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Há doentes na China e na Coreia do Sul que tiveram testes positivos depois de terem sido dado como recuperados do novo coronavírus
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Há doentes na China e na Coreia do Sul que tiveram testes positivos depois de terem sido dado como recuperados do novo coronavírus

NARENDRA SHRESTHA/EPA

Há doentes na China e na Coreia do Sul que tiveram testes positivos depois de terem sido dado como recuperados do novo coronavírus

NARENDRA SHRESTHA/EPA

Doentes recuperados voltam a testar positivo. O que se passa? Podem contagiar outros? É uma reinfeção ou um erro?

Depois de testes negativos, há doentes a voltarem a ter testes positivos. Porquê? Pode tratar-se de uma reinfeção? Será que não estão a contagiar outros? Especialistas levantam várias hipóteses.

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Há relatos de casos na China, na Coreia do Sul, em Singapura e em Itália. Doentes que foram dados como recuperados do novo coronavírus, depois de terem tido dois testes negativos, voltaram a testar positivo semanas depois. Alguns, mesmo meses depois.

Foi o que aconteceu em Wuhan, cidade chinesa onde o vírus começou e que neste momento tem a pandemia controlada. Pessoas tiveram testes positivos cerca de 50 a 60 dias depois do último teste negativo. Houve até quem tivesse tido estes resultados até 70 dias depois. Mas depois de mais destes dois meses, não apresentavam quaisquer sintomas da doença.

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Na Coreia do Sul, de acordo com a CNN que cita o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças sul-coreano, 163 doentes recuperados voltaram a ter testes positivos: mas apenas 44% manifestava sintomas ligeiros, 2,1% do universo total. Ainda assim, não se sabe ao certo quantas pessoas foram novamente testadas.

No caso de Itália, segundo a Reuters, há também pacientes com testes positivos quatro semanas depois de terem sido dados como recuperados — o mesmo tempo que nos casos sul-coreanos.

Porque é que doentes recuperados voltaram a ter testes positivos?

Jaime Nina, professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), levanta a hipótese de estarmos apenas perante um erro. Ou seja, de os testes negativos dos doentes terem sido falsos negativos, isto é, de o vírus nunca ter chegado a desaparecer dos doentes, simplesmente não ter sido detetado.

O infecciologista do Hospital Egas Moniz, em Lisboa, explica ao Observador que foram publicados “alguns estudos” que referem uma “pequena percentagem” de casos em que ocorre um “segundo episódio de doença”. No entanto, todos os estudos são referentes a pacientes na China que estiveram infetados “na primeira parte da pandemia”, numa altura em que os testes utilizados “eram muito menos bons do que os atuais”.

Fica um grande ponto de interrogação se de facto os doentes tinham ficado livres do vírus ou se simplesmente o teste não os conseguiu apanhar na altura. Pode ser um falso negativo”, diz Jaime Nina, explicando que há uma série de explicações para um teste dar falso negativo. “Pode ser porque o teste foi feito cedo demais, porque pode ter sido feito tarde demais, pode ter sido na sala errada, ou pode ter apanhado saliva e não secreção brônquica”.

Segundo o especialista, “há uma lista interminável para haver um falso negativo, motivos que são inerentes à própria característica do teste, não é algo que vá desaparecer“. Mesmo, com os testes mais recentes. “Haverá sempre falsos negativos com os testes diretos e o PCR [teste que procura o material genético do vírus], que é de longe o teste direto que mais se usa hoje em dia no mundo e é o melhor.”

"Fica um grande ponto de interrogação se de facto os doentes tinham ficado livres de vírus ou se simplesmente o teste não os conseguiu apanhar na altura"
Jaime Nina, professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

Segundo o infecciologista, um desses estudos que remonta a fevereiro e que deu conta de que 5% dos doentes de Wuhan tiveram testes positivos depois de alegadamente estarem curados põe a hipótese de ter havido uma “recrudescência, ou seja, uma pessoa que já tinha aparentemente eliminado o vírus voltar a ter uma recaída e voltar a excretar o vírus”. Mas o que pode ter acontecido é que “o vírus ainda estava presente na altura em que foi declarado que já não estaria.”

Também Margarida Tavares, infecciologista do Hospital de São João, no Porto, fala na possibilidade de um teste falso negativo — aliás, para a especialista, esta hipótese é mais plausível do que uma reinfeção. Isto porque a excreção do vírus, isto é a forma como ele é libertado nas secreções respiratória, não é constante e, tendo em conta esta excreção intermitente, é possível que os testes de PCR não tenham detetado a presença do vírus na amostra que foi recolhida.

Estes testes não têm de forma alguma 100% de sensibilidade. Acho que terão entre 60% a 70%, ou seja, há 60% a 70% de probabilidade de encontrar um teste que é verdadeiramente positivo, portanto pode ser apenas um falso negativo, pode ser uma amostra que é diferente, pode ter sido uma colheita que foi mal feita”, explica Margarida Tavares ao Observador.

E também enumera diversas justificações para um falso negativo: “As amostras são diferentes, são colhidas em momentos diferentes, com técnicas eventualmente diferentes — podem falhar e não o encontrar — e há depois a questão do transporte, que pode inviabilizar o vírus”. E conclui: “Há muitas justificações para se ter um teste negativo antes de se pensar na possibilidade de reinfeção”.

"Há muitas justificações para se ter um teste negativo antes de se pensar na possibilidade de reinfeção"
Margarida Tavares, infecciologista do Hospital de São João

Estes doentes voltam a contagiar outras pessoas como da 1.ª vez?

Tanto as autoridades de saúde chineses como o diretor do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da Coreia do Sul referem que não há qualquer indicação de que estes doentes possam ter contagiado outros. Os especialistas, contudo, não dão tantas certezas e falam em “possibilidades”.

“Penso que nenhum dos estudos que li fala desse assunto, mas teoricamente pode” haver contágio, considera Jaime Nina. Ainda assim, faz uma ressalva: “Na prática”, os teses realizados na altura, apesar de menos fiáveis do que os atuais, já eram “sensíveis” o suficiente. Logo se o vírus não foi detetado, provavelmente era porque a carga viral era muito baixa e, por isso, teria uma baixa probabilidade de infetar outras pessoas.

“Mesmo em fevereiro, os testes já eram tão sensíveis que, quando havia intermitentemente [testes] positivos e negativos, provavelmente era porque o número de vírus era muito baixo, provavelmente já não tinha capacidade de infetar terceiros. Mas estamos tudo a falar em probabilidades, às vezes esquecemo-nos de que o vírus só foi descoberto há menos de quatro meses.”

Os testes não têm 100% de sensibilidade. Acho que terão entre 60% a 70% de sensibilidade, ou seja, 60% a 70% de probabilidade de encontrar um positivo", diz Margarida Tavares

NACHO GALLEGO/EPA

Margarida Tavares diz que, uma vez que se desconhece o que significa este “teste positivo tardio, sem nenhum tipo de manifestação”, não se sabe ao certo se uma pessoa pode ou não contagiar outras. Há indicações, contudo, de que isso não acontece: “Há um estudo que saiu na [revista] Nature, muito pequenino, com nove doentes, mas que parece indicar que, mesmo perante um teste zaragatoa de pesquisa de material genético do vírus e que tem um PCR positivo tardio — ou seja, já muitos dias decorridos sem sintomas —, que não haverá vírus e que, portanto, não haverá possibilidade de transmissão. Mas isto são só possibilidades”.

Isso significa que pode até nem haver reinfeção?

“A probabilidade de reinfeção para mim é muito baixa”, diz Margarida Tavares ao Observador. Isto porque, ao colocar-se esta hipótese, estar-se-ia a admitir que os anticorpos produzidos por uma pessoa que já esteve infetada não lhe conferiam qualquer proteção no imediato. “Isso é uma coisa muito rara de acontecer“, garante.

No caso das doenças infecciosas, explica a infecciologista do Hospital de São João, há umas que conferem uma imunidade “duradoura” ou até “para a vida” — como é o caso do sarampo —, mas há outras cuja imunidade apenas dura alguns meses, como o vírus da gripe. “[Como] dura meses, tem que se fazer a vacina novamente no ano seguinte, não só porque os vírus podem ser diferentes, mas também sabemos que há uma diminuição da imunidade ao longo do tempo. Nós neste caso [do novo coronavírus] desconhecemos [o que acontece], mas admitir que logo nas semanas seguintes se pode voltar a ser reinfetado, para mim, parece-me pouco provável“, diz. Para a infecciologista, é muito mais provável a possibilidade de se tratar do tal teste falso negativo.

"(...) admitir que logo nas semanas seguintes que se pode voltar a ser reinfetado, para mim, parece-me pouco provável"
Margarida Tavares, infecciologista do Hospital de São João

De acordo com Jaime Nina, os autores dos estudos que descrevem os casos de um segundo episódio de doença na China não falam da questão de reinfeção — levantam antes da hipótese da recrudescência, isto é, haver uma nova libertação do vírus. No entanto, este infecciologista considera que “os testes atuais não permitem excluir uma reinfeção”. E explica: “A epidemiologia molecular, por enquanto, ainda não é suficientemente sensível e específica para dizer se é a mesma estirpe ou não. Ao contrário do HIV, em que é fácil analisar a sequência genómica do vírus e ver se é igual à que lá estava antes ou se a pessoa apanhou outro vírus diferente.”

Aliás, o facto de os doentes na China não apresentarem sintomas dá força à ideia de que, nestes casos, não se trata de uma reinfeção, porque “teoricamente” nesses casos haveria novamente sintomas, mas, mais uma vez, ainda é cedo para se ter garantias. “Posso também argumentar que ficaram com imunidade suficiente para eliminar sintomas. Daqui a dois anos tenho uma resposta”, diz entre risos.

"A epidemiologia molecular, por enquanto, ainda não é suficientemente sensível e específica para dizer se é a mesma estirpe ou não"
Jaime Nina, professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

Se houver segunda infeção, será mais fraca ou mais forte?

Ainda não se sabe e, segundo Margarida Saraiva, imunologista e investigadora no i3S – Instituto de Investigação e Inovação da Universidade do Porto –, é preciso fazerem-se mais estudos, até porque “não há uma explicação validada experimentalmente no momento”. No entanto, a especialista considera que o facto de um doente ter tido uma primeira infeção não só não impede de ter uma segunda, como “até pode não ter uma sintomatologia idêntica à primeira, por exemplo, se ficar imune”.

“Nós não sabemos se um indivíduo infetado fica imune ou não, mas no caso de ficar, é natural que numa segunda infeção não tenha uma sintomatologia idêntica à primeira. Mas pode ter o vírus na mesma, pode alojar o vírus”, diz Margarida Saraiva ao Observador, acrescentando que o doente pode ter sintomas mais ligeiros ou pode mesmo ser assintomático “e até pode conseguir eliminar o vírus passado um dia ou dois e no momento em que foi testado isso ainda não ter acontecido”.

“Há muita coisa que pode acontecer, não sei qual será a mais próxima da realidade.”

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