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Chegou à redação do Observador antes da hora marcada para a entrevista, mas ainda vinha ao telefone. Têm sido semanas de intensas negociações à esquerda — que pelos vistos vão continuar — e Duarte Cordeiro é o pivot deste processo, pela parte do Governo. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares veio para deixar aberta a porta à negociação com o Bloco de Esquerda, mostrando que no último Orçamento houve ainda tempo para conversas entre a entrega e a primeira votação.
Ao mesmo tempo avisa que se, politicamente há espaço para negociar, o Orçamento “pode ser aprovado matematicamente sem o Bloco de Esquerda”. Questionado sobre se isso seria desejável ou se remeteria o país para uma crise política, diz apenas que não seria compreensível ver o BE virar costas perante esta proposta. Mas houve mais nesta entrevista que foi para o ar esta quinta-feira, no programa Sob Escuta da Rádio Observador, sobre Presidenciais e um praticamente certo apoio a Ana Gomes e sobre a pandemia e o que poderá fazer o país galgar para o estado de emergência outra vez.
[O essencial da entrevista a Duarte Cordeiro:]
“Estamos disponíveis para continuar a conversar. A entrega do OE não pressupõe concluir o processo negocial”
Supreendeu-o ouvir a líder do Bloco de Esquerda mesmo à beira da entrega do Orçamento dizer que o partido podia não viabilizar a proposta do Governo?
Supreendeu mais a parte de dizer que o Governo tinha interrompido unilateralmente as negociações, porque isso não corresponde a nada que possamos ter feito. Fomos ver os processos negociais, pelo menos o do Orçamento do Estado para 2020, e tivemos reuniões com os partidos até à entrega do Orçamento, entre isso e a votação na generalidade e, depois, tivemos reuniões na especialidade. Mas os partidos têm feito referências em relação às insuficiências que entendem que o documento tem e tem sido em função disso que temos continuado a conversar. Não me surpreende, nada justifica que não haja negociação para aproximar ainda mais aquilo que é proposto. Este ano, comparando com o ano passado, houve muito mais reuniões com os partidos antes da entrega do que aconteceu em 2020.
As reuniões ao mais alto nível, com o primeiro-ministro, há sempre uma de fecho de negociações e isso não aconteceu?
Isso não corresponde ao que aconteceu no Orçamento de 2020. Houve mais reuniões com o primeiro-ministro antes da entrega do Orçamento, a reunião de fecho aconteceu depois da entrega e antes do debate e votação na generalidade. Da outra vez, a votação na generalidade foi a 9 e 10 de janeiro e a última reunião com o primeiro-ministro foi a 8.
Então o que acha que o BE quer com isto? Está a tentar saltar fora?
Não sei, o que eu acho é que não há justificação para estar a falar da questão relativa à indisponibilidade por parte do Governo porque não corresponde à verdade. Estamos disponíveis para continuar a conversar como sempre estivemos, seja com o BE, com o PCP, com o PEV ou com o PAN. Não há razão nenhuma para invocar que o fecho deveria acontecer antes da entrega do Orçamento. O que comunicámos ao BE foi que, não tendo ainda uma informação relativa à sua disponibilidade de acompanhamento do Orçamento na generalidade, tínhamos de entregar uma proposta na Assembleia da República que correspondesse aos últimos avanços do processo negocial. Informámos o BE sobre qual ia ser a proposta de lei que íamos entregar. Depois há outras matérias laterais à discussão do Orçamento do Estado que dissemos que estavam condicionadas ao BE acompanhar o Orçamento.
O Governo sabia que o BE não ia ficar satisfeito.
Não, não temos resposta.
Mas aí deram a negociação como fechada.
Não, não demos. A entrega do OE não pressupõe concluir o processo negocial, mas que temos um prazo para entregar a proposta na Assembleia da República e temos de entregar. Se os partidos entenderem que é suficiente para passarmos à fase da especialidade tanto melhor, se entenderem que a proposta que entregámos na generalidade ainda não é suficiente e exige mais compromisso da nossa parte para se disponibilizarem para passar à especialidade, então têm de nos informar para podermos conversar com os partidos no sentido de garantir essa passagem. Isso aconteceu exatamente como eu estou a tentar descrever.
Mas a partir daqui, a única forma de alterar o Orçamento é através da especialidade e o que o BE quer é um compromisso até à generalidade. Como se resolve?
Foi exatamente igual em 2020.
Então o Governo está disponível para acautelar as exigências do BE?
Não, não é acautelar as exigências, mas continuar a negociar. Não somos só nós que temos o registo disto que estou a dizer, basta ir ver. Há questões que têm sido colocadas pelo Bloco de Esquerda que são matérias que penso que têm condições para serem resolvidas na especialidade.
“Há algumas questões que têm sido colocadas pelo BE que podem ser ultrapassadas”
Nas quatro questões que o Bloco põe como pilares desta negociação, há matéria para se conseguir o que não se conseguiu desde julho até agora?
O Governo está sempre disponível para procurar avanços. Sobre as quatro questões, há que distinguir o que esta proposta já contem, porque em cada uma delas havia uma posição inicial do Governo, e quais os avanços que se fizeram. Nos direitos laborais e manutenção do emprego, o Governo não só enviou um conjunto de compromissos ao BE, como avançámos com uma proposta de moratória sobre a caducidade de todos os contratos e incluímos uma medida em que limitámos despedimentos nas grandes empresas que tenham benefícios fiscais. Todas elas são aproximações que nós fazemos e não faríamos. O ponto de partida do Governo não era propriamente a existência de medidas neste domínio.
Mas se os partidos dizem que isso ainda é insuficiente…
[Interrompe] Já lá vamos… depois temos a questão dos apoios sociais em que o ponto de partida do Governo seria sempre manter os apoios extraordinários que tivemos durante este período. O BE falou num novo apoio social que juntasse os vários apoios e tivesse como referência o limiar da pobreza e nós procurámos aceitar esse princípio de proposta. Depois foi discutida a questão da condição de recursos. E colocou-se a questão de termos de perceber que há apoios sociais contributivos e não contributivos, como o subsídio social de desemprego que pode ter valores inferiores à nova prestação. Era importante aumentar o limiar mínimo e foi isso que o Governo fez.
Pode continuar a enumerar os avanços, já conhecidos, mas o Bloco continua a considerar insuficiente. A minha pergunta é: o BE é dispensável na aprovação deste Orçamento?
Neste capítulo, no subsídio de desemprego e no subsídio social de desemprego, houve uma crítica de que as medidas que o Governo está a fazer são medidas de natureza extraordinária, não são medidas de natureza estrutural. E o que é que o Governo fez? Alterou o limite mínimo do subsídio de desemprego, de forma definitiva, para que a medida fosse estrutural. Uma negociação é feita de aproximações de parte a parte, cada um tem que sair do seu ponto de partida e tem de procurar o outro. Nós não temos maioria na Assembleia da República para poder aprovar um orçamento mas não me parece que o Bloco de Esquerda tenha. E quem diz o BE, diz os outros partidos. Se queremos um orçamento que tenha como essencial responder às pessoas, temos de nos aproximar. E nós temos procurado aproximar-nos. Fomos evoluindo no processo negocial. Para cada uma das medidas fomos dando passos de aproximação. É preciso que ambas as partes se aproximem, se há uma parte que não se aproxima é difícil que haja margem para entendimento.
Mas ainda é o Governo que precisa da aprovação do Orçamento do Estado…
Não é o Governo, é o país. Precisamos todos.
Politicamente é o Governo que precisa desse apoio na Assembleia da República. Tendo em conta que o Governo precisa de uma maioria para o aprovar, não tem essa maioria sozinho. Já tem a conta feita e essa garantia de que vai conseguir aprovar o Orçamento do Estado?
O Orçamento é feito de várias fases, vários momentos. Há o momento da generalidade, da especialidade, temos de conseguir passar de um momento para o outro. No nosso entender, o OE que entregámos não só responde aos problemas que sentimos que o país tem, como representa a aproximação com os parceiros. Cada medida que lá está não é o ponto de partida que o Governo tinha: reflete as reuniões que tivemos, reflete os problemas que nos foram colocados, e reflete a aproximação que fizemos para responder a esses problemas.
Este OE contém menos elementos de rejeição à esquerda do que o último
A pergunta era se já têm a garantia de que o Orçamento vai ser aprovado.
Não, não temos a garantia. É por demais evidente que não temos a garantia de que o Orçamento vá ser aprovado. Por isso é que estamos disponíveis para continuar a conversar. Neste capítulo, face a algumas questões que têm sido colocadas por estes partidos, parece-me que são matérias que são possíveis de ser resolvidas na especialidade. Este orçamento, no nosso entender, tem menos elementos de rejeição do que orçamentos anteriores por parte dos partidos da esquerda, e estamos a viver um momento mais difícil do que vivemos anteriormente. Se este OE tem menos fatores de rejeição do que tiveram orçamentos anteriores, e se estamos a viver um momento mais crítico do que nos anos anteriores, então todos nós deveríamos fazer um esforço maior de aproximação.
Está a contrariar o primeiro-ministro, que ainda no sábado, quando as negociações ainda estavam a ser feitas, disse que já havia condições políticas à esquerda para viabilizar o Orçamento do Estado.
Coincide exatamente com o que acabei de dizer.
Ou há ou não há.
Mas há condições políticas para o Orçamento do Estado ser viabilizado, não estou a contradizer o primeiro-ministro.
A condição política é haver uma maioria no Parlamento.
No nosso entender é uma avaliação política que fazemos sobre se o documento tem condições ou não para ser aprovado. E, no nosso entender, tem condições para ser aprovado. Este Orçamento contém menos elementos de rejeição à esquerda do que tinha o último. O último era excedentário, era um orçamento que tinha empréstimos públicos ao Novo Banco. Este Orçamento não. Este tem uma dimensão social muito superior à do último. E este momento que estamos a viver do ponto de vista político e social é um momento mais crítico do que nessa altura, porque não tínhamos a crise pandémica que tivemos, nem a crise social inerente a uma paragem económica. Portanto, no nosso entender, e estando nós disponíveis para continuar a conversar, há condições políticas para este OE ser viabilizado. Só não haverá se os partidos com quem temos conversado se juntarem à direita para inviabilizar o Orçamento.
Então é o BE que não quer um acordo neste Orçamento do Estado, é isso que está a dizer?
O que eu estou a dizer é que esta é a fase de entrega do Orçamento do Estado e, tal como aconteceu em 2020, estamos disponíveis para continuar a conversar com os partidos, como fizemos no ano passado porque os partidos consideraram que havia necessidade de maior compromisso da nossa parte para viabilizar o Orçamento. E nós estamos disponíveis para ter essas conversas com os partidos.
Mas sente que o BE está menos disponível para essa negociação? Tem sentido isso?
Há algumas questões que têm sido colocadas pelo BE que são matérias que são possíveis de ser ultrapassadas. Por exemplo, a questão do novo apoio, a crítica de que alguns beneficiários só vão usufruir do apoio durante seis meses. Outra crítica que ouvimos foi a não calendarização da contratação de profissionais de saúde. Ainda na última informação que enviámos respondemos à necessidade de clarificar no OE que as contratações no SNS eram contratações líquidas. Nós clarificámos isso. E isso é uma resposta concreta ao que nos foi colocado. Agora é nos colocada a questão sobre a necessidade de estarmos mais comprometidos na calendarização. São elementos que nos parecem que são possíveis de ser resolvidos.
E são possíveis de ser resolvidos já nesta fase, antes da votação na generalidade? O Governo vai comprometer-se nessas duas questões?
Quando entregámos o OE 2020 continuámos as conversas com os partidos. E daí resultaram graus de compromisso superiores para além do que estava entregue na Assembleia da República. Se estamos disponíveis para continuar a conversar é porque estamos disponíveis para assumir mais compromissos para além do Orçamento que foi entregue na Assembleia da República.
Para além da saúde e do apoio social, há a legislação laboral. O Governo continua a não estar disponível para reverter as alterações às leis laborais do tempo da troika?
O Governo sinalizou aos partidos um conjunto de alterações que estava disponível para fazer na legislação laboral e enviou essa informação. E estamos disponíveis para responder às várias questões que foram colocadas: no combate à precariedade, na questão das plataformas digitais, na questão do recurso ao trabalho temporário, na regulação do teletrabalho.
Mas nestas em concreto — horas extra, indemnizações por despedimento — que foram as reversões não feitas do tempo da troika, não está disponível.
O Governo fez uma apreciação sobre o tema laboral e respondeu com um conjunto de disponibilidades de compromisso nas questões de natureza laboral.
Onde não estão estas.
Estão outras respostas. Não têm de ser necessariamente estas.
Têm porque estão a negociar com o BE.
Mas o BE não tem maioria parlamentar. E nós também não. Uma negociação é feita de aproximação entre as partes. Nos orçamentos anteriores não foi diferente. Volto a referir, nos orçamentos anteriores não foi diferente. Estamos disponíveis, segundo um conjunto de medidas que nos foram colocadas pelos partidos, de avançar com aproximações. Não me parece que nos orçamentos anteriores tenha funcionado de forma diferente.
E isso num acordo político à parte? Foi isso que apresentaram ao BE nestas negociações?
Dissemos aos partidos desde o início que estaríamos disponíveis para assumir compromissos em função daquilo que cada partido, em concreto, sentisse que para eles fazia mais sentido. Nunca nos colocámos de parte. Quando enviámos um documento com um conjunto de objetivos que estávamos disponíveis para assumir do ponto de vista laboral é porque estávamos disponíveis para assumir o compromisso político à margem do OE. Isto é válido para o BE como é válido para outros partidos que também podem colocar um conjunto de objetivos que são à margem do Orçamento do Estado.
“O OE pode ser aprovado matematicamente sem o Bloco. Não faz é muito sentido que o BE se coloque à parte”
A questão é que estamos neste momento num braço de ferro, o BE diz que não viabiliza o OE como está, um dos dois vai ter que ceder. O Governo pode dispensar o Bloco de Esquerda? Com que estabilidade fica o Governo se o Bloco de Esquerda não estiver?
O Governo tem dito regularmente que, para nós, faz sentido procurarmos entendimentos com os partidos com quem temos vindo a governar nos últimos anos e é esse o caminho das conversas que temos tido e o que vamos continuar a fazer, até ao limite. Não vai haver da nossa parte uma dispensa de ninguém. Um processo negocial é feito de aproximações e nós temos procurado fazer as nossas aproximações para responder às questões que têm sido colocadas. Também nas questões da saúde e do Novo Banco procurámos aproximações.
A iminência de uma crise política existe ou é fogo de vista?
Os portugueses não estão a contar que neste momento nós não tenhamos capacidade para nos entender relativamente à aprovação do Orçamento do Estado. Estamos na iminência de ter um conjunto de respostas que têm como objetivo apoiar as pessoas. O OE tem objetivos muito concretos: reforçar o SNS, quer em meios quer em pessoas, reforçar o combate à pandemia; proteger as pessoas; todos reconhecemos que vai haver a necessidade de apoios extraordinários para garantir uma rede de segurança para as pessoas e todas estas respostas existem no Orçamento do Estado. Se funcionarmos por duodécimos estamos limitados nas respostas que temos.
Então isto é só isso? Um jogo de forças para ninguém ser responsabilizado por uma crise política que todos acham que ninguém vai compreender nesta altura?
Basta ver as avaliações que têm sido feitas relativamente ao Orçamento do Estado. Esta medida do apoio social é uma medida que tem um custo de 450 milhões de euros. Não é propriamente um pormenor. As respostas que estão neste Orçamento são respostas com alguma substância e têm como objetivo responder a um problema. Não desejamos nenhuma crise política. Procuramos colocar no OE aquilo que no nosso entender são as respostas que o país precisa para ultrapassar a crise que tem num momento de particular fragilidade e estamos a procurar que essas respostas traduzam também um conjunto de preocupações que os partidos têm. Não estamos fechados a evoluir naquilo que são as nossas posições, mas também não podemos fingir que não fizemos um percurso até aqui. Que não procurámos responder a várias questões que os partidos nos têm colocado.
Mas foi a meio das negociações o primeiro-ministro que falou na crise política. Isso não o responsabiliza? Porque falou na crise política a meio das negociações?
No meio, no fim. Do nosso lado estamos a tentar ultrapassar esta fase.
Falar na crise política é a melhor maneira de ultrapassar esta fase?
Não é falando dos problemas que os ultrapassamos? Se o Orçamento não for aprovado vamos fingir que não temos um problema? Temos um problema e temos que olhar para o que ele é.
Portanto, o Orçamento vai ter que ser aprovado?
No nosso entender vamos ter de procurar uma resposta para ultrapassar o Orçamento do Estado. Se não tivermos um OE aprovado vamos ter uma crise política, é evidente. Podemos fingir todos que não queremos falar do problema, mas se o OE não for aprovado temos uma natural crise política.
É possível politicamente aprovar o Orçamento só com a viabilização do PCP, PAN e PEV? Deixando o BE de fora?
O Governo não está a dispensar nenhum dos parceiros com quem tem falado até hoje. Da nossa parte não há nenhuma dispensa. Podíamos não ter colocado um conjunto de propostas que considerámos que eram aproximações e avanços às soluções que os partidos propuseram, mas colocámos. Comprometemo-nos com aqueles avanços, com matérias extra-orçamento não, mas sim com aqueles. Colocámo-las porque acreditamos que são sinais de aproximação.
Este Governo sobrevive se o Bloco de Esquerda roer a corda?
O Orçamento pode ser aprovado matematicamente sem o Bloco de Esquerda. A questão é que para nós não faz muito sentido que o BE se coloque à parte deste Orçamento. No nosso entender este Orçamento não tem nenhum elemento de rejeição face ao último Orçamento. Diria que havia mais desconforto com o último Orçamento do que com este.
Mas em termos políticos o que é que isso significaria? Fragilizaria o apoio parlamentar do Governo daqui para a frente?
Não me parece que nesta fase faça muito sentido fazermos jogos de suposições. O processo ainda não terminou, ainda não demos por terminado, não damos por concluído este processo negocial, continuamos a conversar com os partidos até ao momento da votação e discussão na generalidade. Vamos continuar a achar que é possível chegarmos a um entendimento até ao dia da votação e debate na generalidade com os partidos com quem negociámos. Não será por nós que esses partidos não acompanharão este processo orçamental.
Há uma fragilização ou não sem uma das pedras que nos últimos cinco anos esteve sempre ao lado do Governo na aprovação destes documentos?
Fragilidade inerente é a não aprovação do OE que é não haver condições para que o Governo execute o que tem previsto.
Se o Bloco não estiver no mesmo barco na viabilização do Orçamento, o Governo e a maioria que o suporta na Assembleia da República não fica beliscada?
Eu não vou deduzir que o BE está fora do processo orçamental.
Mas é um exercício que temos de fazer, precisamente para falarmos dos problemas que existem.
Eu não vou fazer. Eu posso falar sobre ‘n’ suposições para o futuro de imensos cenários políticos podiam colocar-se.
Estamos a falar daquilo que o Governo colocou, a crise política.
O Governo vai procurar evitar provocar uma crise política continuando a conversar com os partidos e procurando viabilizar este Orçamento. Na generalidade, na especialidade e na votação final global. É esse o nosso foco, não temos outro. Queremos evitar uma crise política, vamos procurar continuar a conversar com os partidos para evitar que isso aconteça. Não vamos fazer suposições sobre nenhum cenário porque não vamos ser nós a excluir desse processo. Olhamos para este Orçamento, comparamos com anteriores e vemos menos razões para que seja chumbado e, da nossa parte existe disponibilidade para continuar a conversar com os partidos nesta fase e na seguinte.
Até onde é que vai essa disponibilidade?
Há algumas questões que têm sido colocadas pelos partidos que entendemos que fazem sentido e podemos continuar a discutir.
Novo Banco. “Não queremos criar nenhuma perturbação no sistema bancário”
O Novo Banco é uma das questões fundamentais para o Bloco de Esquerda. O Governo incluiu uma autorização de despesa do Fundo de Resolução para o Novo Banco na ordem dos 475 milhões de euros. O que o BE diz é que não aceita que o Estado, através do Fundo de Resolução se comprometa com recursos financeiros sem haver uma auditoria prévia, independente, à gestão da Lone Star. Diz que há disponibilidade, mas como é que se sai disto?
Achamos que saímos de todas as situações com aproximações de parte a parte. Se uma das partes nunca sai da sua posição mesmo quando a outra se aproxima é muito difícil conseguirmos chegar a posições. Faz-nos um pouco de confusão que a questão seja colocada como uma linha vermelha tendo em conta tudo o que este Orçamento tem como resposta aos portugueses e a possibilidade de o Orçamento não ser aprovado. Nos últimos cinco anos houve empréstimos do Estado para o Fundo de Resolução injetar no Novo Banco. O BE sempre criticou mas nunca impediu que isso inviabilizasse os Orçamentos do Estado. Este OE, ao contrário dos anteriores, não contém nenhum empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução. Depois, o BE colocou a necessidade de haver uma auditoria independente pública. O PS entretanto já veio aproximar-se dessa posição. Há dois sinais de aproximação: não há empréstimo do Estado para o Fundo de Resolução e a auditoria independente. Acho que até o Bloco de Esquerda tem alguma dificuldade em explicar a posição que tem, que passa por proibirmos os bancos de emprestar ao Fundo de Resolução e por obrigar os bancos a emprestar diretamente ao Novo Banco. Temos alguma dificuldade em compreender como é que isto se faz.
Para esclarecer essa questão da salvaguarda. Está salvaguardado aquilo que o Bloco de Esquerda não quer?
Percebo que as questões sejam colocadas ao Governo, mas também podiam ser colocadas ao Bloco de Esquerda: até onde queremos um entendimento? Do nosso lado, o Governo está disponível e quer dar passos nesse sentido. As questões não podem ser sempre colocadas ‘porque é que aquilo que o Bloco de Esquerda quer, tal e qual como pretende, não está respondido’? Para conjunto de questões que o Bloco de Esquerda coloca, o Governo tem dado passos de aproximação.
Se a banca comercial não avançar na medida em que o Governo espera, como é que se vai garantir o dinheiro para o Novo Banco? Pode garantir que o Governo não terá de intervir?
O Fundo de Resolução foi criado para partilhar o risco entre o Estado, a banca, o sistema bancário e um problema que existe em concreto num banco. O Novo Banco tem cerca de 1,3 milhões de clientes e quando o Estado criou este instrumento fê-lo para que existissem três mecanismos para que isto pudesse funcionar: empréstimos dos bancos, receitas próprias do Fundo de Resolução e empréstimos do Estado para o Fundo de Resolução. Procurámos responder à solicitação que nos era colocada retirando o Estado do empréstimo ao Fundo de Resolução. Mas o Fundo de Resolução existe e está no perímetro orçamental. No nosso entender, a decisão que o Governo tomou de retirar o Estado dos empréstimos é um sinal muito forte.
Mas pode garantir que os contribuintes não vão ser chamados a pôr mais dinheiro no Fundo de Resolução?
Aquilo que podemos garantir é que, face ao último Orçamento do Estado, a decisão que o Governo tomou compromete menos o Estado. Além disso, o facto de o Fundo de Resolução estar no perímetro orçamental e afetar o défice este ano não tem as mesmas implicações de outros anos porque não temos de cumprir com os 3%. Logo, não há necessariamente uma concorrência face a outra política pública. Este ano, face aos anos anteriores, há muito menos elementos de rejeição para um partido como o Bloco de Esquerda sobre esta matéria. O sinal que foi dado é sinal forte e responde às questões que foram colocadas nos últimos anos. Não queremos criar nenhuma perturbação no sistema bancário, especialmente num banco que tem 1,3 milhões clientes. Qualquer solução tem de garantir a estabilidade do sistema bancário.
Basicamente está a dizer que há menos elementos de rejeição para o Bloco de Esquerda, no caso do Novo Banco.
O Bloco de Esquerda viabilizou Orçamentos anteriores com empréstimos públicos do Estado ao Fundo de Resolução. Aquilo que o Bloco de Esquerda diz que é possível ser feito… Não sabemos muito bem como é que isso pode ser feito. Volto a dizer: implicava que nós impedíssemos que os bancos de emprestar ao Fundo de Resolução e obrigava a que obrigássemos os bancos a emprestar diretamente ao Novo Banco. Isto implica, por exemplo, autorizações das entidades de regulação ao nível europeu. Às vezes podemos, em teoria, falar de soluções. Mas elas têm de ser exequíveis.
“Ana Gomes é uma candidata natural à Presidência da República”
Mudando de assunto. O PS está prestes a decidir o que vai fazer relativamente às Presidenciais. Já decidiu?
Se eu já decidi? Sim, tenho a minha opinião penso que formada. No entanto, acho que é de bom tom esperar o que o Partido Socialista tome a sua decisão nos seus órgãos próprios.?
E o que acha da candidata Ana Gomes, que é socialista?
Ana Gomes tem um percurso político que merece respeito. Eu conheço-a e acho que é, no entendimento de um socialista, uma candidata natural à Presidência da República.
Então não concorda com Augusto Santos Silva que disse que era uma boa candidata, mas não uma boa candidata do PS.
Volto a dizer: tenho a minha opinião formada, quando o Partido Socialista tomar a sua decisão, eu depois comunicarei a minha posição sobre as eleições presidenciais.
Era melhor ter uma socialista na Presidência da República do que Marcelo Rebelo de Sousa?
Já tive oportunidade de dizer que votarei, e é o que qualquer socialista fará, em função daquilo que é a afinidade que tem relativamente a cada um dos candidatos a Presidente da República. O PS vai tomar as suas decisões nos órgãos nacionais e depois disso acho que faz sentido que cada socialista tome as suas posições.
Teme que Marcelo Rebelo de Sousa possa ser um Presidente mais interventivo e seja mais complicada essa cooperação com o Governo?
Não tenho nesta fase grandes considerações a fazer relativamente ao tema das eleições presidenciais porque quero esperar que o PS tome a sua posição.
A pergunta nem é o que acha que o PS deve fazer.
Acho que o Presidente da República tem tido uma relação institucional com o PS.
A história diz-nos que os Presidentes nos segundos mandatos são radicalmente diferentes com os governos.
Isso faz parte do processo de discussão das eleições presidenciais e das candidaturas presidenciais o que cada candidato entende fazer no seu mandato. E, portanto, isso é uma matéria que se enquadra naquilo que é o processo da candidatura das eleições presidenciais e sobre isso não sei o que Marcelo Rebelo de Sousa já poderá ter dito. Neste momento, que eu saiba, nem sequer é candidato a Presidente da República. E, portanto, quando chegarem as presidenciais vai ser possível cada um avaliar que mandato pretende fazer cada candidato.
Há uma fasquia para voltar ao Estado de Emergência? “A rutura do Serviço Nacional de Saúde”
O país entrou esta quinta-feira numa fase mais grave da pandemia. É possível haver campanha eleitoral e haver as presidenciais na data que se prevê?
Acho que tem de haver uma natural adequação daquilo que é uma campanha no contexto que estamos a viver. Não acho que haja uma razão para nós não conseguirmos organizar para umas eleições presidenciais.
Mas vão ser impostas restrições.
Agora vamos ter eleições regionais nos Açores e, portanto, é um bom balão de ensaio. A Assembleia da República está a discutir também iniciativas legislativas que tenham como objetivo encontrar mecanismos que permitam facilitar o processo eleitoral. Portanto, nesse sentido acho que nos vamos conseguir organizar para ter eleições presidenciais.
O Governo ontem foi surpreendido pelo número de novos casos, tomou esta decisão de agravar medidas no Conselho de Ministros. As reuniões do Infarmed fazem falta? Deviam voltar?
O Governo sempre procurou ter um envolvimento grande da comunidade científico, dos vários partidos e responsáveis políticos para partilhar informação. É o que temos feito e vamos continuar a fazer. Essas reuniões foram retomadas. O Governo sempre teve interesse em partilhar as decisões que foram sendo tomadas, interpretar aquilo que num determinado momento é a avaliação política que é feita por parte dos vários partidos, do Presidente da República. E é isso que temos procurado fazer. Nós não terminámos com essa perceção de que este é um processo de gestão partilhada por todos. Ainda agora a decisão de colocar esta proposta legislativa na Assembleia da República relativamente à utilização obrigatória de máscara em determinadas circunstâncias, revela também, sobre isso, um processo que envolve o Parlamento numa decisão relevante.
O Governo acautelou que estas são medidas que têm maneira de ser aplicadas e que não chocam com a Constituição, nomeadamente essa que falou de utilização das máscaras na via pública e a obrigação de instalação da app Stayaway Covid?
O Governo fez uma proposta legislativa que foi distribuída aos partidos políticos e agora é normal que a Assembleia da República faça o seu debate, ouvirá quem entender que deve ouvir e teremos um debate e uma discussão.
Mas no entender do Governo está conforme à Constituição?
Sim. Do Governo é, senão de outra forma não teríamos feito esta proposta. Agora, obviamente que a Assembleia da República terá o seu espaço de discussão.
O que pode provocar uma decisão mais radical? O primeiro-ministro tem dito que o país não pode voltar a parar, mas ontem falou que se for necessário recorre-se de novo ao estado de emergência. O que pode provocar essa decisão? Há um número de casos a partir do qual tem de disparar nesse sentido?
Aquilo que sempre fizemos desde o início como um dos elementos centrais do ponto de vista daquilo que é a avaliação. Tem muito a ver com a capacidade do Serviço Nacional de Saúde responder num dado momento àquilo que são o número de casos, as pessoas que estão nos cuidados intensivos…
Mas há uma fasquia?
É a rutura do Serviço Nacional de Saúde. É a capacidade de antevisão de um limite que justifique uma decisão mais radical. E, portanto, nós reforçámos o Serviço Nacional de Saúde, em termos de equipamentos, de pessoas. Temos procurado reforçar as equipas no terreno, na região de Lisboa e Vale do Tejo procurámos ao nível do rastreio ter equipas mais reforçadas para aguentar números maiores. E será da conjugação desta avaliação, da capacidade que temos de compatibilizar a organização social que temos com o número de casos, com a capacidade de responder, que resultará a necessidade de tomar medidas mais restritivas. Penso que na nossa cabeça a questão do confinamento não se colocará. Será sempre uma situação de último recurso. Há um conjunto de etapas que poderão ser avaliadas até chegarmos a esse momento em função daquilo que vai sendo a informação que temos do número de casos, da reação que as pessoas vão tendo às decisões que vamos tomando, da evolução da situação.
[A entrevista na íntegra:]