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Nesta luta pela poder, existem, assim, duas fações: a do Ministério da Defesa e a dos críticos, que é "publicamente representada por Yevgeny Prigozhin, cujas críticas à tutela sobre a condução da guerra têm aumentado desde o final de 2022"
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Nesta luta pela poder, existem, assim, duas fações: a do Ministério da Defesa e a dos críticos, que é "publicamente representada por Yevgeny Prigozhin, cujas críticas à tutela sobre a condução da guerra têm aumentado desde o final de 2022"

Nesta luta pela poder, existem, assim, duas fações: a do Ministério da Defesa e a dos críticos, que é "publicamente representada por Yevgeny Prigozhin, cujas críticas à tutela sobre a condução da guerra têm aumentado desde o final de 2022"

"É a nossa ameaça mais séria." Grupo Wagner oficializa confronto com Ministério da Defesa russo

"Uma luta pelo poder." O líder do grupo Wagner criticou os "dirigentes políticos que se querem manter no lugar", apontando a mira ao ministro da Defesa russo. Mas Putin terá preferido proteger Shiogu.

Foi quase uma declaração de guerra (interna) ao Ministério da Defesa russo e veio confirmar muitas teorias sobre frações internas nos grupos militares da Rússia. Após a suposta conquista pelas forças russas da localidade de Soledar (que a Ucrânia contesta), o líder do grupo paramilitar Wagner, Yevgeny Prigozhin, lamentou que se esteja “constantemente a roubar as vitórias” da organização de mercenários. “Fala-se da presença de outros desconhecidos apenas para menosprezar os méritos do Wagner.”

A mensagem publicada esta sexta-feira no Telegram não tinha um destinatário, mas restam poucas dúvidas de que estaria destinada ao Ministério da Defesa russo, que ao celebrar a alegada vitória na referida cidade salientou as “ações absolutamente heroicas e altruístas” apenas das forças russas. Yevgeny Prigozhin não gostou que a tutela liderada por Sergei Shoigu não tivesse congratulado as ações do grupo do grupo Wagner. E partiu para o ataque, colocando um alvo naquele que poderá tornar-se o seu maior adversário no Kremlin.

Primeiro, há que esclarecer que Yevgeny Prigozhin atribuiu o suposto sucesso da ofensiva de Soledar exclusivamente ao seu grupo de mercenários. “Foi tomada apenas pelo esforço dos combatentes do Grupo Wagner. E não há necessidade de ofender os combatentes diminuindo o seu mérito”, afirmou o líder dos mercenários, garantindo que as tropas russas não tiveram qualquer papel na ofensiva à localidade. Na resposta às críticas, o Ministério da Defesa russo acabou por emendar o erro, dizendo que a operação “foi realizada com sucesso pelas ações corajosas e altruístas das unidades de assalto voluntárias da companhia militar privada Wagner”.

"Soldar foi tomada apenas pelo esforço dos combatentes do Grupo Wagner. E não há necessidade de ofender os combatentes diminuindo o seu mérito"
Yevgeny Prigozhin, líder do grupo Wagner

Apesar do remendo, toda esta situação poderá ter sido a gota de água para o líder do grupo Wagner. Num discurso duro, Yevgeny Prigozhin desvalorizou a importância dos Estados Unidos e apontar as baterias contra outro inimigo. Apesar de ter ressalvado que Washington continua a ser um “adversário sério” para a continuidade do grupo, o responsável militar que outrora foi chefe de Vladimir Putin considerou haver “ameaças” e “adversários” mais importantes para confrontar, dizendo haver “uma luta entre ramos, burocracia, corrupção e dirigentes políticos que se querem manter no lugar”.

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Com estas críticas, o mercenário coloca na mira o Ministério da Defesa russo, ou mais concretamente Sergei Shoigu. As desavenças entre o governante e o líder do grupo Wagner são públicas, tendo o segundo criticado inúmeras vezes o rumo da guerra. Aliás, os desentendimentos entre Prigozhin e Shoigu deram mesmo origem a um relatório dos serviços de informações norte-americanos. O que motiva esta rivalidade e que posição toma Putin, que pode ter “problemas” no futuro por causa desta rivalidade, segundo opina ao Observador Luís Tomé, especialista de Relações professor da Universidade Autónoma de Lisboa?

Putin quer manter Shoigu — e diminuir visibilidade do grupo Wagner

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou, na quarta-feira, a substituição o comandante-geral das tropas russas na Ucrânia – a quarta troca desde fevereiro, apenas  três meses depois da última. Conhecido pela sua crueldade na guerra da Síria, Sergei Surovikin foi substituído pelo chefe do Estado Maior das Forças Armadas Russas, Valery Gerasimov. Em causa, está um alegado problema de eficácia no processo de comando e controlo, bem como a necessidade de haver uma maior interação entre exército, marinha e força aérea.

Russian President Vladimir Putin Meeting With Military Commanders

Valery Gerasimov é o novo comandante das tropas russas na Ucrânia

Sasha Mordovets/Getty Images

Numa primeira leitura, a mudança podia parecer relacionada apenas com ineficácia militar e com as derrotas que o exército russo estava a sofrer sob a égide de Sergei Surovikin. Contudo, o think tank norte-americano Institute for the Study of War (ISW) aponta, no seu relatório de quinta-feira, que a alteração tem motivações mais profundas. “Esta restauração do comando militar é em parte para dar um sinal — quer internacional, quer domesticamente — que o Kremlin continua dedicado a manter as mesmas estruturas de poder do Ministério da Defesa russo.”

O mesmo relatório vai ainda mais longe e alega que a remodelação nas altas patentes das Forças Armadas da Rússia é um “gesto político que visa fortalecer o Ministério da Defesa russo dos desafios dos bloggers russos e de outros críticos, como o financiador do grupo Wagner Yevgeny Prigozhin”. 

Vladimir Putin parece, deste modo, querer esvaziar muito do protagonismo que o líder do grupo Wagner tem assumido nos últimos tempo, uma vez que Prigozhin apreciava o estilo do antigo comandante-geral das tropas russas na Ucrânia: “Era um dos seus favoritos”, diz o ISW. Ainda de acordo com o documento do instituto norte-americano, esta decisão do Ministério da Defesa — que conta com o aval do Presidente russo — visa “assegurar a primazia do Ministério da Defesa russo num luta pelo poder interno”. 

Nesta luta pela poder, existem, assim, duas fações: a do Ministério da Defesa e a dos críticos, que é “publicamente representada por Yevgeny Prigozhin, cujas críticas à tutela sobre a condução da guerra têm aumentado desde o final de 2022″. O documento sinaliza que o objetivo de Putin passa por “diminuir este criticismo” dirigido à tutela — e a nomeação de Valery Gerasimov funciona como uma manifestação desse desejo.

Russian President Vladimir Putin Army 2021 Military Forum

Putin mantém confiança em Shoigu

Getty Images

Ainda assim, o relatório do Instituto para a Guerra antevê que Yevgeny Prigozhin não aceitará de bom grado esta mudança — e isso pode já ser visto na tomada de posição desta sexta-feira e nas críticas ao Ministério da Defesa. Assim, defende-se no relatório, o líder do grupo Wagner tentará dominar “o espaço informativo russo” e elevar o tom das críticas ao conflito. “Prigozhin promoveu inúmeras vezes o Grupo Wagner às custas da reputação do Ministério da Defesa russo e pode aumentar as suas declarações nas agências estatais para afirmar a superioridade de suas forças”, lê-se no documento.

Valery Gerasimov não terá, por conseguinte, uma tarefa fácil, já que deverá contar com a resistência do grupo de mercenário. E, de alguma maneira, Yevgeny Prigozhin já mostrou as “garras” ao novo comandante-geral das tropas russas na Ucrânia ao defender que a conquista de Soldar se deveu apenas ao grupo de Wagner, o que desvaloriza a atuação das tropas russas.

Quais são os objetivos de Yevgeny Prigozhin?

Existem várias conjeturas sobre o futuro de do líder do grupo Wagner. Deseja assumir o controlo da guerra? Quer o lugar do rival no Ministério da Defesa? Ambiciona chegar à presidência? Não existe nenhuma resposta clara – e o líder do grupo Wagner já declarou que a sua tarefa consiste somente em “cumprir o seu dever” com a pátria. “Não pretendo fundar partido político nenhum, muito menos entrar na política”, garantiu.

Em declarações ao Observador na semana passada, Dmitry Gorenburg, especialista na área da política russa no David Center pertencente à Universidade de Harvard, sublinhava, contudo, que existem esforços de Yevgeny Prigozhin para “aumentar a sua influência e o seu estatuto dentro do círculo restrito de Putin”. “Se isso eventualmente leva à possibilidade de sucessão na presidência russa ainda é incerto.”

“Quer poder e influência.” Com a hipótese de Putin ficar fora de cena, poderá o líder do grupo Wagner tornar-se o seu sucessor?

Na ótica de Luís Tomé, existe um “contrato” entre Vladimir Putin e Yevgeny Prigozhin que determina o papel do grupo Wagner na Ucrânia, ainda que os seus “detalhes não sejam conhecidos”. No entanto, o especialista “tem muitas dúvidas” de que o líder do grupo Wagner tenha “ambições políticas”.

Mas o docente universitário ainda tem mais dúvidas de que Vladimir Putin queira colocar Yevgeny Prigozhin como seu “ministro da Defesa, comandante-militar ou primeiro-ministro, muito menos para o suceder”. Luís Tomé considera que tal posição “irá criar mais problemas à gestão” do Presidente russo junto a “vários oligarcas, forças políticas e partido [Rússia Unida]”.

Russia's President Putin In Bishkek For The Eurasian Economic Union Summit

Vladimir Putin não deverá querer líder do grupo Wagner no governo

Getty Images

O especialista duvida também que outros aliados do Presidente russo, como o vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitry Medvedev, ou o antigo diretor do serviços de informações da Rússia, Nikolai Patrushev, aceitassem sem contestação uma possível entrada no governo de Yevgeny Prigozhin. 

“Isto a não ser que Putin comece a perder tanta confiança em alguns dos elementos mais próximos”, ressalva Luís Tomé, que, ainda assim, insiste que a chegada do líder do grupo Wagner ao Kremlin “criaria” muitos “problemas” ao Presidente russo. O tempo dirá como é que o chefe de Estado da Rússia e Comandante Supremo das Forças Armadas controlará a atuação de Yevgeny Prigozhin.

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