Portugal é um dos países cuja economia não chegou, ainda, a valores pré-pandémicos. O que só deverá acontecer em 2022. O momento em que isso pode acontecer não é consensual. Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, apontou mesmo o primeiro trimestre. “A atividade no primeiro trimestre de 2022 retomará os valores de 2019 e cresce, no ano, 5,8% (após 4,9% em 2021), sustentada, tal como desde 2015, no investimento e nas exportações, com destaque para os serviços”, afirmou num discurso feito numa conferência organizada pelo Jornal de Negócios e pelo BCP na semana passada.

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Mas há quem atire para mais tarde atingir o marco pré-Covid, ou seja, a economia chegar a valores como os obtidos em 2019. A crise pandémica atingiu a economia portuguesa em 2020, a partir de março, tendo atirado o PIB desse ano para um recuo de -8,4%, uma queda acima dos 6,4% que contraiu a economia no conjunto da zona euro e de 5,9% na União Europeia.

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E se a queda em 2020 foi maior, a recuperação em 2021 não chegou para compensar 2020 e terá, mesmo, sido inferior ao crescimento do bloco. Em 2021, Portugal terá crescido, segundo os primeiros dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), 4,9%, ao passo que, de acordo com o Eurostat, a zona euro e a União Europeia terão recuperado 5,2%. O que significa que Portugal voltou a não convergir, no conjunto do ano, com a região.

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Ainda assim, nas projeções da Comissão Europeia divulgadas na passada semana Portugal recupera algum caminho face ao conjunto dos blocos em 2022 – crescerá 5,5% face aos 4% dos blocos — para voltar a divergir em 2023 — Bruxelas aponta para um crescimento nacional de 2,6% contra os 2,7% da Zona Euro e 2,8% da União.

Portugal registou, no último trimestre de 2019, um produto interno bruto (dados encadeados em volume) de 51.468,2 milhões de euros e em 2021 deverá ter ficado (com base nos números divulgados pelo INE) em cerca de 49.596 milhões de euros, ainda abaixo dos 50 mil milhões de euros trimestrais.

Os economistas contactados pelo Observador concordam em que Portugal não está ainda aos níveis pré-Covid nem em termos anuais nem trimestrais. Paula Carvalho, da unidade de Estudos Económicos e Financeiros do Banco BPI, realça ao Observador que “em Portugal a soma do PIB dos últimos quatro trimestres, comparativa com o PIB de 2019, regista ainda um gap de -4,2% o que poderá ser explicado com o maior peso que o turismo tem na economia nacional face aos outros países. O PIB do quarto trimestre de 2021 foi ainda inferior ao período homólogo de 2019 (-1,4%)”.

Um valor semelhante é dado por Pedro Braz Teixeira, do Forum para a Competitividade, que coloca o PIB do quatro trimestre a 1,5% do período homólogo de 2019. Ao Observador explica que Portugal ainda não está aos níveis pré-pandémicos devido ao peso do turismo na nossa economia — e cujo setor das viagens ainda não recuperou — como também aos confinamentos “duríssimos” que levou a que Portugal tivesse “das maiores recessões da União Europeia”, o que significa que “tem muito mais para recuperar que outros”. Pedro Braz Teixeira considera, ainda, que os apoios públicos “não foram especialmente generosos”, o que também levou à situação económica nacional abaixo de alguns dos congéneres europeus.

Também João Borges de Assunção, da Universidade Católica, realça que “no quarto trimestre a economia portuguesa estava a operar a 98,5% do PIB pré-pandemia”, sendo “o cenário mais provável” o de que a economia “recupere os níveis pré-Covid ainda durante este ano”. Mas este economista vai reforçando que “o ambiente é ainda de grande incerteza até porque os dados das contas nacionais em termos reais estão a beneficiar de efeitos pontuais fortes oriundos dos deflatores do comércio externo”.

O INE revelou dados do quarto trimestre e de 2021 no passado dia 31 de janeiro, mas são dados ainda preliminares. Mais pormenores sobre as contas do ano passado serão divulgados a 28 de fevereiro.

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O que está a acontecer noutros países?

A zona euro já recuperou os níveis pré-Covid e “tudo indica que aí se manterá apesar das restrições sanitárias que afetam ainda diversas economias ao longo do primeiro trimestre deste ano”, salienta João Borges de Assunção. Paula Carvalho realça que no quarto trimestre de 2021 o PIB da zona euro já foi “residualmente” superior face ao quarto trimestre de 2019 — +0,03%, mas no ano todo ainda existe um gap de 1,7% para preencher.

“Até 2021, Portugal teve a segunda recuperação mais atrasada da UE, só melhor que a de Espanha, não tendo conseguido atingir o PIB de 2019. Em 2022, isso deverá ser finalmente conseguido, tal como a totalidade dos outros Estados-membros”, salienta Braz Teixeira, na nota mensal do Forum para a Competitividade.

Espanha está mais atrasada nessa recuperação do que Portugal. A sua atividade está em cerca de 96% dos níveis pré-pandémicos. Mas nos outros países os avanços estão melhores. A Alemanha recuperou quase tudo no terceiro trimestre de 2021 mas “as restrições sanitárias deram origem a um contração em cadeia no quarto trimestre do ano passado”, lembra Borges de Assunção. E assim o BPI projeta que a Alemanha, no conjunto do ano, esteja com uma diferença de 2,3% face a 2019.

Itália está com um gap de 3,1% por preencher. E mais à frente nesta recuperação anual está França. O BPI estima que falte apenas 1,6% para recuperar o PIB para níveis de 2019 em termos anuais. No quarto trimestre França já excedeu o período homólogo de 2019 em 0,9%, segundo estima o BPI. Borges de Assunção confirma que “França já tem a sua atividade económica real acima dos níveis pré-Covid. Ainda com grandes assimetrias claro, já que muitos setores da fileira do turismo, cultura e lazer ainda não tenham tido uma recuperação plena”.

Na Europa há um caso de excelência. O Luxemburgo apresentou em 2021 um PIB 3,9% acima de 2019, aponta o BPI.

No caso dos EUA os níveis pré-Covid foram conseguidos no segundo trimestre do ano passado “e exibem o maior grau de recuperação pós-Covid entre todas as economias desenvolvidas”, realça o economista da Católica.

Ainda assim, Paula Carvalho realça ser “ainda cedo e prematuro retirar grandes conclusões do processo de recuperação da crise Covid. As trajetórias têm sido desiguais entre as várias economias e Portugal não é exceção, particularmente afetado pelo atraso do setor do turismo e atividades afins em retomar níveis mais próximos dos registados no pré-pandemia. Contudo, há setores e segmentos da atividade económica que já recuperaram e que registam boa performance como por exemplo, as exportações de mercadoria”. Por outro lado, em 2021, o volume de negócios na indústria já excedeu em 2,7% o nível de 2019, mas nos serviços ainda ficou 7,9% abaixo de 2019.

Apesar de mais cedo ou mais tarde a alcançar os níveis pré-Covid, Borges de Assunção deixa já o aviso: “A partir de agora os desafios económicos são de uma natureza diferente já que muitos países regressarão, na melhor das hipóteses, ao seu crescimento potencial pré-Covid mas com níveis de endividamento e inflação bastante maiores. Os ventos adversos serão difíceis de vencer. Mesmo antes de se ter em consideração os riscos geo-políticos”.

Quantos anos para voltar atrás?

Num momento em que Portugal está prestes a regressar a níveis pré-Covid, o Forum para a Competitividade faz um exercício de estimar o momento em que Portugal irá atingir o PIB no qual estaria se não tivesse havido pandemia. Usa as previsões do FMI, porque são as que têm prazo mais alargado.

E conclui: “Em 2024, a zona euro atingirá praticamente o nível em que estaria se não tivesse havido esta emergência sanitária (apenas 0,3% abaixo daquele valor)”, ano em que ” Portugal ainda estaria muito distante da recuperação total (2%). Ou seja, extrapolando os valores do Fundo (um crescimento de médio prazo de 1,5% em Out-19 e de 2% em Out-21), só em 2028 é que o nosso país regressaria à trajetória anterior à pandemia. Entretanto, em 2024 conseguiríamos chegar à trajetória mais modesta da zona euro”.

Fonte: Forum para a Competitividade; Linhas vermelhas são para Portugal e azuis para União Europeia

E com este exercício, Braz Teixeira conclui dizendo: “Tudo isto para sublinhar que temos um grave problema de crescimento e que precisamos de reformas profundas para o resolver, não bastam mudanças cosméticas.”