nada propõe neste sentido, nem na substituição da palavra “raça” por “etnia”, como também pretende o PS.

Os dois partidos estão muito próximos sobre o que deve ser feito para acabar com as dúvidas constitucionais para os isolamento profilático em pandemia ou mesmo sobre a necessidade de uma intervenção, durante o processo, de uma autoridade judicial — o PS só o prevê como recurso “urgente” dos cidadãos, embora não feche a porta a poder chegar a um entendimento diferente com o PSD.

Onde há caminho a fazer

Pré-escolar universal e gratuito. Creches, não

A escolaridade obrigatória em Portugal foi alargada, em 2009, para o 12º ano e a Constituição ainda não acautelava essa alteração, pelo que PSD e PS aproveitam esta revisão para alargar a universalidade e a gratuitidade do ensino ao secundário (até agora só constava o ensino básico).

Mas as propostas dos dois partidos não ficam por aqui, com ambos a pretenderem também que o Texto Fundamental consagre a mesma universalidade e gratuitidade para o pré-escolar (para crianças entre os três e os seis anos).

A educação pré-escolar é, atualmente, facultativa, no entanto, em 2015 foi alterada a universalidade neste grau de ensino para os quatro anos de idade, o que veio fazer com que o Estado tivesse de garantir vaga para as crianças a partir dessa idade, caso os encarregados de educação pretendam que entrem nessa fase. Mas não é obrigatória.

No caso das creches (abaixo do pré-escolar), este ano passaram a ser gratuitas para as crianças que entraram no primeiro ano em Setembro e para o ano está previsto que esse regime seja alargado a todas as crianças que ingressem no primeiro ano de creche e às crianças que passem para o segundo, continuando em 2024.

O PSD pretende que este grau de escolaridade também seja universal e gratuito, mas o PS não tem uma proposta no mesmo sentido e o entendimento é que esse patamar é garantido atualmente pela Segurança Social.

Promoção do ambiente assumida

Os caminhos para ter na Constituição um compromisso do Estado com as matérias ambientais são variados, mas todos no mesmo sentido: assumir essa preocupação no Texto Fundamental.

O PSD propõe mesmo que esse compromisso seja assumido logo na apresentação do país, defendendo que na Constituição se passe a inscrever que Portugal defende um “sistema efetivo de proteção do ambiente“. E inclui a “sustentabilidade” como matéria de cooperação com os outros povos, logo no artigo 7º. Os sociais-democratas defendem também, mais adiante, que o Estado deve passar a assegurar “uma economia circular de baixo carbono”, no capítulo constitucional sobre o Ambiente e a Qualidade de vida.

Já os socialistas, neste mesmo artigo, vão mais a fundo e defendem que o Estado promova a utilização de “fontes de energia renováveis” e “o desenvolvimento de redes de transportes públicos acessíveis e tendencialmente gratuitas”, bem como a gestão “racional e eficiente de resíduos”. O PS quer que o Estado passe a ter como dever a promoção do “bem-estar animal”.

Alterações propostas que são mais ou menos amplas, mas que juntam os dois partidos numa matéria onde devem conseguir encontrar um entendimento para que passe a constar na Constituição.

A centralidade dos cuidados paliativos 

Apesar de divergirem na forma como o sistema deve estar pensado no que à relação entre setores público, privado e social (ver mais abaixo), os dois partidos concordam no essencial: o acesso aos cuidados paliativos deve ser um direito consagrado pela Constituição.

Escrevem os socialistas que o Estado deve “garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, reprodutiva, curativa, de reabilitação e paliativa”. Referências (às áreas dos paliativos e da reprodução) que não existem na atual Lei Fundamental.

Os sociais-democratas também refletem essa preocupação no projeto de revisão que apresentam embora sublinhem a necessidade de o sistema funcionar em complementaridade – com público, privado e social.

“[A Constituição] deve garantir o acesso universal, em tempo e qualidade adequados, de todos os cidadãos, aos cuidados da medicina preventiva, curativa, paliativa e de reabilitação, aproveitando a complementaridade entre os serviços público, privado e social”, define o PSD.

Ao contrário do PSD, os socialistas também definem como direito constitucional o acesso à saúde reprodutiva. No entanto, ao longo do projeto que apresentaram, os sociais-democratas dão relevância à questão da parentalidade, pelo que é possível que exista margem para chegarem a acordo nesta matéria.

A escolaridade obrigatória em Portugal foi alargada, em 2009, para o 12º ano e a Constituição ainda não acautelava essa alteração, pelo que PSD e PS aproveitam esta revisão para alargar a universalidade e a gratuitidade do ensino ao secundário (até agora só constava o ensino básico). Sociais-democratas também querem o mesmo nas creches e pré-escolar

Onde não há caminho

Mexidas no sistema político 

Uma parte considerável do projeto de revisão constitucional apresentado pelo PSD já tem um destino: no que depender do PS (e dependerá sempre do PS), todas as propostas que impliquem alterações ao sistema político não receberão luz verde dos socialistas.

À cabeça, o PSD defende a redução do número de deputados para um máximo de 215, a consagração do voto eletrónico como direito constitucional e a definição da idade mínima para votar nos 16 anos.

Em cima disto, os sociais-democratas querem revisitar os círculos eleitorais, para que a dimensão do território seja também um fator a ponderar na distribuição de mandatos – e não apenas a densidade populacional.

O PSD aposta também na reconfiguração do papel e poderes presidenciais: o Chefe de Estado teria um mandato máximo de 7 anos e único – não ficando dependente de qualquer reeleição. Teria também a responsabilidade de nomear o Procurador-Geral da República e o governador do Banco de Portugal, prerrogativas que dependem atualmente do Governo.

Logo na noite em que os dois partidos anunciaram as linhas gerais dos respetivos projetos de revisão constitucional, António Costa aproveitou as declarações aos jornalistas para garantir que o PS não está disponível para fazer qualquer alteração ao modo de funcionamento das instituições democráticas. Daí para cá, apurou o Observador, nada mudou nesse capítulo: os socialistas entendem que este não é o tempo de revisitar esse tipo de questões.

O papel do Serviço Nacional de Saúde  

Socialistas e sociais-democratas vão levar também para este debate uma das divergências ideológicas que mais tem marcado os últimos anos de discussão política: a relação entre os setores público, privado e social na Saúde.

Nesse sentido, os sociais-democratas apresentam duas mudanças estruturais ao artigo 64.º: de acordo com este projeto, os portugueses passariam a ter como garantia constitucional o “acesso universal e em tempo e qualidade adequados aos cuidados de saúde necessários, aproveitando a complementaridade com os serviços privados e social de saúde”.

Ou seja, o sistema de saúde funcionaria em rede, contando com os contributos indispensáveis dos setores privado e social – daí a expressão “complementaridade”, e teria de garantir universalidade territorial, qualidade e tempo de resposta adequados.

O mesmo valeria para outras dimensões da saúde. Escrevem os sociais-democratas: o Estado deve “garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, reprodutiva, curativa, de reabilitação e paliativa”.

No projeto apresentado pelos socialistas, não há qualquer referência a esta relação entre os setores e apenas se acrescenta que o Estado deve “promover uma oferta estável” na Saúde, estendendo-a à área reprodutiva e paliativa.

A influência das comissão de trabalhadores 

Os dois projetos têm visões diferentes também neste capítulo. De acordo com a atual Lei Fundamental, as comissões de trabalhadores podem “exercer o controlo de gestão nas empresas” e “promover, nos termos da lei, a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais das empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas nos termos da lei”.

Ora, o PSD quer retirar estes dois direitos da Constituição, ao passo que os socialistas mantêm o direito o direito constitucional a “exercer o controlo de gestão nas empresas” que assiste às comissões de trabalhadores e, no segundo caso, retiram a referência às empresas pertencentes ao Estado e entidades públicas

Com esta última alteração pressupõe-se que o PS quer que as comissões de trabalhadores possam ter uma palavra a dizer nas eleições dos órgãos sociais de empresas não necessariamente públicas.

Limites ao endividamento ou o regresso da regra de ouro

O PSD recupera um tema que chegou a animar o debate político durante o passismo: a instituição de uma regra de ouro na Constituição que impeça o endividamento público para lá de um determinado limite.

Escrevem os sociais-democratas: “A lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respetiva lei de enquadramento, que incluirá́ a definição de um limite plurianual ao endividamento público no respeito pela solidariedade entre gerações e os regimes atinentes à elaboração e execução dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos, e à programação plurianual da despesa pública.”

A “regra de ouro” foi defendida publicamente por Pedro Passos Coelho e por Paulo Portas, mas acabou por nunca sair do papel uma vez que os socialistas, então liderados por António José Seguro, acabaram por rejeitar qualquer alteração dessa natureza.

O tema foi perdendo força e, em 2015, António Costa, então candidato a primeiro-ministro, arrumou em definitivo a questão: “Não é CRP que impede ou garante a subida e a descida da dívida. É a boa ou má gestão”. Não é de prever que tenha mudado de opinião, portanto a “regra de ouro” está mais uma vez condenada a não sair do papel.

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