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Em situações idênticas, os lotes são sujeitos a testes de estabilidade, segundo as regras da indústria farmacêutica, para se concluir se podem ser administradas

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Em situações idênticas, os lotes são sujeitos a testes de estabilidade, segundo as regras da indústria farmacêutica, para se concluir se podem ser administradas

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Doses requalificadas. As milhares de vacinas contra a Covid que saíram do frio depois do prazo de validade

Vacinas requalificadas são aquelas que ficam armazenadas no frio, entre 2ºC e 8ºC, para além dos 30 dias previstos. Infarmed garante a sua segurança, mas rejeita o uso do termo "requalificada".

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Milhares de doses de 4 lotes da vacina da Moderna contra a Covid-19 foram administradas em Portugal apesar de terem passado mais 15 dias no frigorífico do que o período recomendado pela farmacêutica. O Infarmed confirma a situação e garante que o medicamento estava seguro, não correndo os utentes quaisquer riscos. No entanto, não diz quantas doses foram administradas nem em que zonas do país. Junto das equipas de vacinação, o Observador apurou que foram dadas indicações aos enfermeiros para que estas vacinas — requalificadas, na gíria do setor — fossem sinalizadas como tal na plataforma e-vacinas. O Infarmed, que inicialmente respondeu que esta sinalização era apenas mais uma medida normal de farmacovigilância, numa segunda resposta afirmou não ter sido “aplicado qualquer mecanismo de sinalização distinto ou particular para nenhuma destas vacinas”.

O que aconteceu então? Há 15 dias que aqueles quatro lotes de vacinas da Moderna já deviam ter sido administrados: as normas ditam que as vacinas mRNA só podem estar guardadas no máximo 30 dias a temperaturas entre os 2°C e os 8°C. Esse prazo de validade já tinha passado, mas as doses foram administradas, uma vez que quando se fala de vacinas contra a Covid-19 a regra de ouro é evitar o desperdício. O passo seguinte, antes de inocular estas doses, foi testar a estabilidade das vacinas que foram distribuídas por todo o país. Depois de garantida a segurança, seguiram o caminho natural de outros lotes: foram injetadas no braço de quem se quer proteger contra o novo coronavírus, mas não sem antes ficar registado que aqueles utentes receberam uma vacina requalificada — nome utilizado na gíria, entre enfermeiros, mas que o Infarmed recusa ser uma designação oficial para estes casos.

Ao Observador, o mesmo organismo garante a segurança destes medicamentos e relativiza o facto de ficar registada a sua toma. “Foi apenas uma medida adicional de segurança para os utentes em quem foram administradas essas vacinas, após avaliação da extensão do prazo de validade da vacina Moderna descongelada”, respondeu a autoridade nacional de medicamento, numa primeira resposta enviada por escrito ao nosso jornal.

O que são vacinas Covid requalificadas?

Embora os profissionais de saúde se refiram a elas nestes termos, o Infarmed não o reconhece como designação oficial. São vacinas que ficam armazenadas no frio, entre 2ºC e 8ºC, para além dos 30 dias previstos nas normas das autoridades de saúde, portuguesa e europeia, e também segundo as indicações das farmacêuticas. A nomenclatura usa-se para qualquer tipo de vacina que fique congelada para lá do previsto (ou que sofra uma quebra na cadeia de frio) e desde que seja garantida a sua segurança. No passado, antes ainda da pandemia, qualquer vacina que expirasse o prazo de validade de congelação era destruída, algo que hoje não acontece, já que para a maioria dos casos há procedimentos estudados pela indústria farmacêutica para garantir a sua segurança.

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“Isso é o nosso dia a dia”, diz a bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Não só acontece com as vacinas da Covid como com todas as outras, diz Ana Rita Cavaco. As primeiras são olhadas com mais atenção por ser “uma situação nova”.

Por que motivo o Infarmed não fala de vacinas requalificadas?

“Não existe tal designação aplicável ao contexto da vacinação contra a Covid-19”, responde a autoridade nacional do medicamento. Porquê? Porque “a preparação e administração destas vacinas seguiram sempre, nas suas diferentes fases e à medida que ia surgindo mais informação científica sobre as mesmas, as recomendações de utilização autorizadas pela Agência Europeia de medicamentos”, diz o Infarmed, para além de terem sido avaliadas pelo Comité de Medicamentos de Uso Humano.

“De um ponto de vista técnico-científico, todas estas vacinas são absolutamente equivalentes entre si em termos de qualidade, segurança e eficácia”, assegura o Infarmed. “Pela mesma razão, não é aplicado qualquer mecanismo de sinalização distinto ou particular para nenhuma destas vacinas: todas as vacinas contra a Covid-19 são monitorizadas em termos de sistemas de administração e de farmacovigilância de forma idêntica.” Esta segunda segunda resposta enviada ao Observador, contradiz a primeira, quando o organismo assumia que o registo estava a ser feito.

Por outro lado, e sobre o termo utilizado, o Observador teve acesso a circulares internas dos centros de saúde onde a designação “requalificada” é usada para fazer referência a estas vacinas. Fonte que participou no processo de vacinação no terreno garantiu ter recebido ordens para sinalizar estas doses como requalificadas no e-vacinas.

Quando é que foram usadas?

As vacinas do lote em causa, da Moderna, foram administradas no final de setembro em vários centros de vacinação do país. A validade inicial das doses era até dia 12 de setembro, tendo sido requalificadas por mais duas semanas, estendendo-se a sua validade até dia 27. Questionado pel o Observador, o Infarmed não respondeu em que centros e em que datas foram utilizadas estas doses ou quantos utentes as receberam.

Quem administrou a vacina sabia que era requalificada? E quem a recebeu?

As equipas que estão nos centros de vacinação, ou nos centros de saúde, não só foram avisadas como tiveram de fazer um registo adicional no e-vacinas, a plataforma onde introduzem os registos da vacinação contra a Covid-19, segundo fonte das equipas de vacinação. Avisar (ou não) os utentes ficou ao critério da coordenação das equipas de cada centro e, ao que Observador apurou, em vários casos a opção foi a de não passar essa informação. Fonte do setor da saúde, e que esteve num destes centros de vacinação, argumenta que havendo certeza de que a vacina não tinha quaisquer problemas, não havia necessidade de fazer o alerta.

A bastonária dos Enfermeiros concorda. “As pessoas já têm tantas dúvidas que estar a explicar mais isto só vai trazer mais confusão aos utentes quando sabemos que se tratam de vacinas seguras.”

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Apesar de, atualmente, a regra ser manter as vacinas 30 dias entre 2ºC e 8ºC, tanto Pfizer como Moderna (vacinas mRNA) continuam a elaborar estudos para tornar mais fácil o armazenamento das vacinas

SOPA Images/LightRocket via Gett

Se eram seguras por que motivo tiveram de ficar registadas no sistema?

Fonte do setor de saúde explica que a decisão está relacionada com a farmacovigilância a que todos os medicamentos estão sujeitos e que, no caso das vacinas contra a Covid-19, ainda é mais apertada, já que são fármacos recentes e a vacinação em massa está a acontecer no momento atual. Para além disso, são medicamentos que foram introduzidos no mercado com autorização para uso de emergência e a própria Autoridade Europeia do Medicamento (EMA) tem um plano de vigilância reforçado.

“Sempre que há uma alteração à primeira autorização de introdução no mercado (AIM) inicial de um medicamento aperta-se a vigilância, tal como acontece nos ensaios clínicos, para estarmos atentos ao surgimento de novos padrões”, explica a mesma fonte. Em situações como esta, a decisão nunca é tomada à revelia de quem produz a vacina, garante, e é com base em estudos que as próprias farmacêuticas fazem que as alterações vão sendo propostas.

“Foi tudo feito como deve de ser, para garantir que as vacinas estavam boas”, garante fonte de um centro de vacinação que teve de administrar estes lotes da Moderna. No entanto, confessa, preferia que os utentes tivessem sido avisados do que se passava. Quanto ao registo no e-vacinas tratou-se de uma “medida adicional de segurança para os utentes”, disse o Infarmed na primeira resposta enviada ao Observador, garantindo não ter surgido, até à data, nenhum padrão anormal. Tudo correu como era expectável. É na segunda resposta, a um novo bloco de perguntas do Observador, que o Infarmed afirma que, afinal, “não é aplicado qualquer mecanismo de sinalização distinto ou particular para nenhuma destas vacinas”.

Ana Rita Cavaco lembra que, por vezes, há falhas de energia nas unidades de saúde familiar e, também por isso, as normas sobre cadeias de frio têm “intervalos de temperatura simpáticos”. No mesmo frigorífico convivem várias vacinas, vivas ou atenuadas. “Quando falta a luz, a temperatura fica instável e assim que se percebe, muda-se logo as vacinas para outra cadeia de frio. Até perceber a que temperatura ficaram, e se estão estáveis, as vacinas ficam de quarentena”, explica.

Como é que foi garantida a segurança das vacinas?

Segundo fonte que acompanhou o processo no terreno, todas as doses foram sujeitas a um teste de estabilidade, um garante da sua segurança. Os procedimentos de como fazê-lo estão descritos nos guiões de uso e manuseamento enviados pelas próprias farmacêuticas. Apesar de, atualmente, a regra ser manter as vacinas 30 dias entre 2ºC e 8ºC, tanto Pfizer como Moderna (vacinas mRNA) continuam a elaborar estudos para tornar mais fácil o armazenamento e o transporte das vacinas contra o vírus da Covid-19.

Quantos dias ficaram no frio? E quantos dias podem ficar?

Estes quatro lotes da Moderna ficaram 45 dias armazenados entre 2ºC e 8ºC, ao invés dos 30 dias que ditam as normas das autoridades de saúde e aconselham as farmacêuticas. No entanto, este prazo já tinha sido aumentado.

Em maio passado, a EMA anunciou que estendia de 5 para 30 dias o tempo durante o qual um frasco fechado da vacina da Pfizer pode ser armazenado num frigorífico (2ºC a 8ºC) depois de descongelado. “A alteração foi aprovada após avaliação de dados adicionais do estudo de estabilidade submetidos à EMA pelo titular da autorização de introdução no mercado”, explicou a agência em comunicado.

Antes disso, em março, a agência já tinha aprovado uma outra alteração: o transporte e armazenamento da vacina a temperaturas entre os -25º a -15ºC (congeladores farmacêuticos normais) por um período único de duas semanas. Na altura, o CEO da BioNTech, parceira da Pfizer, congratulou-se com a decisão.

“Desde o início que o nosso objetivo é tornar a vacina amplamente disponível para pessoas em todo o mundo. Esta aprovação da EMA vai permitir-nos ter acesso a novos canais importantes para distribuir e administrar a nossa vacina”, disse Ugur Sahin. Uma das dificuldades da vacina da Pfizer, em relação à da Moderna (também tecnologia mRNA) é a necessidade de armazenamento a cerca de 80ºC negativos, cadeia de frio que não é fácil de encontrar no mercado.

A Moderna só precisa das temperaturas normalmente atingidas pelos frigoríficos e congeladores convencionais.

Covid-19. EMA autoriza armazenamento temporário de vacina da Pfizer à temperatura dos congeladores

Que vacinas passaram a ter novas regras? Só as mRNA?

Segundo o Infarmed, todas as vacinas contra a Covid utilizadas em Portugal já sofreram alterações de conservação e armazenamento desde que foram introduzidas no mercado. “A monitorização de possíveis novas condições de manuseamento e conservação é um processo dinâmico e a qualquer momento podem surgir novas informações que alarguem os prazos anteriormente estabelecidos”, responde a autoridade do medicamento.

A Spikevax (mRNA, Moderna) teve alterações aprovadas a 12 de maio de 2021. “Nesta data, foram realizadas duas alterações: prolongamento do prazo de validade após a primeira abertura de 6 horas para 24 horas, se armazenada entre os 2ºC e os 25ºC; prolongamento do prazo de validade de 12 horas para 24 horas, se armazenada entre 8ºC e 25ºC. Foi ainda acrescentada informação adicional acerca do transporte dos frascos descongelados entre 2ºC e 8ºC e a indicação que tanto os frascos descongelados como as seringas cheias podem ser manuseados em condições normais de luminosidade.”

À Comirnaty (mRNA, Pfizer), em março de 2021, foi acrescentado que além do que foi descrito inicialmente a vacina também poderia ser armazenada durante duas semanas entre -25ºC e -15ºC. No mês de maio, surgiram novas informações e a conservação entre 2ºC a 8ºC passou de 5 dias a um mês. Mais recentemente, em setembro, o prazo de validade foi prolongado de 6 para 9 meses, se conservada entre -90ºC e 60ºC.

A Vaxzevria (Astrazeneca) sofreu alterações em junho. Nessa altura, foi acrescentada a informação de que “o frasco aberto, além das 48h entre 2ºC a 8ºC (desde que refrigerado após cada perfuração) também poderia ser conservado durante 6 horas a temperaturas inferiores a 30ºC”. No mesmo mês, foi adiantada a informação que os frascos fechados podem ter um período único de 12 horas, no máximo, em que podem ser mantidos até aos 30ºC ou 72 horas a -3ºC voltando depois a ser refrigerados entre 2ºC e 8ºC.

A vacina da Janssen sofreu alterações em setembro. “O Resumo das Características do Medicamento foi atualizado e acrescentada a informação de que o frasco fechado pode ser mantido até 4,5 meses entre 2ºC e 8ºC ao invés dos 3 meses até aí considerados.” Foi também acrescentado um esclarecimento: as condições descritas para o frasco aberto também incluíam o transporte do referido frasco para injetáveis durante o transporte após a primeira perfuração.

Não há qualquer risco acrescido de efeitos adversos?

A evidência científica disponível até à data aponta para os mesmos efeitos adversos de uma vacina não requalificada. No entanto, o registo extra que é feito — apontando no e-vacina que a dose administrada esteve mais tempo do que o que devia no frio — serve exatamente para prevenir eventuais problemas. Caso surja algum padrão diferente, com base na evidência científica, pode dar-se um passo atrás na decisão. Até agora, não aconteceu.

“Em geral, e considerando todas as vacinas contra a Covid-19, o padrão de notificação de reações adversas em Portugal que se tem observado segue características muito semelhantes às encontradas a nível europeu ou internacional, quando comparamos com países ou regiões com volumes e políticas de vacinação semelhantes”, responde o Infarmed.

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