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Do "default" à saída da zona euro quantos dias são?

Incumprimento na dívida grega é sinónimo da saída do euro? Vários responsáveis dizem que não, mas os especialistas – e, agora, o FMI – avisam que um "default" deixaria a Grécia com um pé fora do euro.

Vítor Constâncio partilhou na quinta-feira a sua “convicção pessoal” de que a Grécia não sairá do euro. Mas o vice-presidente do BCE acrescentou que isso não é o mesmo que excluir que possam acontecer “coisas que não são boas“, uma declaração que foi universalmente entendida como uma admissão de que a Grécia poderá tornar-se o primeiro país da zona euro a falhar um pagamento de dívida, possivelmente já na próxima sexta-feira. Outrora vistos como quase sinónimos, o default na dívida deixou, a julgar por declarações públicas como esta, de ser um primeiro passo para o Grexit, isto é, a saída do euro. Será possível manter a Grécia na zona euro depois de Atenas incumprir com a sua dívida pública, sobretudo sabendo que basta um acordo com os credores para receber, de imediato, mais de 7 mil milhões de euros?

A resposta a esta pergunta difícil tem, necessariamente, de partir de um esclarecimento prévio: de que dívida (e de que credor) estamos, exatamente, a falar? O receio mais imediato é que a Grécia não consiga fazer o pagamento de 302 milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI) na próxima sexta-feira, dia 5 de junho. É muito provável que, depois de Atenas ter tido que esgotar as reservas no próprio FMI para pagar os 750 milhões de euros a 12 de maio, não existam recursos suficientes para fazer este pagamento. Vários membros do governo e do partido Syriza já garantiram que, sem um acordo, “não há dinheiro” para pagar ao FMI na sexta-feira.

Christine Lagarde, parte interessada porque lidera a instituição credora com o pagamento mais iminente, fez correr muita tinta na quinta-feira porque, de acordo com uma pré-publicação da entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, a francesa reconheceu que “a saída da Grécia é uma possibilidade“. Contudo, olhando strictu sensu para um incumprimento grego perante o FMI, essa notícia poderia não ser um evento-choque que implicaria no imediato uma saída da Grécia da zona euro. “O tipo de dívida cujo default seria, potencialmente, menos disruptivo seria um incumprimento perante o FMI“, escreveu em nota de análise recente de Reinhard Cluse, economista do UBS.

"A saída da Grécia da zona euro é uma possibilidade", afirmou Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, em entrevista publicada na quinta-feira.

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Numa análise ao protocolo da instituição sedeada em Washington, o Observador debruçou-se em abril sobre as consequências de uma falta de pagamento ao FMI, no especial “E se a Grécia não pagar ao FMI?“. A conclusão é que, apesar de em casos extremos estar prevista a expulsão de um membro, isto está longe de ser um resultado previsível, como demonstram os casos da Somália, Sudão e Zimbabué. A confirmar-se, uma falha de pagamento no dia 5 desencadeará uma sucessão de eventos, ao longo de várias semanas. Existe um período de graça de 30 dias e só passado três meses é restringido o acesso do membro aos recursos do FMI.

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Esta é, contudo a análise às consequências diretas de um default da Grécia perante o FMI. O problema é que, tendo em conta a complexidade da situação, “será muito difícil para a Grécia continuar na zona euro depois de um default causado pela ausência de um acordo [com os credores, quanto à conclusão do programa de assistência]”, diz ao Observador o analista Athanasios Vamvakidis, do Bank of America Merrill Lynch. E porquê? Porque os efeitos indiretos seriam uma “deterioração significativa da economia e um colapso do sistema bancário”. O UBS tem uma visão semelhante: “o impacto negativo sobre a confiança pode ser dramático e o sistema bancário grego pode sofrer uma corrida aos depósitos que pode ser difícil de controlar, mesmo com a introdução de controlos de capitais”.

"O impacto negativo [de um default sobre o FMI] sobre a confiança pode ser dramático e o sistema bancário grego pode sofrer uma corrida aos depósitos que pode ser difícil de controlar, mesmo com a introdução de controlos de capitais"
Reinhard Cluse, economista do UBS

Ainda assim, Christian Schulz, economista do Berenberg Bank, concorda que “falhar perante o FMI seria a forma menos gravosa de default e, no curto prazo, poderia não constituir um evento de crédito, já que o FMI levará algum tempo a reagir”. Além da dívida ao FMI, a Grécia tem outros tipos de instrumentos de dívida que preocupam as autoridades, umas mais do que outras. Sistematizamos, abaixo, os diferentes tipos de dívida:

  • Dívida (reembolso e juros) ao FMI. Além dos 302 milhões a pagar no dia 5 de junho, há 338 milhões a pagar dia 12 de junho, 564 milhões a 16 de junho e 338 milhões a 19 de junho. Chegou a admitir-se que a Grécia possa juntar todos estes pagamentos de junho e pagar a soma total no dia do último pagamento (19 de junho), mas o FMI não manifestou abertura a essa possibilidade. Depois, em julho, há a pagar, no dia 13, 451 milhões de euros. Mais pagamentos ao FMI, depois, só em setembro, com mais uma sequência de quatro pagamentos no espaço de um mês. Não pagar ao FMI poderia ser, também, vista como uma afronta a países bem mais pobres do que a Grécia que contribuem para o FMI. Além de poder ser um desafio aos EUA, país onde a instituição tem sede.
  • Empréstimos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e os empréstimos bilaterais dos outros países europeus, relativos aos dois primeiros programas de assistência. Quanto a estes, não havendo quaisquer reembolsos a fazer nos próximos anos (nem de capital nem de juros), não há razão para preocupações. Exceto uma: um não-pagamento ao FMI pode desencadear um cross default para outros instrumentos, o que provocaria, por exemplo, um impacto negativo sobre a capitalização dos bancos. “Isto não seria, contudo, uma reação automática e necessitaria de uma decisão explícita por parte do FEEF, pelo que seria uma decisão política”, diz o UBS.
  • Obrigações detidas pelo BCE. O BCE continua a ser um dos maiores credores da Grécia porque comprou dívida grega ao abrigo do extinto programa de intervenção no mercado (Securities Market Programme) lançado por Jean-Claude Trichet. Ao contrário do que aconteceu com os detentores (privados) das outras obrigações comuns da Grécia, o BCE não aceitou participar na troca voluntária que permitiu a reestruturação de dívida de março de 2012. Assim, estas obrigações estão a chegar ao momento da maturidade, em que o capital tem de ser reembolsado, e há quase 3.500 milhões de euros a pagar a 20 de julho e mais 3.188 milhões em 20 de agosto.
  • Dívida de curto prazo emitida junto dos bancos. A Grécia tem, ainda, de continuar a emitir dívida de curto prazo para ir renovando os títulos que vão vencendo e que, portanto, têm de ser reembolsados. De acordo com o calendário atual de dívida de curto prazo, há 3.600 milhões para renovar a 12 de junho e 1.600 milhões a 19 de junho. Em julho, há 2.00 milhões a renovar no dia 10 e 1.000 milhões no dia 17. Se os bancos gregos conseguirem manter (ir renovando) o mesmo nível de exposição a estes títulos, não há grandes razões para preocupação nesta rubrica. O risco, aqui, é que o BCE limite ainda mais essa exposição ou obrigue à apresentação de garantias reforçadas, o que poderia interromper a renovação normal destes títulos.
  • Responsabilidades perante os cidadãos e as empresas gregas. Restam os chamados credores domésticos, ou seja, ordenados da função pública, pensões e dívidas a fornecedores. A julgar pelas declarações públicas, esta será a última categoria em que o governo grego irá falhar, até porque “falhar aqui seria muito negativo politicamente, pelo que não será uma opção”, diz Christian Schulz, do Berenberg Bank, em Londres.

O cenário "mais perigoso aqui é que a Grécia falhe no pagamento à dívida que está no BCE", diz Christian Schulz.

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O cenário “mais perigoso aqui é que a Grécia falhe no pagamento à dívida que está no BCE“, diz o economista, já que seria o cenário que mais provavelmente retiraria margem ao banco central para continuar a financiar os bancos gregos, mesmo através das plataformas de emergência a que estão limitados desde fevereiro. Se já foi suficientemente controversa a própria compra destas obrigações gregas, em 2010 e 2011, com várias críticas de que o BCE estava a violar a regra que o proíbe de financiar Estados, uma falha de pagamento equivaleria – seria difícil justificar o contrário – a uma utilização de liquidez injetada pelo BCE para financiar o Estado grego.

Antes do pagamento ao BCE, a 20 de julho, chega o termo da extensão do programa (por quatro meses) acordada a 20 de fevereiro. Como salientaram esta sexta-feira Yanis Varoufakis, o ministro das Finanças grego, e Wolfgang Schäuble, o alemão, essa extensão termina a 30 de junho. O que acontecerá depois? O ministro alemão das Finanças, Schäuble, dá a resposta: “se não houver acordo até 30 de junho, o tempo expira“.

E se não houver acordo até 30 de junho? "O tempo expira", diz Wolfgang Schäuble.

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O vice-presidente do BCE, Vítor Constâncio, disse, também, na quinta-feira, que não há “uma relação automática” entre um default do Estado grego e a decisão de considerar insolventes os bancos gregos. Sobretudo porque, na estimativa do BCE, apenas cerca de 3% dos ativos totais dos bancos gregos são dívida pública grega, que hoje, como se sabe, está concentrada em credores oficiais.

No entanto, mesmo que o BCE não feche a torneira da liquidez de emergência para a banca grega, um default poderá tornar ainda mais exíguo o conjunto de ativos que os bancos gregos podem usar como garantia para obter essa liquidez. Athanasios Vamvakidis, do Bank of America Merrill Lynch, diz que “sendo certo que não há uma relação automática” entre uma coisa e outra, “o BCE não poderia, de forma alguma, ignorar um default, já que parte das garantias prestadas pelos bancos [para receberem financiamento] e os rácios de capitais dependem de garantias estatais”.

Mesmo sem a liquidez do BCE, "se continuasse a haver uma vontade do lado da Grécia em permanecer no euro, poderá encontrar-se forma de a Grécia ficar mais algum tempo. Se isso poderia durar dias, semanas ou meses dependerá da capacidade do governo grego de tranquilizar os cidadãos no sentido de lhes dar confiança de que, no final de contas, existirá um acordo". Caso contrário, "uma corrida aos depósitos ou uma greve aos pagamentos de impostos podem acabar com tudo muito rapidamente"
Christian Schulz, economista do Berenberg Bank

Se os bancos gregos perderem o acesso à liquidez da banca, “será o caos”, diz Christian Schulz, temendo corridas aos depósitos. “Ainda assim, se continuasse a haver uma vontade do lado da Grécia em permanecer no euro, poderá encontrar-se forma de a Grécia ficar mais algum tempo. Se isso poderia durar dias, semanas ou meses dependerá da capacidade do governo grego de tranquilizar os cidadãos no sentido de lhes dar confiança de que, no final de contas, existirá um acordo”, diz o economista. Se o governo de Tsipras não conseguir fazer isso, porém, “uma corrida aos depósitos ou uma greve aos pagamentos de impostos podem acabar com tudo muito rapidamente“.

Nesse caso, a questão sobre se a Grécia se mantém ou não na zona euro passaria, ainda mais claramente, para o plano político. Christopher Weil, economista do Commerzbank, salienta que “a experiência passada mostra que não devemos subestimar a vontade política em manter a zona euro intacta“. O especialista concorda com a visão tornada pública por vários dirigentes, incluindo o ministro das Finanças da Alemanha, de que seriam “limitadas as consequências do Grexit para a União Monetária”. Mas “ninguém pode garantir que uma saída da Grécia da zona euro não possa levar a um ressurgimento da crise da dívida europeia”, diz Christopher Weil. Além disso, há “considerações geopolíticas a ter em conta, já que uma Grécia insolvente estaria mais suscetível à influência russa”.

Outra opinião, exposta num texto de opinião assinado por membros dos conhecidos grupos Eiffel Group e Glienicker Group, disponível no site do think tank Bruegel: “Acreditamos que uma saída da Grécia da zona euro seria um erro, seria um falhanço político coletivo e, acima de tudo, causaria uma catástrofe social e económica para os cidadãos gregos”. “No entanto, manter a Grécia na zona euro às custas dos cidadãos de outros países, sem um compromisso sério e credível por parte do governo grego em reformar a sua economia e as suas instituições, seria, também, um falhanço político coletivo“.

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