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Quando chegámos à rua Zugspitzstraße, no bairro de Giesing, em Munique, sabíamos que o prédio número 6 era a casa de infância de Franz Beckenbauer. O Kaiser é, para a maioria, a figura mais marcante e revolucionária da história do futebol alemão. Foi jogador, foi treinador, dirigente, e a segunda pessoa da história a vencer um Campeonato do Mundo de futebol no relvado e outro no banco. Esperávamos por isso que logo à entrada do prédio houvesse pompa e circunstância para com o seu “rei futebolístico”. Mas nada. Nem uma placa, nem um sinal, nem uma homenagem, ainda mais depois de Franz ter morrido.
Encontrar assim o apartamento que viu os primeiros chutos do Kaiser, parecia mais difícil. Afinal de contas, eram 28 portas no interior. Assim, pouco mais restava do que bater a cada uma delas. Arriscámos num segundo andar, com um acolhedor “Welcome” à porta. Lá dentro estava Viktoriia, a dormir. Com uma simpatia incomum de quem acaba de ser acordada por um jornalista, disse-nos que não sabia ao certo qual era o andar, mas sugeriu: no outro bloco, terceiro ou quarto andar. A pista ajudou.
No quarto e último andar, ouvimos sons. Uma criança e uma mãe a falarem, do lado de lá da porta. Aqui mora gente, pode ser que ajudem. Tocámos e Monika apareceu com o filho. “Olá! Estou à procura da casa de infância de Beckenbauer. Sabe qual é o apartamento?”. Monika riu-se e respondeu: “Sei. É aqui, é a nossa casa”. Bingo. Esta é a história dos Koppmann, a família que vive na casa de Franz Beckenbauer.
“Dizemos a toda a gente. Não queremos que o legado morra”
Monika fala inglês — melhor do que ela pensa –, mas diz que o marido fala melhor. Chamou-o e apareceu então Raphael, mas logo com um aviso: está doente e longe dos seus melhores dias. Mas quando o assunto é futebol e Beckenbauer, qualquer gripe pode esperar. “É uma honra viver aqui e gosto de manter o legado dele. Quero contar a todos que ele morou aqui e o que ele fez pelo futebol alemão. Porque ele não era só um jogador de futebol. Ele tornou gigante o nosso futebol. E como sou um grande fã de futebol e também sou um patriota, gosto de dizer a toda a gente que ele morou aqui”, explica.
Uma atitude completamente diferente da do antigo morador da casa, o melhor amigo de Raphael. A apostar no imobiliário, a prioridade do amigo não era tanto o legado, mas sim o negócio: “Comecei a viver neste prédio em 2012, mas vivia no andar de baixo. Aqui vivia o meu melhor amigo, que também não tinha ligação ao Beckenbauer. Aliás, não tinha ligação nenhuma com futebol. Quando ele comprou a casa, disseram-lhe quem é que tinha vivido cá, mas ele não ligou muito, só queria a casa porque gostava dela”, conta Raphael de forma apaixonada.
Ainda assim, também a sua ligação ao Kaiser não foi imediata. Nunca o conheceu, não é adepto do Bayern de Munique — é um fervoroso fã do Kaiserslautern — e o apartamento, obviamente, já não guarda muito dessa altura. “Nós mudámos-nos para aqui há quatro anos. O prédio foi totalmente renovado e não está exatamente igual ao que estava quando ele cá vivia. Só sobram as paredes e as janelas. E por isso, no início, não pensava muito nesse facto”. Mas um dia, isso mudou: “Foi quando ele morreu. Aí sim, eu e a Monika percebemos o quanto ele significava para tanta gente. Aí passou a ser mais importante para mim também”. Esses dias, conta Raphael, foram de muita confusão em torno da casa: “Estiveram aqui muitos jornalistas e fãs. Puseram muitas flores à porta do prédio, estava cheia de flores e velas. Muita gente tirou fotos a partir de fora, mesmo não sabendo qual era o andar. Só uma ou outra pessoa tentou entrar no prédio”. E duas delas com patrocínio de Raphael e Monika.
“Houve duas pessoas que pediram se podiam entrar. Eram mesmo grandes fãs do Franz. Nós deixámos. Nessa altura, na altura do luto, nós tínhamos posto uma tarja na varanda a dizer ‘Obrigado, Kaiser’. Quando eles a viram, emocionaram-se muito. Não tive dúvidas que devia dar-lhes o pano como recordação.” E assim fez, sendo essa foto agora a imagem de perfil de um dos fãs que entrou na casa, tal como nós.
Ele saltava a vedação e ia jogar à bola
Obviamente que a casa de infância de Franz Beckenbauer só podia ter vista para um campo de futebol. Onde joga agora o SpVgg 1906 Haidhausen, jogava em tempos o SC München von 1906, entretanto já extinto. Foi ali, mesmo à porta de casa, que Becks deu os primeiros chutos. Mesmo que isso fosse de forma quase clandestina. “A mãe dele já contou algumas histórias. Ele saltava a vedação, que era mais baixa do que agora, e entrava lá para dentro para jogar”.
E correu bem. Franz Beckenbauer é considerado — podemos dizer quase unanimemente — o melhor defesa da história. Um homem revolucionário, que acrescentou mais uma posição, a de líbero, o homem que jogava atrás dos centrais. Foi o melhor de sempre nesta posição. Dizia: “pensei que se jogasse atrás dos defesas, teria a vantagem de atacar pelos dois lados”.
No Haidhausen, a figura de Beckenbauer não está presente. Entrámos no campo e não há fotos, não há referências. O clube também já não é o mesmo. Mas há muitas crianças a jogar, a participar num torneio. Um pai, Theo, não sabia que Beckenbauer ali tinha jogado, mas ficou de sorriso na cara quando lhe contámos. Mas há um outro pai que sabe e que tem o maior sorriso de todos: Raphael. “O meu filho só tem dois anos e dorme no quarto que era dele. Ainda não sabe quem é, mas espero que quando for mais crescido possa herdar o talento do Beckenbauer. Quem sabe!”.
Euro2024: Homenagem ao ‘kaiser’ Franz Beckenbauer na cerimónia de abertura
Esta sexta, o imperador, o Kaiser, foi homenageado na cerimónia de abertura do Euro 2024. Uma homenagem simples, mas bonita e que mostra que a Alemanha não se esquece dele. Pode não ter nome de rua, pode não ter placa no prédio, nem foto no campo. Mas no apartamento dos Koppmann, Franz nunca será esquecido.