Há quem lhe chame “ouro líquido” ou “ouro verde”. Não é para menos. Nos últimos anos, por conta da subida vertiginosa dos preços, o azeite passou a ser um bem de luxo para muitas famílias. Se em meados de 2022 era possível comprar um litro de azeite virgem extra por cerca de quatro euros, de acordo com o Observatório de Preços Agroalimentar, passados dois anos a mesma garrafa custava quase dez. No final de 2024, fruto de uma boa campanha nos olivais, a tendência começou a inverter-se. E o que é um alívio para o bolso das famílias pode vir a ser “uma catástrofe” para os produtores.
“Os olivicultores estão preocupados com a estabilização dos preços”, admite ao Observador Francisco Pavão, presidente da Associação dos Produtores em Produção Integrada de Trás os Montes e Alto Douro (APPITAD) e vice-presidente da CAP. “As previsões mais catastróficas apontam para uma queda de 50% nos preços, mas temos esperança de que isso não aconteça. Não é um ano fácil, depois de dois anos de crise completa, e precisamos de estabilidade. Se o preço baixa muito, vamos estar a produzir abaixo do limiar de rentabilidade”, aponta o responsável.
No Alentejo, região onde se produz cerca de 85% do azeite em Portugal, “o preço está a descer e a atingir um nível que não era esperado”, confessa Hélder Transmontano, diretor-geral da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos (CAMB). “Se descer mais será muito preocupante”, alerta o dirigente. “Porque põe em causa a sobrevivência de alguns produtores, nomeadamente do olival tradicional de sequeiro”. Parar a atividade ou abandonar os olivais podem ser cenários em cima da mesa, garante. “Trabalhar para aquecer não é comportável. O que esperamos é que o preço não desça mais e talvez até que suba um pouco, para termos alguma rentabilidade”.
A campanha em Portugal está a terminar. Em Espanha, encerra um pouco mais tarde. E é a produção que vier a verificar-se no país vizinho, maior produtor mundial de azeite, que vai ditar os preços finais do “ouro líquido” em 2025.
Preço do azeite disparou mas produtores recusam reconsiderá-lo “um produto de luxo”
Afinal, o que se passa com o preço do azeite?
A “loucura” começou em 2023. O azeite até tinha beneficiado, um ano antes, da crise do óleo provocada pela guerra na Ucrânia, em que as vendas no supermercado chegaram a estar limitadas. Mas uma produção “extraordinariamente baixa” nessa campanha, entre o final de 2022 e o início de 2023, veio mudar o jogo. Para muitas famílias, comprar azeite deixou de ser a regra para passar a ser a exceção.
Segundo os dados compilados pelo Observatório de Preços Agroalimentar, no início de 2022 um litro de azeite virgem extra custava ao consumidor final 4,33 euros, em média. Um ano depois, o mesmo litro de azeite já estava nos 5,33 euros. E no primeiro mês de 2024, o preço tinha disparado para 8,86 euros. O pico foi atingido em março do ano passado, quando o litro de azeite virgem extra custava, em média, 9,78 euros, mais do dobro do que no arranque de 2022. O gráfico do Observatório revela que a ligeira descida de preços no consumidor começou a sentir-se no verão, com o litro de azeite a chegar ao início de dezembro, último período com dados disponíveis, nos 8,69 euros.
Também a Deco Proteste compilou, desde 2022, o preço de vários produtos que compõem um cabaz alimentar médio de uma família, incluindo o azeite, nomeadamente de uma garrafa de 0,75 litros de azeite virgem extra. Segundo os dados fornecidos ao Observador, a recolha conclui que a subida do preço do azeite atingiu o pico em abril de 2024 nos 12 euros, o que representa uma subida de 168,71% face a janeiro de 2022, ou o equivalente a 7,53 euros.
Os dados do Observatório, um instrumento público que monitoriza os preços de vários produtos e dos seus custos ao longo da cadeia de abastecimento agroalimentar, são recolhidos pela Kantar, através de uma amostra de quatro mil lares. Já a Deco Proteste analisa “todas as quartas-feiras o custo total de um cabaz, com base nos preços recolhidos no dia anterior nos principais supermercados com loja online”.
Os preços no consumidor final são um reflexo do que se passou na produção. De acordo com os dados do Observatório Agroalimentar, um quilo de azeitona para azeite custava, em janeiro de 2022, 0,38 euros. Em dezembro do mesmo ano atingiu os 0,68 euros. E na campanha do ano seguinte, que começou em outubro, chegou aos 1,05 euros. Já um litro de azeite na produção (engarrafado sem descontos) passou de 4,38 euros no início de 2022 para mais de 9,3 euros em meados de 2024.
O que aconteceu, explica Francisco Pavão, foi que a produção “em praticamente toda a bacia mediterrânica” caiu para menos de metade, com particular incidência em Espanha. A falta de chuva em 2022 e as temperaturas elevadas registadas na primavera afetaram a floração e a frutificação das árvores. De acordo com os dados oficiais da Comissão Europeia, Espanha passou de uma produção de 1.493 toneladas de azeite em 2021/2022 para 666 mil toneladas na campanha seguinte. O que afeta o preço do azeite em todo o mercado europeu, incluindo Portugal.
A produção nacional também registou uma quebra acentuada de 2022 para 2023, de 206 mil toneladas para 126 mil, o que só por si já levaria a um aumento dos preços. Mas “a pressão” criada no mercado europeu “por não haver tanto azeite em Espanha” fez com que outros países “se virassem para o mercado português, que também não teve campanhas extraordinárias e, havendo mais procura e menos oferta, fez aumentar os preços”, explica Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED). O aumento dos preços acabou por ser maior em 2024 do que em 2023 porque nesse ano ainda havia muito stock acumulado de 2022, o que acabou por não acontecer em 2024, explica Francisco Pavão.
Na campanha de 2024/2025, a natureza parece estar, para já, a ajudar. A produção nacional prevista é de 195 mil toneladas. E o setor é unânime em classificar a campanha espanhola como “excelente”. Nos preços ao consumidor a descida já se nota. “Houve quebras na ordem dos 10% e os retalhistas estão a ver que podem ir até aos 15%”, adianta Gonçalo Lobo Xavier. “Para os consumidores são boas notícias”, remata. Já para os produtores, as contas são outras.
Preços altos afastam consumidores. Vendas caíram 25%
“Apesar do aumento dos preços, a subida do lucro dos produtores não foi igual ao aumento do preço do azeite”, sintetiza Francisco Pavão. Por um lado, tiveram de lidar com o aumento dos fatores de produção “como os combustíveis, os fertilizantes, o vidro, os transportes. Isto teve custos muito altos” para os produtores, lembra o presidente da APPITAD. Além disso, “quando chegamos à floração já investimos muito dinheiro no campo, e quando chegamos à colheita temos as questões fitossanitárias e o custo de colheita. Colher uma árvore com cinco quilos custa o mesmo que colher uma árvore com 20 kg. Os custos de colheita aumentaram drasticamente de um ano para o outro”, acrescenta. E ainda “houve um conjunto enorme de fraudes e pessoas que compravam produtos não conformes, mas em que a ASAE felizmente atuou”.
A juntar à energia e aos combustíveis, Gonçalo Lobo Xavier acrescenta ainda “o aumento do salário mínimo, que é uma coisa boa mas tem consequências. São custos que têm aumentado e que têm implicado muitas variações de preço”, sublinha.
E houve ainda outra consequência do aumento do preço do azeite para os produtores e para a distribuição: a quebra significativa do consumo. Em dois anos, terá chegado a 25% face às vendas de 2022. A estimativa é avançada ao Observador por Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca, que representa as empresas de produtos de marca. “É uma quebra que tem uma relação direta com os preços”, admite. “A quebra foi significativa e teve consequências ao nível operacional para as empresas, estamos a falar de volumes mais baixos e da perda da relação das pessoas com o consumo de azeite”.
Nos últimos dois anos foi notória, revela o responsável, uma substituição do azeite por outros produtos mais baratos, como os óleos. “Isso teve consequências sérias para as empresas que produzem azeite. Por muito que compense uma parte disto, faz com que haja um afastamento do consumidor face ao produto e isso tem sempre consequências mais ou menos trágicas a médio e longo prazo, porque as pessoas vão-se habituando a novas realidades, vão mudando hábitos e regressar a hábitos anteriores torna uma gestão mais difícil”.
“As pessoas passaram a olhar para o azeite como um produto caro”, corrobora Francisco Pavão. “O setor estava a ganhar consumidores todos os anos e de repente viu-se a perder. Agora temos de fazer um trabalho mais forçado para voltar aos consumidores que perdemos. É o dobro do trabalho. Temos de arranjar novos consumidores e chamar os que fomos perdendo”, lamenta.
“Não podemos voltar aos valores de 2021”
Num setor habituado à turbulência e à instabilidade, existem, para já, duas certezas: comprar azeite no supermercado já começa a ser mais barato do que era há alguns meses; mas os preços que os portugueses conheciam até 2022 “dificilmente” vão regressar. “São incomportáveis hoje em dia“, sintetiza Hélder Transmontano.
“Os consumidores estavam habituados a comprar azeite a cinco euros, e já era de perder a cabeça. Hoje o azeite continua nos sete, oito, nove euros… ainda nos custa. Dificilmente vamos voltar aos preços que o mercado conhecia antes da pandemia. Dificilmente porque o mercado fez subir o preço. Nos últimos anos tivemos incrementos de custos dos fatores de produção que têm de ser refletidos. E não apenas pelo retalhista”, aponta Gonçalo Lobo Xavier.
Do ponto de vista das marcas, também não há dúvidas de que os preços “do antigamente” não voltam. “Há dois lados desta questão. Do lado de quem compra e do lado de quem vende. Do lado de quem compra, percebo o impacto disto nas compras das famílias. Do lado de quem vende, a verdade é que nós pagávamos azeite a preços muito baixos em Portugal face a outros mercados”, afirma Pedro Pimentel. “Não é o mesmo que produzir parafusos, são produtos associados à disponibilidade da própria natureza e têm ciclos”. Além disso, a própria produção, “até por questões de sustentabilidade”, não vai ter “quantidades massivas e estas não vão estar disponíveis a preços muito baixos”. E o consumidor, conclui o especialista, “a certa altura tem de fazer uma escolha entre qualidade e preço puro e duro. Essa escolha em alguns produtos é difícil, mas não acredito que regressemos, genericamente, a níveis de preços que tínhamos há uns anos. Estávamos numa planície, subimos e atingimos um pico, mas quando descemos não voltamos à planície, ficamos num planalto”.
Já do lado da produção, a questão nem se coloca. “Não podemos voltar aos valores de 2020 ou 2021, a rondar os três ou quatro euros. Temos de estabilizar num preço aceitável. É com preocupação que seguimos o mercado e os olivicultores estão preocupados com a estabilização dos preços”, destaca Francisco Pavão. “Em Espanha temos um preço médio de olival tradicional não mecanizado de sequeiro a rondar os 4,5 euros. Em Portugal a rentabilidade é menor, os custos de produção são mais elevados, andamos aqui nos 5,5 euros por quilo de azeite”, explica, pelo que o azeite a quatro euros só regressará em caso de promoções agressivas. O que pode acontecer.
“As marcas estão preocupadas”, reconhece Pedro Pimentel. “Baixar preços é uma forma de ver se as pessoas regressam. Acho que vamos ter um período de oscilação de preços, em que há uma concorrência forte, até por parte das marcas próprias, que podem fazer reduções de preço maiores. Sem estar em promoção, o azeite atinge níveis assustadores para muitos consumidores”.
Enquanto “produto muito nosso”, o azeite é usado em Portugal “para tudo”. E essa mentalidade pode ajudar a recuperar algum consumo. “O azeite tem três funções na nossa alimentação: tempero, fritura e ingrediente culinário. A parte da fritura, que ocupa mais em termos de quantidade, é muito dependente do preço. É normal que a redução dos preços torne mais fácil as pessoas regressarem. Não é um produto de moda, é um produto incorporado nos nossos hábitos. As trocas foram feitas por questão de rendimento, não por acharmos que o produto tem defeito”, resume Pedro Pimentel. Sem dados que permitam fazer uma previsão exata, o diretor da Centromarca deixa um vaticínio para o futuro do consumo do “ouro verde”. “As pessoas poderão regressar, não sei se a 100% mas se houver um ciclo de dois ou três anos que permita segurar as cotações do produto, é normal que o consumo regresse”.