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Maior parte dos militares russos são contratados para lutar na Ucrânia

Anadolu Agency via Getty Images

Maior parte dos militares russos são contratados para lutar na Ucrânia

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Dos recrutas inexperientes aos militares contratados. Quem são os russos que combatem na Ucrânia?

São "carne para canhão" ou soldados experientes? Vêm de Moscovo ou da periferia? Questões que ajudam a traçar um perfil do soldado russo — e a perceber alguns erros cometidos pela Rússia na Ucrânia.

Vadim Shishimarin é um dos poucos rostos conhecidos entre os milhares de militares russos que travam combates na Ucrânia. Oriundo da pequena cidade de Ust-Ilimsk, no leste da Rússia e perto da Mongólia, o jovem de 21 anos — condenado a prisão perpétua pela justiça ucraniana pela prática de crimes de guerra — assinou um contrato com o exército russo em 2020 que mudou o seu destino para sempre.

No início da invasão, 190 mil militares russos (entre os quais Vadim) foram mobilizados para combater em território ucraniano. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, pensava que as suas forças seriam capazes de conquistar a Ucrânia através de uma guerra relâmpago, mas esse objetivo inicial falhou. Atualmente, assiste-se a uma guerra de desgaste em Donbass, sendo que as perdas do lado russo são consideráveis, algo que o Kremlin já admitiu. A última contabilização das autoridades de Kiev dá conta de que cerca de 32 mil militares russos já morreram na Ucrânia, alguns deles altas patentes do exército russo.

Paralelamente, os soldados russos têm vindo a ser acusados de vários crimes de guerra. O massacre de Bucha e o nível de destruição provocado em Mariupol e, mais recentemente, em Severodonetsk são alguns dos episódios que revelam a brutalidade da ação das tropas de Moscovo. Vadim é um desses exemplos: durante o seu julgamento, a meio de maio, confessou em tribunal que recebera ordens para disparar contra um civil de 62 anos desarmado.

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As tropas russas são compostas por milhares de casos como o que levou Vadim a combater na Ucrânia. Um contrato assinado em 2020 conduziu-o a uma guerra movida, entre outras, pela ideia de desnazificar e desmilitarizar o país. Instruído por generais que empregam métodos brutais para conseguirem alcançar os objetivos a que se propõem, o jovem de 21 anos poderá permanecer atrás das grades até ao fim da sua vida. Tal como ele existem outros exemplos — mas será possível traçar um perfil dos militares russos que combatem na Ucrânia?

De onde vêm e que idade têm os soldados russos?

Jovens e de oriundos de zonas pouco desenvolvidas da Rússia. Esta é a ideia que a Ucrânia tem tentado passar quando se fala do exército russo. Por exemplo, no seu discurso a 19 de maio, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, referiu-se às forças russas como um corpo composto por “soldados inexperientes, que são usados como carne para canhão”. O caso de Vadim parece encaixar quase na perfeição nesta conceção: o jovem vinha de uma localidade distante das grandes metrópoles de Moscovo e de São Petersburgo — mas, apesar dos seus 21 anos de idade, já assumia funções de comandante de uma unidade militar, a 32010 da 4ª Divisão de ‘Kantemirov’.

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Ao Observador, Andrew Lohsen, analista político do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, em Washington, confirma a existência deste perfil de militares entre as forças russas. “Olhando para quem são os militares que constituem as forças russas, aquilo que vemos são jovens adultos de regiões economicamente fragilizadas que não têm grandes oportunidades” além da incursão na vida militar, avança Lohsen, indicando que vários dos soldados que acabaram por perder a vida na Ucrânia eram oriundos de regiões como o Daguestão (na zona do Cáucaso) ou da Buriácia (no extremo oriente russo, perto da Mongólia).

No entanto, o analista político, que se especializou em temas como a Rússia e a Europa pós-soviética, realça que a maior parte das localidades de onde eram naturais os soldados russos, apesar de menos desenvolvidas em comparação com Moscovo, são, ainda assim, “urbanizadas” .“O rosto do soldado russo é composto muitas vezes [pelos traços representativos] de uma comunidade étnica da Rússia, uma minoria étnica” de “áreas eslavas” próximas do Ocidente.

“Olhando para quem são os militares que constituem as forças russas, aquilo que vemos são jovens adultos de regiões economicamente fragilizadas que não têm grandes oportunidades” além da incursão na vida militar.
Andrew Lohsen, analista político do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais

E como se recruta — ou se seleciona — cada militar para determinada função? “Depende do tipo de capacidades de que se precise da parte de cada militar”, assinala Marek N. Posard. Numa perspetiva mais ampla sobre as origens dos homens que compõem as forças russas, o sociólogo sinaliza que, se aquilo de que se precisa é de soldados com “qualificações mais técnicas”, talvez haja um “certo tipo de pessoas nas áreas urbanas onde é preferível recrutar”. Pelo contrário, se se quiser apostar em soldados menos especializados, pode apostar-se num recrutamento menos afunilado, diz o sociólogo militar. “Os comandantes têm muito por onde escolher em várias partes do país”, nota.

Ao Observador, Paul Schwartz, especialista militar na área da política de defesa russa do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, admite que os militares podem vir “um pouco de toda” a Rússia. “Isso inclui todas as regiões, como o extremo-oriente ou as regiões da Ásia Central. Há muçulmanos e vários soldados que pertencem a minorias étnicas”, classifica.

Num país em que o serviço militar é obrigatório para homens com mais de 18 anos, Andrew Lohsen enfatiza que os jovens originários de “famílias com conexões políticas” — a maior parte de Moscovo e de outras grandes cidades — tentam contornar essa obrigatoriedade. “Qualquer pessoa que consiga evitar cumprir serviço militar tende a fazê-lo”, diz Lohsen, acrescentando que o recrutamento de jovens que querem apostar na carreira militar tem “mais sucesso” nas regiões em que persistem as tais “condições socioeconómicas desfavoráveis”.

Marek N. Posard concorda neste ponto. “Pessoas com conhecimento e que têm recursos conseguem evitar que os seus filhos cumpram serviço militar obrigatório”, vinca, concedendo que isso “é mais difícil” para quem tem poucos rendimentos. “Também vimos isto nos Estados Unidos. Não é apenas uma coisa russa. As pessoas com os contactos certos conseguem não ser chamadas.”

O exemplo de Vadim é revelador deste processo. Numa entrevista ao órgão independente russo Meduza, a mãe do soldado contava que a família passou por dificuldades económicas após a morte do pai do jovem, em 2020. “Ele sente-se responsável por mim”, revelou a progenitora, que também detalhou que “não havia nada” para Vadim fazer em Ust-Ilimsk, cidade de que era natural: “Não há realmente nada para fazer aqui.”

epa09957498 Russian serviceman Vadim Shishimarin sits in the dock on the second day of his war crimes trial in the Solomyansky district court in Kyiv, Ukraine, 19 May 2022. Shishimarin on the first day pleaded guilty to charges of killing an unarmed 62-year-old civilian man as Shishimarin fled with four other soldiers near Chupakha village in the Sumy area. Ukraine is holding the first war crimes trial amid the Russian invasion. Shishimarin faces possible life imprisonment if found guilty as the prosecutor's general office said.  EPA/OLEG PETRASYUK

Vadim é um dos rostos do típico soldado russo, que saiu da pequena cidade onde morava para integrar o exército

OLEG PETRASYUK/EPA

No que diz respeito à idade dos soldados, Marek N. Posard considera que existe uma “mistura” de várias faixas etárias nas tropas russas — sendo, na sua maioria, composta por jovens militares.

Como é que os soldados russos vão parar à Ucrânia?

Nas operações militares que a Rússia leva a cabo no estrangeiro, existe um esquema fixo na mobilização dos militares. Ao Observador, Paul Schwartz especifica que 65 a 70% dos soldados têm um vínculo contratual para lutar na Ucrânia (tal como Vadim), enquanto 30 a 35% têm o estatuto de recrutas nas Forças Armadas russas. É, por conseguinte, uma “força híbrida” de duas componentes a que se juntam as altas patentes.

“O que acontece na Rússia é que os soldados contratados estão na linha da frente”, explica Paul Schwartz. Muitos militares assinam um contrato de entre dois a três anos, detalha o especialista, que descreve que lhes é fornecido um “treino básico” e um “mais avançado”, de modo a que consigam ganhar experiência. Alguns deles já cumpriram outras funções militares e possuem capacidades técnicas que valorizam o exército russo.

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Os soldados russos com contrato ocupam a linha da frente

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Concordando com a posição de Paul Schwartz, Marek N. Posard diz que estes soldados que assinaram um contrato “se voluntariaram e, hipoteticamente, são mais profissionais” do que os recrutas.

Normalmente, a idade mínima para assinar um contrato com o exército russo ia dos 18 aos 40 anos. Contudo, com o evoluir da guerra na Ucrânia, o Parlamento russo aprovou uma lei que torna possível que qualquer voluntário que não tenha atingido a idade legal de reforma, atualmente fixada nos 61 anos e seis meses para os homens, possa alistar-se no exército. A razão? “Este projeto de lei vai permitir atrair para o exército pessoas dotadas de especialidades que se procuram”, disse no final de maio o deputado Andrei Kartapolov, um dos autores da medida.

Rússia aprova alistamento militar a homens com mais de 40 anos

Ao Observador, Andrew Lohsen refere o mesmo rácio no que concerne à distribuição dentro das forças russas. O analista político justifica também o uso de soldados contratados pelo Kremlin, uma vez que, “à luz da sua legislação, a Rússia não pode enviar recrutas para uma operação militar fora do país“. “A Rússia não se mobilizou para uma guerra, ainda está numa operação militar especial”, recorda Lohsen.

Ainda assim, Vladimir Putin já admitiu que, em alguns momentos, foi identificada a presença de recrutas na guerra na Ucrânia. Militares que, admite Andrew Lohsen, estariam naquele teatro de operações “por acidente”, uma vez que o Presidente russo está a ser “muito cuidadoso”, procurando evitar enviar este tipo de militares para a frente de guerra. “Ele estaria a mobilizar o país para uma guerra sem nunca a ter declarado”, refere o analista político, que vinca que esta ação seria “arriscada para as elites russas e para o próprio chefe de Estado”. “Penso que existe uma aversão a tentar mobilizar as forças fora do espetro legal estabelecido na Rússia.”

No que concerne à idade, os recrutas são “muitos novos”, tendo normalmente entre 18 e 19 anos. Paul Schwartz salienta que, em condições normais, a maioria cumpre o ano obrigatório no serviço militar e abandona-o logo de imediato. “São soldados muito jovens e não são extremamente competentes nem proficientes porque não tiveram tempo nem experiência suficiente para desenvolver capacidades militares.”

"[Os recrutas] são soldados muito jovens e não são extremamente competentes nem proficientes porque não tiveram tempo nem experiência suficiente para desenvolver capacidades militares"
Paul Schwartz, especialista militar na área da política de defesa russa do centro de estudos estratégicos internacionais

Alguns destes soldados optam também “por assinar um contrato de dois anos” assim que entram no serviço militar obrigatório (em vez de um), o que lhes permite “ganhar um pouco mais de experiência no segundo ano”, destaca Paul Schwartz.

O envio “cuidadoso” de recrutas por parte do Vladimir Putin também muda a configuração das suas funções no terreno. Muitos dos militares com menos experiência estão envolvidos “em outras funções além daquelas desenvolvidas na frente de guerra”. De acordo com Andrew Lohsen, muitos desempenham um papel mais “de apoio” ou de retaguarda. Paul Schwartz exemplifica algumas das suas tarefas: “Conduzir camiões, ajudar na distribuição de mantimentos e auxiliar na logística.”

epa10000232 Russian President Vladimir Putin chairs a meeting on economic issues via a video conference at Novo-Ogaryovo residence outside Moscow, Russia, 07 June 2022.  EPA/MIKHAIL METZEL / KREMLIN POOL / SPUTNIK MANDATORY CREDIT

Vladimir Putin tem evitar enviar recrutas para a Ucrânia

MIKHAIL METZEL / KREMLIN POOL / SPUTNIK/EPA

Neste momento da ofensiva, a linha que separa um recruta de um soldado a contrato é ténue, ressalta Andrew Lohsen. O governo russo está a tentar contratar os militares cujo serviço militar obrigatório termina este ano para “preencher as fileiras” e conseguir substituir os militares que acabaram por morrer na Ucrânia. “Eles querem convencer os recrutas a assinar um contrato de curta duração com um salário alto para continuarem a lutar no exército enquanto soldados contratados”, expõe o analista.

"A Rússia quer convencer os recrutas a assinar um contrato de curta duração por um salário alto para continuarem a lutar no exército enquanto soldados contratados"
Andrew Lohsen, analista político do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais

As circunstâncias a isso obrigam, realça Andrew Lohsen. A Rússia “está a perder a sua habilidade para garantir um treino apropriado às suas unidades”, devido à duração do conflito e à perda de soldados. Os recrutas que terminam o serviço militar são vistos, assim, como um ativo “garantido” — apesar de não constituírem um apoio “substancial” na frente de guerra.

Correm alguns rumores de que a Rússia não dá liberdade de escolha aos recrutas, obrigando-os a assinar contratos para lutar na Ucrânia, uma possibilidade que Paul Schwartz vê como muito provável. É também “claro”, para este especialista, que “muitos soldados foram enviados para combate sem estarem inteirados do que iria acontecer” na Ucrânia. E isso, admite Lohsen, pode trazer “problemas” para o “moral” das tropas.

No exército russo, aqueles que possuem mais experiência são as altas patentes militares. Paul Schwartz traça-lhes um retrato: “Têm qualificações, são originários de todo o país e têm um compromisso com o serviço militar. Tipicamente estiveram inscritos em academias em que desenvolveram um treino mais avançado. Estas são as pessoas que são treinadas para liderar.”

A organização do exército russo têm influência no desenrolar do conflito?

Os três especialistas ouvidos pelo Observador concordam na análise de que a forma como o exército russo está organizado contribuiu para alguns falhanços iniciais por parte das tropas de Moscovo, principalmente no objetivo de concretizar uma guerra relâmpago — que começasse e terminasse em poucos dias ou num par de semanas.

Andrew Lohsen frisa que o Kremlin esperava que houvesse uma “mobilização em massa” logo após o  anúncio da invasão, o que iria aumentar substancialmente o número de soldados contratados. Ora, isso não aconteceu: “A prestação militar insuficiente nos primeiros dias da guerra prende-se com o facto de [a Rússia] ter enviado unidades que não estavam completas para lutar na Ucrânia”, diz, salientando também que as forças russas estavam mal preparadas para enfrentar a situação no terreno.

“Vimos batalhões a entrar na Ucrânia com poucos soldados”, relata o analista militar, que vinca que isso se verificou “especialmente naquelas [unidades] que se dirigiram a Kiev”. Houve também vários erros no “planeamento militar“, menciona Andrew Lohsen. “Esta operação foi mantida em segredo de muitos comandantes, exceto das altas patentes, que também só foram informadas a um, dois dias da invasão.” Em consequência, muitos dos comandantes não “tinham ideia para aquilo a que estavam a ser enviados” e para a realidade com que iriam ser confrontados, não tendo preparado as suas tropas para um conflito na Ucrânia.

War In Ukraine

Kiev foi um dos objetivos falhados das tropas russas

NurPhoto via Getty Images

Já Marek N. Posard relaciona os problemas no exército russo com uma questão “de comando e controlo” e de motivação. Com uma “força híbrida entre soldados contratados e recrutas”, estes últimos “não estarão tão motivados como aqueles que assinaram um contrato”.

As tropas russas enfrentam, por isso, dificuldades em desempenhar as suas missões no terreno, especialmente os recrutas — integrados numa lógica de serviço militar obrigatório e que estarão pouco dispostos a correr riscos. O sociólogo militar traça um paralelismo com o facto de “vários generais terem sido mortos em combate”. “É outro indicador, porque demonstra que as altas patentes estiveram na frente de guerra e tornaram-se alvo das forças inimigas”, algo que, com um exército motivado, não teria acontecido.

“Quando se tem este tipo de problemas, particularmente com o moral e a liderança, isso pode metastizar e espalhar-se com um cancro”, sentencia Marek N. Posard, que afirma que isso pode ajudar a explicar alguns falhanços no início da invasão por parte da Rússia.

"Quando se tem este tipo de problemas, particularmente com a moral e a liderança, isso pode metastizar e espalhar-se com um cancro"
Marek N. Posard, sociólogo militar membro do think tank Rand Cooperation

Todavia, o sociólogo militar ressalva que tal não significa nem que as “forças russas vão perder nem que são terríveis”. “Há muitos exércitos maus que conseguem ter sucesso.” Ainda assim, a longo prazo, começa a ser mais difícil colmatar as falhas, sendo que o especialista antecipa que “mesmo que [a Rússia] consiga controlar certas partes do território, será extremamente difícil manter esse território sob controlo e realizar aquilo a que chamaríamos uma operação de estabilização”.

Além disso, Marek N. Posard refere que, antes de 24 de fevereiro, existia uma perceção errada em todo o mundo, incluindo na Rússia, de que a Ucrânia não conseguiria repelir a invasão. “Agora, passou-se para o outro extremo, em que várias pessoas estão a dizer que as tropas russas são um fracasso”, comenta, esclarecendo que a “verdade está no meio” destes dois cenários.

“As tropas russas não são completamente incompetentes, mas têm problemas na sua estrutura. Mas isso não significa que não os possam ultrapassar e não significa que não estejam cientes disso”, sintetiza Marek N. Posard.

Por seu turno, Paul Schwartz começa por referir que nem todas as unidades militares russas são iguais: há umas com mais soldados contratados, outras com mais recrutas, além das circunstâncias distintas com que algumas foram confrontadas: “Algumas estavam melhor equipadas [em termos de armamento], umas enfrentaram um maior nível de resistência, o terreno também era diferente…”

Paul Schwartz sublinha também as “ilusões” da Rússia, isto é, as expectativas desajustadas da Rússia antes da invasão. “Existia a ilusão de que seriam recebidos com flores”, assinala o especialista, que também salienta que existia a ideia de que os militares ucranianos nunca conseguiriam formar uma resistência capaz de bloquear a ofensiva russa.

“Houve alguma má gestão da operação em si e isso não decorre necessariamente dos soldados da linha da frente”, denota Paul Schwartz, que menciona que houve problemas de comando e controlo assim como de logística por parte dos generais. “Houve também problemas na forma como a força foi empregada”, destaca, explicitando que certas unidades “eram autorizadas a sair” antes de tempo — o que levava a erros estratégicos precipitados.

epa10009665 A picture taken during a visit to Mariupol organized by the Russian military shows a Russian serviceman in a vehicle with letter 'z' guards on the road in front of the monument of steel worker with Russian National flag at the entrance to the city of Mariupol, Donetsk region, Ukraine, 12 June 2022. On 24 February Russian troops entered Ukrainian territory starting a conflict that has provoked destruction and a humanitarian crisis. According to the UNHCR, more than six million refugees have fled Ukraine, and a further 7.7 million people have been displaced internally within Ukraine since.  EPA/SERGEI ILNITSKY

As tropas russas agiram muitas vezes de forma "precipitada", diz Paul Schwartz

SERGEI ILNITSKY/EPA

A falta de conhecimento do terreno também contribuiu para algumas falhas da Rússia, área em que a Ucrânia estava em vantagem, refere Paul Schwartz. Por exemplo, as autoridades ucranianas bloquearam as principais estradas e tiraram partido de elementos naturais como a lama ou os rios — o que criou várias dificuldades às tropas russas.

As exceções: os chechenos e buryats

Além dos recrutas e dos soldados contratados, há duas exceções no terreno — ou elementos extra na equação — que foram reconhecidas pelo Kremlin e que estão a ajudar as forças russas: as brigadas da Chechénia, leais a Vladimir Putin, e as do Buryatia, um grupo de soldados oriundos de um território russo perto da Mongólia. Os dois grupos são acusados de serem violentos e de levarem a cabo massacres em território ucraniano.

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A aliança entre o Presidente russo e o líder da Chechénia, Ramzan Kadyrov, ajuda a explicar o envolvimento das tropas da região

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Enviando soldados para ajudar a ofensiva em todo o território, Andrew Lohsen alega que a Rússia usa as unidades chechenas por causa do seu “impacto psicológico”: “Eles são lutadores que metem medo. Têm um reputação de serem tenazes a combater”. O especialista recorda que já existe uma “evidente quantidade de provas dos abusos que foram cometidos” pelos chechenos na Ucrânia, principalmente em Mariupol.

Reconhecidos pela resistência nas guerras da Chechénia, os líderes regionais conseguem recrutar mais facilmente soldados (alguns deles especializados) para combater em unidades específicas na Ucrânia. “Eles têm a reputação de serem mais violentos e usam táticas de combate mais brutais”, descreve ainda Andrew Lohsen.

“São um caso único”, assegura, por sua vez, Paul Schwartz, que fala num “acordo” entre Ramzan Kadyrov, líder da República da Chechenia, e Vladimir Putin. O Presidente russo concedeu ao líder regional “muito poder e autonomia” em troca de garantias de que a região seria “pacificada” — entenda-se, não seria alvo de um controlo mais apertado por parte do Kremlin. Esse apoio manifesta-se agora “em todas as ações das forças militares russas”.

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No que concerne aos Buryats, uma das suas brigadas tornou-se conhecida (a 64.ª) após o massacre em Bucha, sendo que posteriormente Vladimir Putin a condecorou e elogiou o seu “heroísmo, resiliência e coragem”. Até ao momento, de acordo com Andrew Lohsen, Bucha, nos arredores de Kiev, foi a única cidade “onde aconteceu algo terrível do género” por parte destas forças — e o papel desta minoria étnica na ofensiva ucraniana ainda é, em grande parte, desconhecido.

De forma não oficial, Andrew Lohsen confirma que existem combatentes do grupo Wagner (conotado com a extrema-direita e com movimentos neonazis) na Ucrânia. Apesar de estar proibido na Rússia, o analista político explica que o comandante militar do grupo, Dmitriy Valeryevich Utkin, mantem uma boa relação com Vladimir Putin, o que lhe permite gozar de uma espécie de imunidade, desde que se mantenha longe do Kremlin.

Grupo Wagner. Os homens de guerra do Kremlin para apanhar Zelensky

O grupo Wagner “serve como um braço armado da política externa russa”, envolvendo-se em cenários de guerra um pouco por todo o mundo. São muitas vezes testas de ferro do Kremlin, que deseja ter uma presença ativa em certas ofensivas sem que isso seja notado pela comunidade internacional. A presença deste grupo paramilitar faz transparecer a imagem de que a “Rússia não interveio” nos conflitos, apesar de indiretamente o ter feito, explica Andrew Lohsen. Tendo em conta estes pressupostos, não é de estranhar que o movimento esteja em território ucraniano.

"[O grupo Wagner] serve como um braço armado da política externa russa"
Andrew Lohsen, analista político do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais

Há outro grupo de soldados que a Rússia tem do seu lado — e estes têm nacionalidade ucraniana. Após ter irrompido um conflito na região de Donbass em 2014, vários militares das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk “receberam treino e armamento da Rússia”, apesar de não integraram as forças armadas russas, sublinha Paul Schwartz.

“Não são unidades de combate e não fazem parte das tropas russas”, refere Paul Schwartz, que as enquadra enquanto uma “milícia” pró-russa. “Eles coordenam as suas ações e recebem ordem das forças russas. Estiveram envolvidos, por exemplo, na questão de Mariupol”, explica, acrescentando que alguns já são “proficientes” e eficazes no combate militar após “terem lutado pelo controlo de Donbass durante sete anos”.

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