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Royal Trip: Commonwealth Heads Of Government Meeting: Uganda - Day 3
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E depois de Isabel II? Adivinham-se tempos de mudança para a Commonwealth

Com o adeus a Isabel II, Commonwealth pode mudar. Carlos pode trazer novo papel ao grupo — e quem sabe se países como a Austrália ou a Jamaica não aproveitam para se tornar repúblicas.

Nas múltiplas homenagens a Isabel II, que morreu na tarde desta quinta-feira em Balmoral, há uma palavra que aparece repetida como exemplo de um dos sucessos da monarca britânica: Commonwealth. A associação que engloba as antigas colónias britânicas em amena convivência com o antigo colonizador é mais antiga do que a monarca — foi formalmente criada em 1926 —, mas Isabel II foi uma das suas maiores impulsionadoras. Não por acaso, pouco depois da sua Coroação, a Rainha britânica fez uma viagem de seis meses por vários países da Commonwealth. Nesse Natal, em 1953, emitiu a sua mensagem a partir da Austrália e invocou a aliança: “Entregarei o meu coração e a minha alma a esta nova conceção de parceria igualitária das nações e das raças todos os dias da minha vida”, prometeu.

A Commonwealth é um instrumento fulcral para a monarquia britânica, porque a ajuda a manter a aura de que é relevante no palco internacional. Isso mesmo diz ao Observador David Johnson, professor de Ciência Política da Universidade de Cape Breton, no Canadá, e autor de Battle Royal: Monarchists vs. Republicans and the Crown of Canada (sem edição em português): “No Reino Unido, o verdadeiro poder está nas mãos do primeiro-ministro e do Parlamento, não está no Palácio de Buckingham. Mas, ao mesmo tempo, a Rainha mantém o poder da influência e do soft power, visíveis através da Commonwealth.”

Queen Guard Of Honour

Isabel II sempre deu extrema importância à Commonwealth durante o seu reinado: após a Coroação, fez uma viagem pelas antigas colónias britânicas

Tim Graham Photo Library via Get

Com a morte de Isabel II, é justo levantar a questão: pode a Commonwealth ser afetada? Johnson crê que sim e não é o único: vários especialistas ouvidos pelo Observador, próximos de sensibilidades em países tão distantes como a Austrália, o Canadá ou a Jamaica, concordam que a partida da Rainha pode trazer mudanças ao grupo.

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Vêm aí as repúblicas?

Não só sobre o funcionamento da Commonwealth, mas também sobre o facto de muitos dos 53 países reconhecerem o monarca britânico como seu chefe de Estado. “Tenho a certeza que com o vácuo criado pela morte dela vai abrir um longo debate sobre o papel do monarca como chefe de Estado das antigas colónias, como a Austrália, e do futuro da Commonwealth em geral”, afirma sem margem para dúvidas ao Observador Mark McKenna, investigador especializado no republicanismo australiano na Universidade de Sydney.

“A morte da Rainha pode ser um catalisador que crie um momento natural de levar mais países a repensarem o republicanismo. Vai depender em grande parte de fatores internos e da vontade dos respetivos governos.”
Brooke Newman, historiadora especialista nas ex-colónias

Ideia secundarizada por Brooke Newman, historiadora especialista nas ex-colónias britânicas: “A Jamaica pode ser o primeiro país a fazê-lo ou talvez a Austrália”, diz. “A morte da Rainha pode ser um catalisador que crie um momento natural de levar mais países a repensarem o republicanismo. Vai depender em grande parte de fatores internos e da vontade dos respetivos governos.”

The Prince of Wales and Duchess of Cornwall Visit The Caribbean Day 10

O Príncipe Carlos numa visita oficial à Jamaica, um dos países da Commonwealth que já deu sinais de querer tornar-se numa república

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A grande maioria dos países da Commonwealth já são repúblicas — o primeiro foi a Índia, que com a independência inaugurou a tendência dentro do grupo e levou o Reino Unido a aceitar que os países que compõem a Commonwealth possam ter arquiteturas de regime diferentes. Mas há 14 que se mantêm sob a orientação da Coroa britânica, reconhecendo ao monarca de Inglaterra a soberania sobre o seu Estado, representada num cargo de governador-geral. Desde 30 de novembro, ainda antes da morte de Isabel II, que Barbados deixou de fazer parte deste grupo: foi o mais recente membro da Commonwealth a optar por eleger o seu próprio Presidente, num sinal dos tempos.

É impossível saber quais as posições de todos estes 15 países, mas tomemos como exemplo três que ajudam a ilustrar as diferentes correntes dentro da Commonwealth face ao reconhecimento do monarca como chefe de Estado: o Canadá, a Austrália e a Jamaica.

Do inerte Canadá às Caraíbas movidas pelo passado colonial

Não é que o apego à monarquia britânica seja muito: segundo uma sondagem de 2008, só 24% dos canadianos sabia que a Rainha era a chefe de Estado do país. E, no entanto, o mais certo é o Canadá não aderir a nenhum movimento republicano, nem mesmo agora que Isabel II já morreu. “Vai haver um debate e haverá pessoas a favor do fim do monarquia aqui, mas não têm qualquer hipótese”, prevê David Johnson.

É certo que a tendência nas sondagens é de um crescente republicanismo — 45% gostavam de eleger o seu chefe de Estado, 13 pontos percentuais acima do registado no ano anterior, segundo a CBC — e é verdade que as manifestações anti-monárquicas, como a de um grupo indígena que derrubou a estátua da Rainha Vitória, são cada vez mais visíveis. Mas a Constituição canadiana complica tudo: “Seria necessário fazer uma emenda constitucional que teria de ser aprovada não só pelo governo federal, mas pelos governos de todas as dez províncias”, resume o professor Johnson. “Basta uma vetar o processo para o deitar abaixo. Não estou a ver o atual governo a querer meter-se nisso…”

Queen Elizabeth II

As alterações constitucionais no Canadá para afastar o monarca britânico exigem unanimidade entre todas as províncias do país

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Não por acaso, o primeiro-ministro Justin Trudeau tem dado vários sinais de que não pretende abrir uma luta pelo republicanismo: “Neste momento parece-me bastante conveniente e até agradável termos um chefe de Estado que não se imiscui na política do país”, afirmou em março de 2021 o líder do governo canadiano. “Temos 150 anos de uma tradição que tem funcionado, que não nos prejudica diretamente nem tem impedido o nosso sucesso como nação.”

Não é apenas no Canadá: as alterações constitucionais podem ser dores de cabeça para qualquer governo que tente mudar as regras. Veja-se o caso da Austrália, que não obriga ao mesmo sistema para alterar a chefia do Estado (basta um referendo com maioria clara a favor da mudança em todos os estados), mas onde se abriria um enorme debate sobre a forma de o eleger: “As pessoas querem uma eleição direta, mas isso pode chocar com o sistema de governo parlamentar do país”, aponta ao Observador a constitucionalista australiana Anne Twomey. “Um mandato popular direto para um Presidente contrasta com o do primeiro-ministro, eleito pelo seu eleitorado e pelos seus deputados. Daí que muitos políticos, académicos e comentadores tenham relutância a esta ideia.”

“Seria necessário fazer uma emenda constitucional que teria de ser aprovada não só pelo governo federal, mas pelos governos de todas as dez províncias. Basta uma vetar o processo para o deitar abaixo."
David Johnson sobre o processo de rejeitar o monarca britânico como chefe de Estado no Canadá

O debate não é uma minudência. “Foi este o problema do referendo de 1999”, diz a jurista. Nesse ano, os australianos votaram para decidir se deveriam eleger diretamente o seu chefe de Estado. Como o debate se polarizou em torno da forma da eleição — e não sobre se os australianos eram a favor de manter a monarquia ou instalar a república —, a mudança foi chumbada.

A Austrália está, por isso, a meio do caminho. Por um lado, há obstáculos legais. Por outro, ali há muito mais apetite por uma mudança do que no Canadá, de acordo com as sondagens. O facto de Isabel II já não ser a Rainha pode atiçar os desejos republicanos num país onde o antigo primeiro-ministro Malcolm Turnbull se definia não como monárquico, mas como “isabelino”. “Não há o mesmo nível de afeto por Carlos aqui”, reconhece Twomey, apontando como principal fator a relação com a Princesa Diana. “Contudo, antecipo uma vaga de simpatia pelo novo Rei, acompanhada de muita propaganda e nostalgia. Isto deve ajudar a aumentar a sua popularidade.”

A isso soma-se o facto de o Príncipe de Gales ter uma relação algo próxima com o país, como aponta Mark McKenna: “Estudou aqui e já visitou a Austrália um sem número de vezes”, aponta o professor de Sydney. “E, para além disso, acho que é imprudente cair na armadilha de achar que, só porque a Rainha morreu, vamos tornar-nos automaticamente numa república. Os australianos têm antes de tudo de responder a uma questão básica: por que querem tornar-se uma república? Isso não deve depender de fatores como quem é o monarca.”

Charles Diana Ayers Rock

Carlos e Diana numa das suas viagens oficiais à Austrália

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Onde os especialistas concordam que o ímpeto para substituir o monarca será mais forte é nos países das Caraíbas, com a Jamaica a tomar a dianteira. Porquê? “São países onde a grande maioria da população são negros descendentes de escravos”, resume David Johnson. “Para eles é estranho serem representados por um idoso branco que vive no Palácio de Buckingham. ‘Porque é que não podemos ter um chefe de Estado parecido connosco?’, questionam-se.”

O que é o mesmo que dizer que o passado colonial britânico pesa e muito nesta matéria.”Desde a década de 1960 que a Rainha tem enfrentado vários pedidos para que reconheça o papel dos seus antecessores no tráfico de escravos africanos nas Américas. Mantendo a sua reputação de preferir o ‘silêncio digno’, nunca falou sobre este passado obscuro nem pediu desculpas”, aponta ao Observador Brooke Newman.

A Jamaica tem sido o país a dar mais sinais de que gostava de levar a cabo esta mudança: em 2012 e em 2016, a primeira-ministra Portia Simpson-Miller disse ‘estar na altura’, mas não iniciou o processo. Vários eventos ao longo dos últimos anos têm feito crescer o interesse pelo republicanismo na região, como o escândalo de Windrush (em que o governo britânico não reconheceu os direitos de imigrantes legais das Caraíbas e chegou a ameaçar deportá-los). Newman aponta outro exemplo: “A acusação pública de racismo por parte dos Duques de Sussex [Harry e Meghan] é profundamente lesiva para a monarquia e revela até que ponto a Coroa não tem lidado com o seu historial de colonialismo, exploração e racismo”. Nas Caraíbas, o debate agiganta-se — e a saída de cena de Isabel II pode acelerar o processo de afastamento da monarquia britânica.

Private Audiences With The Queen At Buckingham Palace

A Rainha Isabel II com Sandra Mason, a nova Presidente de Barbados

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Barbados deu o pontapé de saída para a discussão ao eleger a governadora-geral Sandra Mason como Presidente. Na tomada de posse, a 30 de novembro, o Príncipe Carlos esteve presente, num sinal que a monarquia tenta dar de que não vai obstaculizar estes processos. “A Rainha Isabel II tentou cultivar agressivamente durante todo o seu reinado uma reputação de imparcialidade. No caso de Barbados, limitou-se a dizer ‘Esta é uma questão que diz respeito ao governo e ao povo de Barbados’”, ilustra Brooke Newman. Isto apesar da relevância da decisão: “Barbados foi a primeira colónia de escravos de Inglaterra — o facto de o país cortar os laços com a Coroa ao fim de 400 anos representa um ato de resistência muito poderoso”.

Com Carlos à frente da Commonwealth, algo irá mudar. Resta saber o quê

Para além do debate sobre a manutenção ou não do monarca como chefe de Estado, a morte de Isabel II pode abrir outro debate dentro da Commonwealth: deve continuar a funcionar nos mesmos moldes? A Rainha tentou assegurar em vida que sim. Em 2018, conseguiu que todos os líderes do grupo aceitassem o seu pedido de que a presidência da Commonwealth passasse para o príncipe Carlos após a sua morte, muito embora não haja nenhuma cláusula que faça do cargo hereditário.

“Carlos será um líder da Commonwealth mais interessante e mais franco do que a sua mãe. Mas também é mais excêntrico e imprevisível e, como em tudo, vai depender da forma como ele encarar o cargo.”
Mark McKenna, investigador do movimento republicano na Austrália

David Johnson não crê que esta decisão venha a ser posta em causa agora: “Está fechado”, diz. O que não significa que não haja um ou outro sinal de descontentamento, como assumiu o diplomata ao Politico, dizendo que a transferência do cargo para Carlos “fez disparar alarmes sobre o futuro” da Commonwealth. O canadiano Johnson explica porque razão pensa que esta foi a solução mais fácil: “Escolher um novo líder ia abrir uma série de questões difíceis: Como se elege o representante? Deve o cargo ser rotativo? É preciso criar uma espécie de Constituição para a Commonwealth?”

Mark McKenna concorda que foi para evitar todo este debate que a decisão foi tomada: “Não havia nenhum outro candidato óbvio que fosse respeito por todos e assim evita-se o problema de escolher alguém”, afirma. “De certa forma, é a mesma razão pela qual os australianos continuam a ter a monarquia: é demasiado difícil escolher o método para substituir o monarca.”

The Queen And Senior Royals Attend The Commonwealth Heads Of Government Meeting - Day Two

Em 2018, a Commonwealth aceitou o pedido da Rainha de que a presidência do grupo passasse para o seu filho

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O facto de o Rei Carlos ser o novo líder da Commonwealth pode servir para a desprestigiar ou para lhe dar uma nova vida. Brooke Newman, mais pessimista, prevê o primeiro cenário: “Tenho dúvidas se Carlos vai ser capaz de dar o mesmo nível de gravitas e poder simbólico ao cargo que uma soberana com sete décadas de experiência podia dar. Como sucedâneo do Império Britânico, a Commonwealth está pronta para reconsiderar a sua relação com o soberano britânico.”

David Johnson, por seu turno, tem uma visão mais positiva: crê que as conhecidas posições ambientalistas do monarca podem ser úteis a este organismo e até servirem como nova bandeira. “A Commonwealth vai sobreviver”, garante. “Talvez até se torne mais relevante no futuro para lidar com as alterações climáticas, se, por exemplo, os seus países mais ricos como o Reino Unido, o Canadá e a Austrália ajudarem a financiar as transições carbónicas de outros como a Índia e o Paquistão.”

O australiano Mark McKenna opta pela posição do meio, prevendo mudança, mas não conseguindo dizer se será positiva ou negativa: “Carlos será um líder da Commonwealth mais interessante e mais franco do que a sua mãe. Mas também é mais excêntrico e imprevisível e, como em tudo, vai depender da forma como ele encarar o cargo.” No final, só uma coisa é certa: a Commonwealth não vai ficar como era. Isso mesmo previu o deputado indiano Shashi Tharoor, ainda em 2018, 4 anos antes de Isabel II morrer: “Só há duas escolhas para a Commonwealth: a reinvenção ou o enterro.”

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